Conselheiros da Comissão avisam que dívida portuguesa levanta "questões de sustentabilidade"
O peso da dívida pública portuguesa face à dimensão da economia (produto interno bruto ou PIB) tem vindo a descer gradualmente desde 2017, inclusive, mas recentemente vários observadores internacionais mostram-se insatisfeitos com o ritmo de redução, que consideram insuficiente, pois levanta "questões de sustentabilidade" e eventuais perigos para o país num futuro não muito longínquo. E isto num quadro altamente favorável, com taxas de juro em mínimos históricos e com crescimento económico e do emprego.
Mesmo estando a descer, o rácio da dívida de Portugal é considerado "muito alto", é um dos mais elevados da Europa e do mundo desenvolvido. Isso coloca o país numa situação de perigo quando a atual conjuntura favorável se dissipar. Não há grandes dúvidas sobre a capacidade de honrar compromissos no "curto prazo", mas em relação ao longo prazo o discurso já não é tão otimista.
O alerta mais veemente foi dado esta semana pelo Conselho Orçamental Europeu (COE) - órgão consultivo independente criado em 2015 para prestar apoio à Comissão Europeia nestes temas - que critica o governo de Portugal por não estar a fazer os esforços necessários para tirar as finanças públicas da chamada zona de perigo da dívida. Portugal, claro, não está sozinho. Há outros países que preocupam.
Mas este grupo de conselheiros não está sozinho nos avisos a Portugal relativamente às implicações que o fardo da dívida pode trazer à República. A Comissão Europeia e o maior credor do país, o Mecanismo Europeu de Estabilidade (ESM na sigla em inglês), também estão a fazer advertências nesse sentido.
"Nalguns países, a dívida pública continua muito alta e não está a diminuir devido a políticas fiscais expansionistas. Espera-se que os rácios da dívida diminuam - beneficiando do efeito combinado favorável do crescimento e das taxas de juro - em todos os países da zona euro, exceto a Itália, onde a dívida deverá atingir 135% do PIB", começa por observar o grupo de conselheiros num estudo enviado ao colégio de comissários europeus, esta semana.
O COE concretiza as suas preocupações: "A sustentabilidade também continua a ser um problema noutros países onde o rácio da dívida está próximo ou acima de 100% do PIB: Bélgica, Grécia, Espanha, França e Portugal".
Mesmo com este quadro problemático, a entidade presidida pelo professor de economia dinamarquês Niels Thygesen lamenta que "estes países sejam responsáveis por uma grande parte da expansão orçamental projetada para 2020 [a nível europeu], como aliás já o são em 2019".
Ora, para o COE isto não está certo porque basta uma nova crise ou mesmo uma perturbação no mercado da dívida e das taxas de juro para que estes países sejam empurrados para uma nova situação de stress.
"Com base nas medidas atualmente adotadas, que ainda não incluem as leis orçamentais para 2020, a grande maioria dos países que precisam se consolidar as suas finanças pública não o fará de forma adequada. Prevê-se que alguns vão na direção oposta (Bélgica, Espanha, Itália, Portugal e Eslováquia), o que resulta numa posição orçamental mais expansionista do que a permitida pelo Pacto de Estabilidade. Isso exige correção", dizem os conselheiros.
O ESM, o credor oficial da zona euro ao qual Portugal deve mais de 27 mil milhões de euros (valor emprestado durante o programa de ajustamento), também discorreu sobre as contas do país este mês.
Primeiro disse que "a avaliação contínua da capacidade de pagamento de Portugal sugere que não há risco a curto prazo para os reembolsos do empréstimo em dívida".
Mas deixou um alerta: "O elevado peso da dívida pública de Portugal, no entanto, continua a ser uma vulnerabilidade importante e a sua trajetória descendente permanece frágil devido ao crescimento mais fraco, à fadiga orçamental e ao envelhecimento da população".
Nesse sentido, diz a instituição liderada por Klaus Regling, o governo deve procurar ter "políticas orçamentais prudentes e reformas estruturais para impulsionar o crescimento de longo prazo e aumentar a resiliência face a choques".
"O impacto de políticas expansionistas, como o reatar das promoções dos funcionários públicos e os respetivos aumentos salariais ou aumentos do salário mínimo, necessita de ser acompanhado com cuidado".
Bruxelas pede mais receitas extra para abater à dívida
Bruxelas também está preocupada com o futuro da dívida pública de Portugal. Diz que "será importante utilizar as eventuais receitas extraordinárias para reduzir ainda mais o rácio da dívida das administrações públicas".
A Comissão não vê qualquer ajustamento estrutural das contas públicas (baseado em redução permanente da despesa e/ou aumento permanente da receita). Diz que Portugal tem aqui um défice que até aumenta este ano (uma décima, para 0,5% do PIB) e fica na mesma no ano que vem.
As contas de Mário Centeno, que seguem outros critérios, pintam um quadro totalmente diferente. O país já vai ter um excedente estrutural este ano e vai reforçar essa posição em 2020, que é o mesmo que dizer que o país está cada vez mais longe da tal zona de perigo da dívida, caso surjam novas turbulências económicas e financeiras. O ministro das Finanças tem referido várias vezes este tipo de eventualidade.
A dívida de Portugal é a terceira maior da Europa (121,5% no final de 2018), a seguir à da Grécia e de Itália.