"Aufwiedersehen, Frau Merkel". Alemanha prepara-se para futuro "menos estável"

De <em>Mädchen</em> a <em>Mutti</em>, para trás a chanceler deixa a "última era dourada" da Alemanha, e várias crises: económica, dos refugiados, da zona euro e da saúde, provocada pela pandemia. O país perde estabilidade, mas fica mais "pró-europeu".
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Um país em confinamento total, com escolas e comércios fechados, na expectativa de conseguir baixar o número de vítimas provocadas pela pandemia de covid-19. Começa assim o último ano de Angela Merkel à frente da Alemanha, ainda sem saber quem será o seu possível sucessor dentro do partido, a União Democrata-Cristã (CDU). Depois de adiado duas vezes, o congresso interno vai finalmente acontecer a 15 e 16 de janeiro, mas com um eleitorado ainda pouco virado para pensar nas legislativas, marcadas para o próximo outono.

"Os eleitores ainda nem começaram a pensar nas suas preferências para liderar a Alemanha pós-Merkel", assegurou ao DN Thorsten Benner, o cofundador e diretor do Global Public Policy Institute (GPPi) em Berlim.

As últimas sondagens dão à CDU um resultado acima dos 35%, mas a escolha do novo líder, sucessor de Annegret Kramp-Karrenbauer, e candidato a chanceler, pode mudar o panorama.

"Tanto os Verdes, como o SPD têm hipóteses na corrida à chancelaria, já que muitos eleitores de Merkel não são necessariamente apoiantes da CDU, mas votaram na CDU por causa de Merkel. Especialmente se a CDU eleger alguém mais conservador (Friedrich Merz), esses eleitores podem mudar para os Verdes ou para o SPD", considerou.

O Partido Social-Democrata e os Verdes aparecem, nas últimas projeções, lado a lado ou com apenas alguns pontos de diferença.

"Pela primeira vez, os Verdes terão um candidato sério a chanceler. Provavelmente será um dos líderes, Annalena Baerbock, ainda bastante desconhecida do público alemão, mas muito competente", adiantou Benner, acrescentando que o SPD escolheu Olaf Scholz, vice-chanceler e ministro das Finanças do atual governo, como candidato, "na esperança de que os eleitores de Angela Merkel o vejam como alguém mais próximo dela e lhe confiem o seu voto".

Para o politólogo Stefan Marschall, docente na Universidade Heinrich-Heine de Düsseldorf, o futuro político da Alemanha "vai depender muito da coligação que se forme nos próximos anos", afastando, ainda assim, a possibilidade da repetição de uma "grande coligação" (GroKo), como existe atualmente, formada por CDU, CSU (partido irmão da CDU na Baviera) e SPD.

"Julgando pelos dados de que dispomos atualmente, os Verdes vão ter um papel crucial no próximo governo. Por isso, a Alemanha ficará "mais verde" depois de 2021", destacou.

"O sucessor vai precisar de tempo para se estabelecer e seguir os passos de Merkel. Quando ela começou, há cerca de 15 anos, também precisou de tempo para assumir a função que desempenha hoje. No que diz respeito ao papel alemão na Europa, haverá um vazio após a saída de Merkel, que poderá ser preenchido pela França, e pessoalmente pelo presidente Macron", recordou Marschall.

Thorsten Benner lembra que, há 15 anos, a protegida de Helmut Kohl, que a tratava por "mein Mädchen" (minha menina), não reunia muito entusiasmo.

"As expectativas, quando Merkel assumiu a chancelaria, eram muito baixas. Os chanceleres alemães geralmente ganham estrutura durante o desempenho de funções. Dito isto, é muito improvável que algum dos seus sucessores consiga manter-se no poder por muito tempo - como Merkel e Kohl fizeram", sentenciou.

Foram precisos alguns anos no poder para Angela Merkel se tornar na Mutti dos alemães, uma forma familiar de dizer "mãe", e para ser considerada "Personalidade do Ano" e "Mulher mais Poderosa do Mundo" pelas revistas Time e Forbes.

A primeira mulher a liderar o governo alemão enfrentou várias crises, revolucionou a forma de governar, e deixa, sem dúvida, um forte legado.

"Toda uma geração de alemães com menos de 30 anos cresceu com uma líder feminina (...) A Alemanha não voltará atrás e poderá aspirar à igualdade de género também noutras áreas da vida social, especialmente na liderança de empresas", salientou o analista político Thorsten Benner.

O estilo de governar, "sem vaidade, respeitando a dignidade humana, sem jogos de machismo", também marca os quatro mandatos de Merkel, que deixa um país mais aberto e polarizado, em parte como reação à crise dos refugiados, em 2015.

"Muito provavelmente, os anos de Merkel serão lembrados como a última era dourada da Alemanha, apesar das muitas crises (financeira, da zona euro, dos refugiados, da saúde). O país teve uma boa gestão económica", evidenciou.

Mas a última "era dourada" alemã de Merkel será também recordada pelo que faltou preparar para o futuro, destacou Benner, apontando o investimento perdido na competitividade da sua base económica, o falhanço na transformação digital e o pouco investimento em segurança e na Europa.

Stefan Marschall acredita que a herança de Merkel será fortemente determinada pelo evoluir da pandemia de covid-19, com uma crise que está a atingir "fortemente" a Alemanha, enfraquecendo o país económica e socialmente.

"Enfrentar as consequências da covid-19 será um dos desafios mais importantes e difíceis para o seu sucessor", sentenciou.

Já na União Europeia, "Merkel assumiu um papel central, como negociador experiente em negociações complexas, colocando assim a Alemanha juntamente com a França novamente no centro do jogo de poder europeu". O docente na Universidade Heinrich-Heine de Düsseldorf não tem dúvidas de que a Alemanha continuará a representar um papel "pró-europeu" fundamental.

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