Centeno corta peso dos gastos com pessoal para mínimo histórico
Mesmo com medidas de "valorização" dos funcionários públicos, promessas de aumentos salariais e um ano de 2021 particularmente generoso, o peso da despesa com pessoal medido em função do produto interno bruto (PIB) vai cair ao longo da legislatura.
A meta do novo executivo de António Costa e do ministro das Finanças, Mário Centeno, é cortar esse nível de despesa com trabalhadores dos atuais 10,8% do PIB para o equivalente a 10,3%, naquele que será o valor mais baixo da série disponibilizada pela Comissão Europeia, que remonta a 1995. Daqui a quatro anos, se estas metas forem cumpridas, o peso da despesa com pessoal em Portugal estará praticamente em linha com a média europeia, que ronda os 10%.
Esta dinâmica significa que a despesa com funcionários pode aumentar na mesma, mas bastante abaixo do ritmo da economia.
Ou seja, Centeno não vai largar o travão da despesa e isto vai ser decisivo para o governo conseguir entregar todos os anos excedentes nas contas públicas, já a partir de 2020, indica o programa governativo que irá ser debatido na quarta e na quinta-feira. Era também essa a ideia vertida no Programa de Estabilidade de abril, com a diferença de que os excedentes previstos são agora uma décima mais baixos do que há seis meses. Para 2020, projeta-se um saldo positivo das contas na ordem dos 0,2% e, em 2021, este salta para 0,8%, por exemplo.
Centeno, aliás, já deixou vários avisos à navegação, aos funcionários em geral. "Valorizar", sim, mas com conta, peso e medida. É preciso "responsabilidade orçamental", lê-se no programa do governo.
Cálculos do Dinheiro Vivo a partir das projeções do governo e das séries da Comissão Europeia indicam que Portugal gasta atualmente cerca de 22,7 mil milhões de euros por ano com os trabalhadores públicos, o que equivale a 10,8% do PIB em 2019.
No Orçamento de 2020, tudo aponta para que esta rubrica aumente nominalmente cerca de 2,5%, mas o seu peso na economia continuará a cair, desta feita para cerca de 10,7%. Esse aumento de 2,5% corresponde a mais 570 milhões de euros em despesas remuneratórias, o que é consistente com os cerca de 500 milhões de euros que Centeno referiu como sendo o custo direto da recuperação do congelamento de carreiras.
Entretanto, o efeito descongelamento vai sendo tendencialmente menor e chegamos a 2021 com a despesa de pessoal a avançar apenas 1,2% (mais 270 milhões de euros). E o seu peso torna a cair, agora para 10,6% do PIB, no final desse ano.
A partir de 2021, o ministro das Finanças sente que há uma margem de 200 milhões para aumentar salários, mas o programa do governo deixou claro que tal só pode acontecer com uma revisão profunda das regras de progressão nas carreiras especiais.
A ideia é de que os profissionais destas carreiras (militares, forças de segurança, professores, funcionários judiciais, enfermeiros, magistrados, entre outros) estão a ser demasiado beneficiados com aumentos que têm por base o tempo de serviço, e isso não pode continuar a ser assim. Centeno diz que quer mais meritocracia.
Assim, o programa do governo avisa que o aumento da despesa com progressões baseadas no tempo "não pode continuar a limitar a política salarial na próxima década e a impedir uma política de incentivos na administração pública que premeie a excelência e o cumprimento de objetivos predefinidos".
O programa explica ainda que "o cenário de responsabilidade orçamental apresentado contempla um aumento anual da massa salarial em torno dos 3%".
Isto não significa que os salários vão subir nessa proporção, pois há o efeito da reposição nas carreiras que inflaciona a massa salarial, e há ainda aumento do emprego público envolvido.
No entanto, este último não deverá ser expressivo, assume o Conselho das Finanças Públicas, até porque as Finanças não dão quaisquer informações ou projeções sobre o que esperam para o emprego público (número de pessoas). O CFP assume que o número de quadros pode aumentar a um ritmo médio de 1% ao ano nos próximos quatro anos.
O programa para a legislatura 2019-2023 confirma que o aumento da massa salarial "decorrerá, nos primeiros anos, em grande medida do impacto das medidas de descongelamento das carreiras, que será particularmente elevado até 2020, do efeito extraordinário da reposição do tempo em algumas carreiras até 2021 e do aumento do emprego público que se tem verificado nos últimos anos, mas inclui também uma margem para aumentos dos salários, que poderão ser mais expressivos a partir de 2021".
Recapitulando, o novo governo pretende cortar mais meio ponto percentual ao peso da despesa com pessoal até aos referidos 10,3% em 2023. Repete assim o corte que fez ao longo da anterior legislatura. Quando o PS chegou ao poder, no final de 2015, os gastos com funcionários equivaliam a 11,3% do PIB.
jornalista do Dinheiro Vivo