Portugal perde 9% do IRC para países com impostos mais favoráveis
Portugal perde o equivalente a quase um décimo da receita com IRC em resultado da transferência de lucros de empresas para regimes fiscais mais favoráveis. São 9% do imposto, qualquer coisa como 777 milhões de euros por ano. É mais do que custa neste ano, na função pública, o descongelamento das carreiras, aumentos, horário de 35 horas na saúde e novas contratações. Medidas calculadas em 750 milhões.
Os valores são estimativas de um estudo da organização Tax Research UK, encomendado pela aliança dos Socialistas do Parlamento Europeu, que coloca a perda total na União Europeia com transferências de lucros em 21 mil milhões de euros. Ao todo, as perdas com esquemas de planeamento fiscal abusivo em geral poderão ir até 190 mil milhões de euros, estimou nesta semana Estrasburgo, num relatório de recomendações à Comissão Europeia.
O relatório do Parlamento Europeu, aprovado na terça-feira, aponta Malta, Chipre, Holanda e Irlanda como jurisdições cujas lacunas fiscais são particularmente exploradas por veículos especiais de empresas estrangeiras, e pede uma avaliação por Bruxelas a este tipo de investidores.
Portugal está entre os perdedores da concorrência fiscal e do planeamento fiscal das empresas, que em breve verão a malha da Autoridade Tributária mais apertada para detetar situações abusivas. A transposição de novas diretivas europeias antielisão fiscal, aprovada na Assembleia da República no passado dia 21, vai permitir ao fisco ir atrás de mais IRC.
Grande parte das empresas cotadas no PSI 20, por exemplo, mantêm sociedades financeiras no exterior. Mas, entre 2015 e 2017, os inspetores das Finanças detetaram apenas 18 casos de planeamento fiscal abusivo no país. Ao todo, o fisco conseguiu apurar mais 446 milhões de euros de lucros não declarados pelas empresas, em esquemas que vão desde o não reconhecimento de lucros de participadas em paraísos fiscais ao uso abusivo de acordos sobre dupla tributação.
Em relatórios ao Parlamento, o fisco reconhece que a lei até aqui em vigor "é de difícil aplicação". Além disso, diz, as correções de lucros feitas "são frequentemente objeto de recurso, maioritariamente para o Centro de Arbitragem Administrativa, cuja jurisprudência tem sido significativamente desfavorável à Autoridade Tributária".
António Gaspar Schwalbach, responsável da área fiscal da Telles de Abreu, considera que, com a nova legislação, as Finanças ficam em "situação ímpar" face ao passado. "A Autoridade Tributária nunca esteve tão dotada de meios que lhe permitem identificar estas entidades e de legislação que lhe permite exigir tributação", defende.
Até aqui, o fisco só podia ir tributar lucros de holdings no estrangeiro quando estas estivessem sujeitas a taxas de imposto inferiores a 12,6%. Na nova lei, vai poder cobrar IRC adicional quando estas paguem efetivamente abaixo de 10,5% dos lucros. E, dentro da União Europeia, haverá cobrança quando os negócios abertos no exterior tenham uma existência artificial.
Pedro Vidal Matos, do departamento fiscal da Cuatrecasas, explica que estarão em causa "operações não genuínas do ponto de vista económico, realizadas tendo como finalidade principal a obtenção de uma vantagem de natureza fiscal em circunstâncias não condizentes com as razões substantivas que justificam essa vantagem do ponto de vista do legislador".
Mas, questiona António Schwalbach: "Será que a Autoridade Tributária terá capacidade para tratar a informação bruta que chega de todos os outros Estados e conseguir chegar a conclusões em tempo útil?"
E, ainda assim, as perdas decorrentes de planeamento fiscal serão apenas uma ínfima parte da receita que fica por cobrar. Richard Murphy, autor do estudo da Tax Research UK e de O Livro Negro das Offshores, dá outra dimensão. Entre medidas políticas como benefícios fiscais, evasão, fraude e elisão, Portugal poderá perder mais de 12 mil milhões de euros. No conjunto da União Europeia serão mais de 943 mil milhões.
"Claro que é importante acabar com o abuso por multinacionais, e Portugal está a sofrer esta situação de uma forma particular, mas o caso é ainda que a principal perda fiscal que ocorre em Portugal e noutros países resulta da atividade, sobretudo, de pequenos comerciantes que não declaram os seus lucros de todo", nota.