Gravidade da doença e taxa de vacinação devem integrar matriz de risco
O aumento do número de casos na cidade de Lisboa trouxe para cima da mesa uma nova equação: é preciso mudar a matriz de risco. Mas quaisquer mudanças que sejam feitas - ou melhor quaisquer fatores que sejam incluídos - terão de valer para o país inteiro.
Esta posição foi defendida ao DN pelo pneumologista e porta-voz do Gabinete de Crise da Ordem dos Médicos, Filipe Froes, justificando que "a discussão surgiu no contexto de Lisboa, mas a verdade é que a matriz ficou desatualizada com o acelerar do processo de vacinação e com a diminuição da gravidade da doença".
Aliás, reforça, "qualquer mudança já é tardia, já o deveríamos ter feito. Não o fizemos, mas temos de o fazer". Filipe Froes lançou o tema no início da semana, vários colegas acompanharam-no neste raciocínio, o próprio bastonário dos médicos, e na política até o Presidente da República, que considerou esta mudança fundamental face ao aumento de pessoas vacinadas.
Até agora, a matriz de risco para a covid-19 tinha apenas dois fatores, o número de novos casos, incidência, e o índice de transmissibilidade, R (t). Foi com base nestes que durante mais de um ano especialistas avaliaram a situação e o governo tomou as suas decisões, duas das quais conduziram o país ao confinamento geral. Mais recentemente, os mesmos fatores travaram o avanço no desconfinamento de vários concelhos, como Odemira, Arganil, Resende, etc.
O aumento de casos em Lisboa desencadeou a mesma discussão, havendo especialistas a defender que se a situação se mantivesse por mais de 15 dias deveria ser equacionado um retrocesso no desconfinamento. O governo, através do secretário de Estado da Saúde. Diogo Serra Lopes, e do próprio primeiro-ministro fizeram saber que a capital não era diferente de outras regiões do país, dando a entender que se fosse necessário tal aconteceria, mas o presidente Marcelo afastou essa hipótese ao referir que estava fora de questão novo confinamento. Ontem, o governo colocou a cidade de Lisboa em alerta, mas sem medidas restritivas.
Esta tendência de subida na incidência e no R (t) em Lisboa, embora sem tradução no aumento de internamentos ou de óbitos, colocou o país a falar da matriz de risco. Mas, a verdade é que, "independentemente da situação de Lisboa a matriz já deveria ter sido alterada", reforça Filipe Froes, acrescentando que no novo modelo de risco deve ser integrada a gravidade da doença, que tem uma relação direta entre a pressão nos serviços de saúde, através dos internamentos em enfermarias e nas unidades de cuidados intensivos (UCI), e na mortalidade, mas, também, "e se quisermos alagar este modelo, a taxa de vacinação entre a população e as novas variantes em relação ao risco que apresentam para o nosso país". Para o pneumologista, os primeiros fatores "são informação fundamental para monitorizar a doença".
Se forem introduzidas novas variantes na matriz de risco, como vacinação e diminuição da gravidade da doença, Lisboa deverá ficar livre de um recuo no desconfinamento ou de outras medidas restritivas. Isto porque o número de internamentos em enfermarias e em cuidados intensivos na capital não é preocupante e porque já estão a ser reforçadas medidas de testagem, sobretudo em zonas frequentadas pela população mais jovem - que é aquela em que se está a registar maior aumento de casos de infeção, nas faixas etárias dos 18 aos 40 anos - como escolas, universidades e zonas de diversão noturna. Em relação à vacinação, embora seja igual para todo o país, a inoculação dos maiores de 50, 40 e 30 anos também vai ser antecipada para junho.
O epidemiologista Carlos Antunes, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, afirmou nesta semana ao DN que a capital poderia correr o risco de atingir uma incidência de 240 infetados por 100 mil habitantes, sem ter de voltar atrás no desconfinamento, mas com controlo. Ou seja, justifica, se for reforçada a testagem, porque "Lisboa é Lisboa, não por uma questão de regionalismo, mas pela sua dimensão. Não é a mesma coisa fechar um concelho como Odemira ou Lisboa". Para já, e ao que o DN apurou, qualquer alteração à matriz de risco só deve ser assumida depois da reunião de hoje no Infarmed.
O coordenador da rede de cuidados intensivos na região de Lisboa e vale do Tejo, António Pais Martins, argumentou ao DN que "um doente crítico é sempre um doente crítico", mas que, neste momento, "o doente em UCI é "um doente mais jovem, na casa dos 40 aos 50 anos, não é o doente dos grupos de maior risco, maiores de 80 anos", faixa que registou a maior percentagem de mortalidade desde o início da pandemia.
Para António Pais Martins, também coordenador da Unidade de Cuidados Intensivos do Centro Hospitalar Lisboa Ocidental, a razão que pode explicar esta situação tem que ver com o facto de "estes grupos já estarem com uma taxa de vacinação elevada". Por isso, o número de casos tem aumentado em Lisboa, mas tal "não tem tido repercussão direta na gravidade da doença e na pressão dos serviços de saúde".
De acordo com os dados referidos ao DN pelo médico intensivista, em termos de internamentos em enfermarias e em cuidados intensivos, a região de Lisboa tem uma percentagem significativa de doentes, mas nada que seja preocupante. "Às 00h00 do dia 26, na região de Lisboa e vale do Tejo havia 79 pessoas internadas em enfermarias e 16 em cuidados intensivos".
O boletim diário de ontem da Direção-Geral da Saúde revelava 572 novos casos no país (Lisboa com 264), mas a nível de internamento registava-se o mesmo número do dia anterior, 233 internados em enfermarias e 53 em cuidados intensivos e zero mortes.
António Pais Martins, salvaguardando que esta é também a posição da Sociedade Portuguesa de Cuidados Intensivos, disse ao DN estar de acordo com mudanças na matriz de risco. "São mudanças que têm de ser feitas, mas tudo deve ser feito com muita cautela", até porque, lembrou, "em cuidados intensivos o dia de hoje não é igual ao dia de amanhã ou ao seguinte. A nossa atividade tem de ser sempre adequada à procura. Temos de nos adaptar, como o fizemos, mas agora os hospitais estão a recuperar a atividade assistencial não covid".