Foi na véspera do nosso último dia no Rio de Janeiro que o casal Rocha nos levou a visitar o Jardim Botânico. No dia anterior o cônsul de Cabo Verde tinha-nos acompanhado ao Pão d'Açúcar, parece que se aceita mal que quem quer que passe pelo Rio deixe sem visita lugar tão emblemático. De modo que o nosso cônsul no Rio nem nos perguntou onde queríamos ir, apanhou-nos no hotel com a intenção confessa de darmos uma volta pela cidade, visitar os seus locais de interesse histórico ou turístico, tipo Praça Tiradentes ou Largo da Misericórdia, e também o Maracanã ou o Sambódromo, mas na realidade fomos diretos ao intrincado sistema de escadas, elevadores e teleférico que nos conduziu até ao cimo daquela deslumbrante paisagem. O lugar é tão aprazível que nos detivemos horas e horas frente a uma caipirinha acompanhada de pãezinhos de queijo, e esquecemos que o Corcovado era também visita obrigatória, tanto mais que depois de um lauto almoço num rodízio repleto só restaram forças para regressarmos ao hotel. Há mais marés que marinheiros, decidimos, pode ser que amanhã... Mas "amanhã" tivemos de optar entre o centro histórico, o famoso estádio e o Jardim Botânico, glória de D. João VI e escolha dos nossos anfitriões por causa da filha de 4 anos, e aí concluímos que uma próxima visita ao Rio devia desde logo ficar agendada para um dia num futuro ainda desconhecido..Neste dia comemora-se a independência do Brasil. Todas as rádios e televisões debitam programas alusivos e as ruas por onde vamos passando estão praticamente vazias. Entramos num táxi. O Rocha-macho orienta a conversa, diz que sou escritor, sou de Cabo Verde (a taxista nunca ouviu falar!) e acaba dizendo que estou no Rio por ter ido receber um prémio literário, o Prémio Camões. Ela manifesta alegria pela notícia, mostra-se mesmo muito feliz, Ah, mas que bom, que bom mesmo!, e diz que quando parar o carro quer fazer uma selfie comigo. Viajo ao lado dela, vez por outra vira a cara para me olhar melhor e sorrir e não resisto: E já agora, pergunto, sabe o que é isso de Prémio Camões? Ela fica logo constrangida e confessa que de facto não sabe, gostou do nome, mas nunca tinha ouvido falar do tal Camões. Foi o que eu pensei, disse-lhe abanando a cabeça compreensivo, mas fazemos a selfie na mesma..Está um calor feroz e há uma enorme fila em direção à bilheteira do Jardim Botânico. Normal, diz a Rocha-fêmea, isto é enorme e fresco, as pessoas passam cá o dia, a maioria traz merenda para o almoço. Depois vejo que há ali alguns restaurantes onde poderemos almoçar. Mas de serviço mais que demorado e não servem bebidas com álcool. Nem uma caipirinha? Nem uma caipirinha! Bem, e qual é o tempo médio de espera, quero saber. Menos de 20 minutos, responde convicto e rápido. E depois de quase uma hora de espera, digo-lhe que a minha paciência esgotou-se, se dali a cinco minutos ele não aparecer com comida, nós vamos embora. Nem precisa tanto, diz conciliador, daqui a dois minutos já estão servidos. Bem, esperamos mais meia hora..Mas antes de nos instalarmos no restaurante, escolhemos ao acaso e entramos por uma das áleas, aquela das acácias imperiais. D. João VI é um rei que ficou com alguma má fama de irresoluto, para além de comilão e pouco asseado. Mas que o homem tinha bom gosto, lá isso tinha. Entro nas profundezas do Jardim Botânico, no meio daqueles agradáveis tons de verde, e a primeira imagem que me vem à cabeça é a do rei sentado no régio penico na selva do seu jardim, arriando a real, melhor, evacuando pachorrento na beleza do fim de tarde, olhando ao longe o monte do Corcovado, talvez sonhando o futuro Cristo Rei. A alguns metros de distância os cortesãos esperam, ao seu lado um criado aguarda para limpar o rabo a Sua Majestade, que a seguir se senta para apreciar o lanche que o acompanha... Se nós também nos tivéssemos prevenido com uma merenda, não estaríamos agora na dependência deste atrasado.. Escritor cabo-verdiano, prémio Camões 2018.