Mais de um terço das famílias portuguesas não tem um fundo de emergência
Nunca o consumo privado foi tão elevado. Os gastos das famílias e instituições sem fins lucrativos, desde as contas da casa à compra de um automóvel novo, atingiram 129 094,1 milhões de euros em 2018, ultrapassando o recorde que datava de 2008. E à medida que o consumo aumenta, a poupança das famílias portuguesas tem vindo a cair. Os dados são da Pordata para assinalar o Dia Mundial da Poupança.
"Nota-se que há uma subida da taxa de poupança em períodos de crise, ou seja, há alguma contenção. Mas depois, passada a crise, a taxa de poupança volta a descer e é o que está a acontecer agora. Aumenta o consumo e a poupança tem sido negligenciada", explica António Ribeiro, economista da Deco.
A poupança dos particulares em 2018 correspondia a 6,5% do rendimento disponível; há 20 anos era de 14,2%. E é três vezes menos do que a registada há 40 anos, em 1978. Em percentagem do PIB, a poupança das famílias portuguesas (4,5% em 2018) é muito inferior à de países como Alemanha, Suécia, França e Luxemburgo, que varia entre 8,6% e 10,8%.
"Há uma grande diferença. Em Portugal, a taxa de poupança é muito baixa. Em primeiro lugar, explica-se com o baixo rendimento das famílias. Depois os próprios produtos financeiros não oferecem um rendimento muito interessante. A maior parte dos portugueses investe em produtos de capital garantido e nos depósitos, onde, por exemplo, o rendimento é próximo de zero", explica o economista. Observa-se até um fenómeno: nos últimos cinco anos, os depósitos a prazo têm diminuído, ao passo que o montante à ordem aumentou 93%. "Como não há incentivo, o rendimento é praticamente o mesmo à ordem ou a prazo. As pessoas deixam o dinheiro à ordem e deixando à ordem quer dizer também que é mais fácil gastar". Guardar dinheiro no banco já só rende 0,1% a um ano, tornando Portugal no terceiro país da Zona Euro onda a remuneração dos depósitos é mais baixa, segundo dados recentes do Banco de Portugal. Aliás, 2018 foi o ano em que os cofres portugueses tinham mais dinheiro depositado à ordem desde 2003.
À fraca poupança associa-se também a falta de capacidade de fazer face a despesas inesperadas. No ano passado, mais de um terço (34,7%) da população portuguesa era incapaz de responder financeiramente a uma emergência. Em 2004, este valor situava-se nos 19,5%.
"Um dos problemas dos portugueses é não terem aquilo a que chamamos o fundo de emergência, aquela conta poupança de curto prazo", salienta António Ribeiro. A Deco tem vindo a reivindicar medidas de incentivo à poupança das famílias, que passam pela diminuição da taxa de imposto sobre os produtos de aforro, como acontece em outros países da Europa. "Por exemplo, na Bélgica, as contas poupança estão isentas até 980 euros de juro anual. Ou seja, às taxas de juro atuais era preciso ter 800 mil euros nessa conta para pagar o juro. Isso é uma forma de incentivar as famílias a ir depositando algum montante, mesmo que seja mais pequeno, mas para ter aquele fundo de emergência que permite que, face a qualquer dificuldade, ter ali o montante disponível. Isso acaba por evitar que as pessoas se endividem".
"Da minha experiência de contacto com o público, as pessoas ainda não conhecem as regras da poupança eficaz", refere, por seu lado, Susana Albuquerque, secretária-geral da ASFAC - Associação de Instituições de Crédito Especializado. "Para conseguirmos poupar sempre, devemos fazê-lo à cabeça, de forma automática. Ou seja, não podemos pensar nisso todos os meses porque, se não, vamos encontrar muitos motivos para não poupar. Quando a poupança acontece automaticamente no início do mês, vivemos o resto do mês com aquilo que temos. E se surgir algum imprevisto, está lá de parte".
Susana Albuquerque reconhece que poupar possa não ser atrativo atualmente e, por isso defende que é importante ter objetivos. "Eu acho que é importante poupar para fazer face aos imprevistos da vida, mas tem de haver também um objetivo positivo associado à poupança. O ideal é que a poupança sirva para estas duas coisas."
"As contas poupança não deveriam ter custos - comissões, custos de manutenção, de gestão - porque o sistema financeiro e o País precisam que as pessoas tenham depósitos no banco. É com esse dinheiro que vão financiar-se as empresas, o investimento na economia. Devia haver algum tipo de incentivo a ter essas contas poupança. Quer seja um depósito a prazo, quer seja um depósito à ordem. Quanto mais não seja que o incentivo seja não ter custos", remata a secretária-geral da ASFAC.