Programa do governo. O regresso de Costa, a estreia de Rio e o fim da geringonça
Um governo com setenta governantes (um primeiro-ministro + 19 ministros + 50 secretários de Estado). Na oposição ao PS, que é agora, finda a geringonça, constituída todos os partidos parlamentares menos o PS, este deverá relevar-se o tema de maior unanimidade crítica face ao novo governo liderado por António Costa, o XXII desde que há governos constitucionais (1976).
O debate do programa do governo inicia-se hoje de manhã e terminará amanhã e já se sabe, conforme o DN noticiou, que o documento não será sujeito a votos, nem através de moções de rejeição apresentadas pela oposição nem através de uma moção de confiança apresentada pelo governo. Finda a discussão, quinta-feira, o governo estará então na plenitude das suas funções - e centrado, essencialmente, em preparar o Orçamento do Estado para 2020. António Costa abrirá hoje o debate, Augusto Santos Silva, ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, encerrará, na quinta-feira.
Várias novidades marcam este primeiro grande debate parlamentar da XIV legislatura: é a primeira vez que António Costa chefia um governo tendo ganho as eleições; é a primeira vez que Rui Rio acumulará a liderança do PSD com a função de deputado eleito pelo seu partido (e preparando-se para ser chefe da bancada até que o PSD decida a liderança, em fevereiro de 2020); Bloco de Esquerda, PCP e PEV estarão agora libertos de acordos escritos (ou "posições conjuntas", como o PCP preferia dizer) com o PS; será também a primeira vez que o Parlamento está fragmentado em dez forças diferentes, com três novos partidos a terem um deputado cada um: o Chega (André Ventura), a Iniciativa Liberal (João Cotrim de Figueiredo) e o Livre (Joacine Moreira) - tendo cada um dez minutos para intervir no debate.
Ao discursar na sua tomada de posse, António Costa tentou piscar o olho à esquerda anunciando que o governo aprovará uma subida do salário mínimo nacional (SMN) durante os próximos quatro anos que o levará até aos 750 euros em 2023. Para o Bloco, o valor até pode ser aceitável. Os bloquistas não esquecem, porém, que agora António Costa quer acordar a progressão do SMN na concertação social - e não com o BE, como fez em 2015. Para o partido de Catarina Martins, privilegiar a concertação social é o mesmo que dormir com o inimigo (os patrões). Além do mais, António Costa promete que não vai fazer ao BE ou ao PCP uma única cedência em termos de revisão do Código Laboral (revogando as medidas impostas durante o tempo da troika).
Os valores finais do SMN avançados pelo primeiro-ministro podem até agradar ao Bloco - mas estão longe de o fazer aos comunistas ou ao PEV (que querem 850 euros em 2023). Outro aspeto em que Costa não cede ao BE ou ao PCP é nas parcerias público-privadas (que ambos os partidos querem dar como encerradas). No programa do executivo é apenas prometido que não haverá nenhuma PPP em estabelecimentos onde atualmente não existam; mas podem ser renovadas as que existem.
Assim, a única cedência que o chefe do governo terá feito à esquerda parlamentar foi a de não incluir no programa do governo medidas de reforma do sistema político (que, de qualquer forma, seriam sempre iniciativa não do governo mas sim da bancada do PS). De resto, já estava comprometido no programa eleitoral baixar o IRS das classes médias. E, em relação PCP, parece haver sintonia com o governo na ideia de aumentar a oferta pública de creches.
Em relação à direita também não há cedências. Costa não tem qualquer intenção de ir ao encontro das propostas do PSD ou dos outros partidos à direita do PSD que defendem reduções do IRC. Em relação ao PSD, até deixou cair a ideia de reforma do sistema político - uma das bandeiras de Rui Rio. E também recusa em absoluto concordar com o líder social-democrata no setor da Justiça quando este propõe, por exemplo, que os magistrados do Ministério Público fiquem em minoria face aos representantes da sociedade civil no respetivo Conselho Superior.
O PAN, entretanto, mas também o Livre reivindicaram ter conseguido incluir algumas das suas ideias no programa do governo. O PAN referiu a proposta de encerramento antecipado da Central do Pego (que transforma carvão em energia). E o Livre, agora representado no Parlamento pela deputada Joacine Moreira, disse que o executivo reconheceu a sua proposta de um "Green New Deal para a Europa que, sob o nome de Pacto para a Europa Verde, será uma das prioridades da presidência portuguesa da União Europeia em 2021".
De resto, espera-se do primeiro-ministro que - tal como fez no seu discurso de tomada de posse, sábado - coloque sobretudo nos partidos antigos, parceiros da geringonça, o ónus da estabilidade. "A ausência de uma maioria absoluta impõe aos partidos, que têm sido - e queremos que continuem a ser - nossos parceiros, o dever acrescido de contribuírem de modo construtivo para o sucesso deste diálogo ao longo de toda a legislatura", disse então o chefe do governo - e por estas ou outras palavras deverá repeti-lo.
De bloquistas e comunistas já se conhece a resposta: a estabilidade depende das políticas que forem seguidas. Rui Rio já agitou o espetro de eleições antecipadas, há alguns dias: "A legislatura tem condições para durar quatro anos, eu é que tenho dúvidas se ela consegue durar os quatro anos, mas vamos ver."