José Manuel Silva: "Coimbra não vai voltar a ser esquecida pelo poder central"

Novo presidente eleito percorreu com o DN o coração da Baixa de Coimbra na manhã seguinte à vitória. Entre cumprimentos e felicitações, garantiu estar pronto para libertar uma cidade "asfixiada", reconheceu mérito a Rui Rio no resultado e avisou que não vai aceitar discriminação negativa face a Lisboa e Porto.
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Passam poucos minutos das 10h00 quando José Manuel Silva chega à Praça do Comércio, outrora símbolo de uma fervilhante atividade comercial na Baixa de Coimbra e agora, diz, espelho de um "mau uso dos recursos" da autarquia ao longo dos últimos anos, com uma requalificação granítica que "pouco tem que ver com a cidade".

Foi ali que o novo presidente eleito da Câmara Municipal de Coimbra recebeu o DN na manhã seguinte à noite eleitoral em que protagonizou um dos grandes destaques destas autárquicas, ao pôr fim a oito anos de gestão do socialista Manuel Machado na cidade do Mondego. Um ponto de partida para uma conversa que se foi prolongando até à Praça 8 de Maio, onde se situa o edifício da câmara que vai liderar nos próximos quatro anos, e que serviu também para o primeiro contacto com a população após a estrondosa vitória (com maioria absoluta) da noite anterior. Por entre os inúmeros cumprimentos e felicitações, o futuro autarca de Coimbra foi dando conta do "muito" que há "para fazer e mudar" e deixou alguns recados ao poder central: "Não vamos voltar a aceitar uma discriminação negativa em relação a Lisboa e Porto."

Para trás tinham ficado "menos de quatro horas de sono", confessa José Manuel Silva à chegada à Praça do Comércio. "Nada a que não esteja já bem habituado", depois de "muitos anos a fazer urgências no hospital". Este médico, antigo bastonário da classe entre 2011 e 2016, liderou a coligação Juntos Somos Coimbra, que agregou sete forças políticas (PSD, CDS, Nós Cidadãos, PPM, Volt, RIR e Aliança) para derrotar o autarca socialista Manuel Machado, a quem acusa de ter "asfixiado" a cidade. Por isso, diz, "não há tempo a perder" para recuperar "o atraso" de uma Coimbra "envelhecida", "sem indústria" e "sem emprego", apontam vários dos conimbricenses com quem o presidente eleito se vai cruzando.

"Este executivo apostou em ter uma cidade exclusivamente de comércio e serviços. Não é sustentável. É preciso atrair empresas, investimento, emprego. As empresas vinham bater à porta do executivo e não tinham resposta", critica José Manuel Silva, dando o exemplo da Feedzai, "única empresa unicórnio portuguesa com sede em Portugal", para sublinhar que "o problema não é a incapacidade de Coimbra, mas sim uma opção ideológica".

"A vontade de mudança sentia-se. Não esperava é que ele ganhasse pela margem com que ganhou", diz José Nogueira, proprietário de uma loja na Praça do Comércio, desalentado por a cidade "continuar à sombra da imagem da universidade e não passar daí". À porta, José Manuel Silva vai recebendo os parabéns de quem passa e o reconhece, como uma antiga professora dos seus tempos da Faculdade de Medicina, que espera que o antigo "aluno aplicado" consiga meter Coimbra "na linha", perspetivando-lhe "muito trabalho".

A todos José Manuel Silva vai ouvindo com atenção, quase sempre em concordância. E garante que sabe ao que vai, ciente dos "pequenos" e dos "grandes" problemas da cidade, mesmo se na rua ainda estranha quando lhe chamam "senhor presidente". Afinal, "este é um caminho que já tem quatro anos", diz, lembrando a eleição de dois vereadores, em 2017, com a candidatura independente Somos Coimbra (à qual agora se juntaram os sete partidos da coligação).

