Imaginem a Civilização Ocidental com um vestido de gala (colar opulento, penduricalhos, ombros sedutoramente expostos) a percorrer uma passadeira vermelha perante um batalhão de paparazzi. A poucos metros de distância, dezenas de fãs brandem caderninhos, à caça de autógrafos. A Civilização Ocidental sorri nervosamente. A multidão pode esconder inúmeros perigos; cada admirador pode ser um assassino disfarçado. Quem a protege? Quem mantém a Civilização Ocidental em segurança? Felizmente, está tudo controlado: "Trump é o guarda-costas da Civilização Ocidental." A transmissão televisiva da Convenção Republicana tinha começado há menos de cinco minutos e a frase foi proferida por Charlie Kirk, o playmobil em forma humana responsável pelo primeiro discurso da noite. Na posterior interrupção publicitária, um dos anúncios na CNN não tentou vender um produto, mas apenas afirmar a sua utilidade cívica: a imagem de uma máscara cirúrgica, com a legenda "Isto é uma máscara. Não é uma declaração política; é apenas uma máscara". O discurso de Kirk, como quase todos os outros, foi feito num auditório vazio: o efeito (como nos recentes jogos de futebol sem público) é desconcertante, e o contraste com as memórias do passado nunca o deixa ser inteiramente assimilado. Desde que as primeiras convenções partidárias americanas foram transmitidas (em 1956), aquilo que sempre pareceram, mais do que qualquer outra coisa, foi programas de televisão; paradoxalmente, no ano em que são "apenas" programas de televisão, parecem menos programas de televisão do que já foram: a artificialidade é estranhamente comprometida pela falta de público. Uma multidão a aplaudir é essencial à integridade narrativa de uma pessoa a gritar disparates num palanque. Em muitos aspectos, no entanto, foi uma convenção igual a todas as outras, talvez até mais bem comportada do que a de 2016, e menos recheada de momentos memoráveis do que a de 2012 (quando Clint Eastwood conversou com uma cadeira vazia durante nove minutos). A política americana é intrinsecamente divertida quando vista estritamente como espectáculo televisivo, e o Partido Republicano dos últimos quatro anos é talvez a melhor fonte de entretenimento surgida numa democracia, com uma notável subespecialização na estética da insanidade. Donald Trump como "guarda-costas da Civilização Ocidental" seria uma imagem insólita em quaisquer outras circunstâncias, mas fez todo o sentido no contexto temático das quatro noites, que estipulou um mundo à beira do apocalipse. Cada participante, desde o presidente de uma associação de artes marciais a um sindicalista da indústria madeireira, passando por algumas celebridades secundárias da internet, descreveu uma distopia infernal prestes a acontecer. "Joe Biden é o monstro do Loch Ness do pântano", explicou Trump Júnior, "e os Democratas Radicais querem cancelar-nos a todos!". "Eles querem controlar o que nós vemos e ouvimos e pensamos para poderem controlar como vivemos!", assegurou aos gritos uma operação plástica identificada como Kim Guilfoyle. "Não se iludam: onde quer que seja, nunca estaremos a salvo", profetizou uma senhora conhecida por ter aparecido na televisão com uma semiautomática em punho. De vez em quando, a retrospectiva informal de Bosch e Brueghel era interrompida por alguns discursos tendencialmente "inspiradores" (pessoas que não tinham emprego, mas depois tiveram, graças ao presidente; pessoas que estiveram doentes, mas já não estavam, graças ao presidente). As alusões da praxe ao "Sonho Americano" - a ideia de que qualquer pessoa, independentemente das suas origens, pode triunfar graças à competência e à vontade de trabalhar - foram reiteradas pelos dois filhos de Trump, pela filha de Trump, pela outra filha de Trump, pela nora de Trump e pela mulher que se casou com Trump. Depois o interlúdio chegava ao fim, e o apocalipse recomeçava: "Prédios abandonados! Lojas de bebidas em cada esquina! Drogados nas ruas!" O congressista Matt Gaetz foi quem tentou elaborar o cenário mais específico: "Joe Biden vai fazer de vocês figurantes num filme escrito, produzido e realizado por outros. É um filme de terror, na verdade. Eles vão tirar-vos as armas, esvaziar as prisões, fechar-vos nas vossas casas e convidar um gangue de criminosos mexicanos a mudar-se para a casa do lado." Nada disto é propriamente novidade: os americanos sempre calibraram a sua retórica eleitoral como a derradeira oportunidade de evitar um desastre sem precedentes. Mais raro, talvez, é a retórica surgir de uma administração em funções e não de uma insurgente alternativa ao statu quo. Seria uma estratégia invulgar se o que estivesse a ser oferecido fosse um argumento político, uma defesa de uma maneira de fazer as coisas, em contraste com outra maneira. Mas este tipo de eventos (tal como a campanha que se segue) já não é primariamente um mecanismo de persuasão. O seu propósito não é fornecer um modelo para explicar a realidade, mas apenas sinalizar que partilha com o público-alvo um modelo que já existe, construído e distribuído de uma forma peculiarmente contemporânea: o samidzat etéreo de medos, ódios e irritações que circula como estenografia identitária nos seus espaços designados na internet e nos canais por cabo. Estas são as coisas que me irritam, estas são as pessoas que odeio; este é o "meu" lado, aquele é o outro. O discurso político que surge destes espaços não é sequer uma conversa, mas uma cacofonia de monólogos rancorosos, cujo objectivo nunca é convencer terceiros, mas consolidar um conjunto de pressupostos, superstições e microignorâncias deliberadas. Serve para transmitir lealdade à marca, para publicitar uma certa maneira de ver o mundo. Trump, claramente, não possui nem nunca possuiu nada que se assemelhe a uma ideologia: as suas "convicções" políticas não são mais do que uma colecção de impulsos semiconscientes na defessa agressiva do seu próprio ego, complementada com algumas frases soltas ouvidas na televisão, e prontamente esquecidas até alguém as repetir no mesmo ecrã. A sua base é constituída pelos que se irritam com as mesmas coisas que o irritam. Porque não há nada substancial de que tencione convencer alguém, a questão de acreditar nele ou não é reduzida ao essencial. Revolução marxista, hordas de vândalos, elites pedófilas, oposição a soldo da China, imprensa inimiga do povo: ninguém precisa de "acreditar" literalmente em nada disto - apenas na sua validade como metáforas para a perversão essencial do outro lado. Não é uma declaração política; é apenas uma máscara. Não serve para esconder, mas para mostrar quem está do mesmo lado. Escreve de acordo com a antiga ortografia