O futuro segundo The Weatherman

Ao quinto disco de originais, o alterego musical de Alexandre Monteiro atirou-se de cabeça ao seu mais ambicioso projeto, um álbum conceptual sobre como as gerações futuras olharão para o tempo de hoje.
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O autor assegura que é mera coincidência, mas este olhar fictício sobre o presente, a partir de um futuro imaginado, tem algumas profecias bastante parecidas com a realidade. Mais ainda ao revelar que todas as músicas do novo disco All Cosmologies foram escritas e compostas antes da pandemia, aqui acidentalmente representada por uma tempestade digital, surgida em 2020, "que apaga tudo por onde passa" e se prolonga até 2040.

"Espero que a pandemia não dure tanto tempo", diz com humor Alexandre Monteiro, 41 anos, mais conhecido como The Weatherman, o alterego musical com o qual já assinou cinco álbuns. "Já é muita música e gosto sempre de procurar ideias novas para as minhas canções e apresentá-las da forma mais original possível", afirma ao DN, em jeito de justificação para aquele que considera o seu trabalho "mais ambicioso". Criado em jeito de ópera pop, All Cosmologies relata as aventuras de Valentina e a sua tentativa de compreender o passado, na verdade o nosso presente, e como os erros então cometidos afetam a vida da sua geração. Tudo isto embalado por uma sonoridade pop que remete ainda mais lá para trás, para os psicadélicos anos 60 e 70 do século passado, desde sempre o principal manancial de inspiração para The Weatherman, cuja maior mestria tem sido precisamente o modo como a consegue tornar tão atual.

O ponto de partida para esta odisseia pelo tempo foi uma simples canção, Valentina, composta em 2017, por ocasião do nascimento da sobrinha com o mesmo nome. É ela, portanto, a personagem do disco. "Era apenas isso, um presente em forma de canção, que nem sequer estava pensada para ser editada em qualquer álbum, mas depois comecei a pensar numa história em torno dessa personagem, que é meio real e meio fictícia, porque vamos vê-la no futuro, quando já for adulta", explica.

A narrativa passa-se em 2048 e dá-nos a perceber como as gerações futuras analisam este tempo em que vivemos, mais precisamente o período compreendido entre os anos de 2017 e 2020, enquanto o disco foi feito. "No futuro vão olhar para este tempo e tentar perceber os erros que cometemos, numa fase bastante conturbada da humanidade. É este legado que esta geração vai receber e acabar por sentir na pele, porque há erros que já não podem ser corrigidos", sustenta o músico. Já a tal tempestade digital, que situou em 2020, justifica-a de forma bastante simples: "Quando escrevemos o guião, pensámos em fazer acontecer algo nesse ano, por ser um número redondo. E inventámos uma tempestade digital. Quando a pandemia surgiu, o vídeo até já estava a ser feito, mas é inevitável que surja essa leitura e essa analogia com o que acabou por acontecer", reconhece.

Além da edição digital e em vinil (limitada a 300 cópias), All Cosmologies ganha também existência sob a forma de um filme musical, realizado por Vasco Mendes, com o apoio do fundo cultural da GDA. Na curta-metragem com o mesmo nome, a personagem principal, Valentina, é interpretada pela atriz Carolina Amaral. "O Vasco Mendes ajudou-me a afinar as ideias, criámos esta espécie de ópera pop, onde a ficção se mistura com a realidade", afirma The Weatherman, desvendando que "a premissa do filme é precisamente a de unir as pontas soltas deixadas pelo disco". Devido à pandemia, a data e o local da estreia ainda estão por definir, mas Alexandre assume que gostaria que fosse em sala e não apenas nas plataformas digitais. Quanto à apresentação ao vivo do álbum, está já agendada para 19 de junho, igualmente em local a definir, e o objetivo é tocar todas os temas do início ao fim, criando um cenário em palco que faça a ponte com o filme.

"O objetivo final era precisamente esse, fazer com que All Cosmologies fosse mais que um mero disco. Depois de tantos anos de carreira, sentia-me bastante preparado para apresentar algo assim, e de certa forma até mudei o meu modo de compor ao saber que o disco ia ser acompanhado de um filme", conta. Tal não significa que o álbum não consiga sobreviver de forma autónoma ao filme, bem pelo contrário, especialmente ao ouvirem-se temas como Gentrification Rhapsody ou The Times They are a Fakin", tão atuais para os ouvidos da geração de hoje.

dnot@dn.pt

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