Bolsonaro gera crise com Forças Armadas em remodelação

Saída de general moderado e entrada de fiel bolsonarista no Ministério da Defesa resultou na demissão em bloco dos comandantes de exército, marinha e força aérea. De resto, mudanças agradaram ao poder legislativo e blindaram ainda mais a família presidencial
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A troca de um general moderado por um general alinhado às ideias de Jair Bolsonaro no Ministério na Defesa durante a remodelação ministerial no governo do Brasil de segunda-feira, dia 29 de março, resultou na demissão dos comandantes dos três ramos das Forças Armadas. Analistas e políticos temem que o presidente da República queira exercer mais controle sobre elas, dias depois de afirmar que o exército iria agir contra as políticas de confinamento no combate à pandemia aplicadas por governadores estaduais.

A manchete do jornal O Estado de S. Paulo desta terça-feira, dia 30 - "ministro da Defesa cai por recusar uso político das Forças Armadas" - já expressava esse entendimento. E o colunista Ricardo Kotscho, do portal UOL, escreveu no mesmo sentido, citando fontes militares: "Bolsonaro queria que os militares pressionassem o Congresso a aprovar o Estado de Sítio, que suspende garantias individuais e dá plenos poderes ao presidente".

Segundo a imprensa brasileira, Azevedo e Silva, o general moderado demitido, enfureceu o presidente ao travar esse plano, argumentando que as Forças Armadas estão ao serviço do estado e não do governo. Ele também irritou Bolsonaro ao apoiar a decisão do general que comanda a saúde do exército de aplicar normas rígidas de distanciamento social. E, finalmente, incomodou o Palácio do Planalto ao recusar-se a assinar uma promoção do general Eduardo Pazuello, desastroso ministro da Saúde na pior fase da pandemia.

Será substituído por Braga Netto, general fiel a Bolsonaro, que entrará em funções já nesta quarta-feira, no dia que assinala os 57 anos do golpe de estado que instaurou a Ditadura Militar no Brasil de 1964 a 1985, data festejada anualmente pelo presidente.

"Recebo a notícia da troca no Ministério da Defesa como todos os democratas, com receio. A despeito de não considerar o ministro Braga Netto, que comandará a pasta, um extremista (...) parece haver uma clara tentativa do presidente Bolsonaro de um maior controle ideológico sobre o Ministério da Defesa e, consequentemente, sobre as Forças Armadas", disse à Rádio França Internacional o vice-presidente da Câmara dos Deputados, Marcelo Ramos (PL).

Horas depois da notícia da queda de Azevedo e Silva, os chefes dos três braços das Forças Armadas reuniram-se para decidir se acompanhavam o ex-ministro e demitiram-se. "A saída dos chefes das três Forças tem um motivo gravíssimo: a tentativa de Bolsonaro em avançar no Estado de Sítio. Bolsonaro tenta violar a democracia e põe os brasileiros à própria sorte na pandemia. Chega, fora, impeachment", reagiu a oposicionista Jandira Feghali (PCdoB).

"A ordem é "bolsonarizar" as Forças Armadas. É o "chavismo" sendo implantado no Brasil e ninguém faz nada!", queixou-se a deputada Joice Hasselmann (PSL), ex-apoiante do presidente.

Outra troca que, segundo os observadores, visa reforçar o controlo presidencial sobre as forças de segurança é a nomeação para a Justiça de Anderson Torres, um delegado de polícia próximo da Bancada da Bala, lóbi dentro da Câmara dos Deputados que pretende armar a população, e da família Bolsonaro, num momento em que os quatro filhos do presidente têm problemas com os tribunais. Sergio Moro, o ministro original, saiu do governo afirmando que a prioridade do presidente é aparelhar o setor e blindar a família.

Torres substitui o advogado evangélico André Mendonça, que passa para a Advocacia-Geral da União [cargo com estatuto de ministério], uma despromoção que deve ser compensada com a nomeação dele, um dos mais fiéis bolsonaristas, para uma vaga no Supremo Tribunal Federal em julho. José Levi, o anterior ocupante do posto, sai depois de se ter recusado a assinar uma ação de Bolsonaro contra as medidas de confinamento dos governadores.

Para a Secretaria do Governo, outra função com estatuto de ministério, entra a deputada Flávia Arruda (PL), por pressão do Congresso Nacional, de quem Bolsonaro depende para manter os quase 100 pedidos de impeachment ao presidente na gaveta. Sai o general Luiz Eduardo Ramos, que transita por sua vez para a Casa Civil, onde estava Braga Netto, o novo titular da defesa.

Finalmente, a mais aguardada das demissões: Ernesto Araújo dá lugar ao embaixador Carlos França nas Relações Exteriores. França, que chefiou a embaixada na Bolívia em duas ocasiões, aproximou-se de Bolsonaro ao comandar a área cerimonial do Planalto e é definido como "conciliador"; Araújo, por sua vez, é habitualmente definido como o pior titular das Relações Exteriores de sempre.

"Tem lugar de destaque no caixote do lixo da história nacional", resume o especialista em política internacional Mathias Alencastro, no jornal Folha de S. Paulo. "Felizmente, ao que parece, Ernesto Araújo será devolvido a seu merecido anonimato, lugar onde seus delírios não prejudicam o país", escreveu em editorial o jornal O Estado de S. Paulo, que acrescenta que "o bolsonarismo planeia desde sempre transformar as Relações Exteriores numa cidadela de lunáticos reacionários, sob inspiração de um obscuro ex-astrólogo que mora nos Estados Unidos". Uma referência a Olavo de Carvalho, guru de Bolsonaro e da extrema-direita brasileira, cuja influência no governo vem-se esfumando.

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