A história de 'ódio' de Mário Machado e o Facebook
Consultora da rede social em Portugal pediu proteção policial por ameaças de Machado, cuja organização Nova Ordem Social foi denunciada por suspeita de "crimes contra a liberdade pessoal".
No dia em que se realizou em Lisboa a polémica conferência europeia de extrema-direita, a 10 de agosto, um funcionário da consultora que monitoriza em Portugal os perfis da rede social Facebook denunciou à PSP que, em frente às instalações da empresa, tinham sido penduradas duas tarjas, com inscrições interpretadas como ameaçadoras para os funcionários.
Nas faixas de cor preta, que foram colocadas na avenida junto da sede da consultora, estava escrito "Raça e Pátria", o nome da empresa junto ao símbolo do Facebook, seguidos por um sinal de igual e o desenho de um excremento à frente. Estava também o símbolo da Nova Ordem Social (NOS), organização do neonazi Mário Machado.
Aquela empresa (cujo nome optámos por proteger), também especializada em cibersegurança, é a responsável pela eliminação do Facebook de conteúdos considerados extremistas e que propagam o discurso do ódio.
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Em Portugal tem apagado centenas de páginas, entre as quais cerca de 200 alegadamente ligadas a Mário Machado e à NOS - muitas por denúncias de organizações antifascistas. A NOS tem a classificação de "grupo de ódio" e foi banida do Facebook.
Por isso, a empresa tem sido alvo de pressão da parte do ex-líder dos skinheads e seus apoiantes. Fonte policial, que está a acompanhar o caso, lembra que "no início deste ano, a empresa chegou a ter proteção policial depois de ter sido alvo de ameaças às suas instalações e de vários funcionários terem sido sujeitos a coação e ameaças por parte de membros daquela organização".
Contactado pelo DN, o Facebook declinou comentários, mas o seu porta-voz em Portugal sugere a consulta online dos "Padrões de Comunidade", nomeadamente no que diz respeito ao "Discurso que incentiva o ódio" e às "Pessoas e organizações perigosas", que acreditam "ter extrema pertinência neste caso de Mário Machado".
Foi o "camarada Cassola", denunciou Machado
Mário Machado já tinha ameaçado a consultora e os seus funcionários através das redes sociais - a partir do momento em que terá sabido, através de notícias da imprensa, de que esta empresa estaria a trabalhar para a rede social.
Também por isso a ação das faixas ofensivas - processo que a PSP já entregou ao Ministério Público - foi lida como podendo configurar "crimes contra a liberdade pessoal", uma vez que "foi entendido que as tarjas tinham sido ali colocadas para que os trabalhadores da empresa se sentissem pressionados, ameaçados e coagidos no desempenho das suas funções", assinala outra fonte envolvida.
A iniciativa foi de facto importante. Aliás, mereceu uma referência especial de Mário Machado na conferência de 10 de agosto, a reunião internacional de extremistas que contou com a presença de líderes neonazis e fascistas de Itália, Bulgária, Espanha e França.
No seu discurso, o dirigente da NOS elogiou um tal de "camarada Cassola", que tinha vindo de Inglaterra na véspera e tinha conseguido sozinho "fazer e colocar as duas faixas em dois viadutos de Lisboa".
Assim, Mário Machado acabaria por revelar, inadvertidamente ou não, o nome do autor daquela ação - que até essa altura, sabe o DN, as autoridades não conheciam, nem tinham, aliás, certeza da sua autoria. Mário Machado confirmaria também nesse discurso que o Facebook teria apagado "192 páginas" da NOS. "A única organização apagada do Facebook", queixou-se.
Vontade de "agarrar" e "espancar"
Foi em janeiro passado que Mário Machado elevou o tom da sua guerra com o Facebook. Publicou no seu fórum da internet a fotografia e o nome de um dos técnicos da consultora, denunciando-o como tendo sido um dos autores da eliminação das páginas da NOS.
No texto titulado "o censor antifa pago pelo Facebook", Mário Machado escreve que se trata de um funcionário contratado para monitorizar o Facebook e um dos que mais tem perseguido os nacionalistas portugueses, através de sucessivos "castigos e suspensões" de perfil.
Mais informa que "na sua página de Facebook (este funcionário) revela o seu ódio irracional a Bolsonaro, e as suas tendências políticas em várias publicações, sempre contrárias ao ideal patriota". Um mês depois, volta a comentar: "Dá mesmo vontade de agarrar um rapazinho desses... pegar na foto e esbarrar-lhe na cara... e espancá-lo horrivelmente ... mas não pode ser... mas... dá vontade dá."
O DN contactou R.M., que já não está na consultora e lamenta as ameaças por se ter limitado "a seguir as regras" do seu trabalho. "Como se o Facebook não tivesse mecanismos de controlo, que não tenho liberdade de discutir, para que os moderadores de conteúdos façam um trabalho o mais imparcial possível, como se um moderador pudesse decidir que organizações são consideradas grupos de ódio". R.M. explica que faz parte do trabalho dos moderadores da consultora "estar ao corrente dos assuntos atuais", designadamente seguir na internet grupos que difundam discurso do ódio.
Liberdade condicional em risco?
Mário Machado sabe que está debaixo de olho das autoridades, designadamente da Unidade Nacional de Contraterrorismo da PJ, que tem dirigido as várias investigações que sobre ele recaem.
Além disso, tendo sido condenado em 2012 a uma pena de dez anos de prisão, em cúmulo jurídico de vários processos - por roubo, extorsão, posse de arma proibida, discriminação racial, entre outros -, está em liberdade condicional desde 2017.
O seu advogado, José Manuel Castro, garantiu ao DN desconhecer as "alegadas ameaças" à consultora que trabalha para o Facebook e acredita que "em nada" comprometerão as condições da liberdade condicional.
O facto é que Mário Machado, condenado no processo do homicídio de Alcindo Monteiro, tem somado casos nos últimos tempos. No dia da conferência internacional em Lisboa chegou a ser identificado pela PSP por ameaças e injúrias contra funcionários do Hotel Altis, de Belém, por estes terem cancelado de véspera a reserva de uma sala que tinha feito para a realização do encontro.
Nesta semana, o Ministério Público anunciou um inquérito para investigar a eventual existência de crime de discriminação e incitamento ao ódio e à violência numa mensagem publicada nas redes sociais pelo NOS, assinado por Machado.
Nessa mensagem, Mário Machado tinha várias partilhas na rede social Twitter - e ainda tem no seu Fórum -, onde pedia ajuda para localizar o alegado homicida - negro - de um jovem numa discoteca do Algarve. Num dos posts, o líder da NOS apresenta a fotografia do alegado autor do crime, oferecendo uma quantia para quem tiver informações sobre o seu paradeiro. O suspeito do homicídio, no final da semana passada, está em fuga e é procurado pela PJ.
Em relação a esta última situação, José Manuel Castro já se mostra mais cauteloso. "Não interfere na liberdade condicional, mas já pode ter relevância jurídica, ao contrário dos outros casos em que não se foi mais longe do que uma identificação", afirma. No entanto, assinala, "só com uma condenação transitada em julgado a liberdade condicional pode ser revogada".
O advogado desculpa o seu cliente, lembrando que Mário Machado "tem um estilo muito próprio, de limite", e que "os processos pelos quais ele foi condenado são totalmente distintos da sua atividade política". "Não é para levar à letra as alegadas ameaças que profere. Se passasse das palavras aos atos é que era mais complicado", diz.