Uma das diferenças que promete, e na qual insiste, é precisamente esta "vontade de governar de portas abertas" para a população, ao contrário da arrogância que aponta ao executivo de Manuel Machado. Também por isso, diz, "pelo desgaste" da cidade em relação ao presidente atual, José Manuel Silva garante que a maioria absoluta que conseguiu não o surpreendeu totalmente. "A aritmética dos votos [de há quatro anos] mostrava que era possível uma votação em torno dos 42%. Por isso é que as pessoas da cidade nos pediam para nos juntarmos neste projeto", diz, convicto de que recebeu também "o voto de muitos socialistas que pensaram na cidade acima das questões políticas".

"Eu não lhe disse que era limpinho?", interpela-o mais um munícipe, já na Rua Visconde da Luz, a meio caminho do edifício da câmara. De seguida, uma voz feminina lança um pedido: "Trate bem os trabalhadores da câmara, senhor presidente", diz, identificando-se como uma funcionária e evocando assim uma das críticas apontadas a Manuel Machado.

A esse respeito, José Manuel Silva frisa que sabe muito bem qual será a primeira medida a implementar enquanto presidente da câmara, assim que tomar posse. E, embora "não a possa revelar ainda em concreto", deixa uma garantia: "A reorganização interna da câmara será feita em conjunto com os trabalhadores. E a lei, a ética e o mérito passarão a ser respeitados."

De resto, o novo presidente eleito tem um vasto programa de 112 medidas para implementar, embora não todas neste mandato. "Já assumimos que é um programa pensado para oito anos e não assumimos nenhum compromisso impossível nessas 112 medidas. Não prometemos nenhum aeroporto aonde ele não cabe", diz, sobre uma das promessas do autarca cessante.

Já à porta do histórico café Santa Cruz, José Manuel Silva convida a saborear um café e um crúzio, o famoso doce ali confecionado. Surpreendido pela visita, o proprietário José Cruz aproveita a ocasião para pedir ao presidente eleito que assine o livro de honra do café, sucedendo à atriz Cláudia Vieira, que ali deixara a última inscrição.

À mesa do café, com o edifício da autarquia já ali quase ao lado, o futuro presidente da Câmara de Coimbra confia que será fácil manter "toda a gente satisfeita" numa coligação com sete partidos. "Todas as questões que havia a resolver foram tranquilamente resolvidas", refere, garantindo: "Não vamos para a câmara para distribuir tachos nem tivemos de prometer lugares a ninguém." De resto, diz "será normal levar duas ou três pessoas da confiança pessoal", como o caso "do chefe de gabinete", e revela que assumirá ele próprio "o pelouro da Cultura", depois de o executivo atual ter "apoiado pouco a produção cultural local".

Símbolo de uma noite eleitoral da qual saiu vencedor Rui Rio (e o PSD), José Manuel Silva concede ao líder social-democrata uma parte do mérito da vitória em Coimbra. "Foi ele que impulsionou este projeto dentro da estrutura do PSD", admite, lembrando aqueles que "achavam que isto seria um saco de gatos". Esses "estavam errados", aponta o ex-bastonário dos médicos, que garante "não estar neste projeto para fazer política".

"Não me vejo a fazer política nacional, a não ser pela defesa de Coimbra", afirma. E aí, avisa, não vai deixar que "Coimbra volte a ser esquecida pelo poder central", dando como exemplo o custo social dos transportes, "onde não vamos aceitar a discriminação negativa face a Lisboa e ao Porto", e criticando o que diz ser "o populismo de baixo nível" do primeiro-ministro António Costa, "que bateu no fundo ao vir a Coimbra anunciar, na véspera das eleições, uma promessa com seis anos, como é a nova maternidade".

Mas, nesse aviso de defesa intransigente dos interesses de Coimbra, Lisboa não é o único destinatário. Também a norte, Rui Moreira deve preparar-se para receber um telefonema de José Manuel Silva a reclamar "um dos maiores tesouros da Biblioteca Municipal do Porto, que é património de Coimbra: os livros pelos quais Santo António se fez santo e doutor de Igreja", levados para a Invicta por Alexandre Herculano "quando Coimbra esteve do lado errado da luta entre miguelistas e liberais", no século XIX.

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