Oleiros volta a arder. E a matar. Autarca defende "emparcelamento por decreto"

O ministro da administração interna considera que a estratégia dos trabalhos foi exemplar. Mas o presidente da Câmara de Oleiros insiste que "não aprendemos nada" desde o grande fogo de 2003. E defende o emparcelamento obrigatório dos terrenos como a única solução.

Não são apenas seis mil hectares de área ardida. O fogo destes últimos dias deixa um rasto de destruição num concelho do interior que, ciclicamente, sucumbe às chamas. E de tragédia, também: Diogo, um jovem bombeiro de 21 anos, natural de Proença-a-Nova, morreu num acidente durante o combate.

Quando as previsões meteorológicas começaram a apontar para temperaturas elevadas para estes dias, juntando-lhe por vezes vento forte, a Proteção Civil sabia que estavam reunidas as condições para um cocktail explosivo quanto ao risco de incêndio. E quando a sirene tocou no quartel dos Bombeiros Voluntários de Oleiros, no distrito de Castelo Branco, o corpo ativo já sabia que em Sardeiras de Baixo começara um fogo que poderia derivar para grandes dimensões. Habituados a calcorrear montes e vales no combate ao fogo, ano após ano, os bombeiros depressa precisaram de reforços. Num dia de calor infernal, em que o termómetro chegou a marcar 43 graus naquela região, e os ventos sopraram com uma velocidade superior a 65 km/hora, depressa o fogo se estendeu aos concelhos vizinhos da Sertã e Proença-a-Nova.

Nesse corrupio, um carro de combate capotou, na sequência de uma manobra que levou ao rebentamento de um pneu. Lá dentro seguiam cinco bombeiros da corporação de Proença. Dos quatro que saíram do carro, um apresentava apenas ferimentos ligeiros e outro encontrava-se em estado grave, por ter ficado encarcerado.

Mas durante horas decorreram buscas para encontrar um quinto bombeiro, desaparecido desde que a viatura capotou. Era Diogo Dias, de apenas 21 anos. Ao final da noite de sábado, as equipas de busca e salvamento acabariam por encontrar o corpo dentro da viatura capotada, já carbonizado.

Naquele que é considerado, à data de hoje, o maior incêndio do país - hoje pela manhã continuavam oito meios aéreos e 675 operacionais em ação a manter fogo em fase de resolução - morreu o terceiro bombeiro no espaço de poucas semanas: José Augusto, de Miranda do Corvo, perdeu a vida no combate ao fogo da Serra da Lousã, a meio deste mês. Na semana passada foi André Pedrosa, dos voluntários de Leiria (vítima de paragem cardiorrespiratória), quando fazia o rescaldo de um fogo. E agora Diogo Dias. O funeral realiza-se esta terça-feira, às 15 horas, em Peral, Proença-a-Nova, numa cerimónia que contará com a presença do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e será presidida pelo bispo da diocese de Portalegre e Castelo Branco, Antonino Dias. Numa nota publicada na página da diocese, o bispo endereçou condolências à família de Diogo, e agradeceu a todos os bombeiros. "Sentindo-nos pequeninos e impotentes perante tanta calamidade", disse.

Desviar o fogo das habitações

Desde as 15h30 de sábado e até às primeiras horas da manhã de segunda-feira o dispositivo de combate ao fogo foi aumentando, à medida que o incêndio ia avançando e consumindo a floresta do pinhal interior. Chegaram a estar mais de 800 bombeiros no terreno, apoiados por 274 veículos e dois meios aéreos.

O primeiro balanço aponta para uma área ardida na ordem dos seis mil hectares. Apesar da violência das chamas, os bombeiros conseguiram sempre desviar o fogo das habitações.

"A única casa que ardeu estava desabitada há muito tempo, e arderam também uns anexos agrícolas, nesse aspeto não foi muito significativo", disse ao DN Fernando Jorge, presidente da Câmara de Oleiros. Mas o autarca lamenta o prejuízo causado com "o nosso pinhal, uma mata com mais de 40 anos, muito valioso e onde arderam mais de 1000 hectares".

Fernando Jorge cumpre o segundo mandato na Câmara de Oleiros. Mas tem bem presente um outro incêndio, o de 2003. Ele e todos os habitantes daquela região, que ciclicamente volta a arder. Quando é chamado a fazer comparações, o presidente admite que hoje "estamos melhor preparados para combater o fogo, mas o que aprendemos foi muito pouco. E enquanto não houver a coragem de se fazer uma lei que obrigue ao emparcelamento das terras e ordenamento do território, daqui a 20 anos, quem cá estiver vai ver tudo a arder outra vez", afirma.

"Não se faz nada, a floresta cresce desordenada e depois acaba por destruir aquela que estava ordenada, como agora aconteceu. A floresta, que era do domínio público, estava ordenada, tratada e limpa. Tínhamos um pinhal lindo, com mais de 40 anos, pronto para dar resina e para fazer madeira", acrescenta o autarca.

O fogo começou longe, mas "quando atinge determinada dimensão não há quem o segure".

Fernando Jorge acredita que não havendo esse ordenamento, o fogo levará sempre vantagem. "Podemos chorar toda a vida, que não vale de nada".

Terrenos estavam por limpar

o comandante dos bombeiros voluntários de Oleiros, Luís Antunes, aponta o dedo aos particulares e à falta de limpeza da floresta. "Dada a orografia do terreno e as condições de acesso, era extremamente difícil o combate", disse, em declarações à RTP. O comandante recusa, porém, as acusações que grassavam entre a população, apontando falta de coordenação de meios. "É normal as pessoas ficarem revoltadas, quando perdem os bens de toda uma vida. Mas as temperaturas elevadas, o vento, as aldeias muito dispersas, não permitiam acompanhar de outra maneira a frente de fogo".

O presidente da Câmara não enjeita essa justificação do responsável dos bombeiros, mas considera que não é aí que está o verdadeiro problema. "Podemos dizer isso, não deixa de ser verdade. Mas o proprietário que lhe ardeu agora um pinhal, perde a motivação porque deixa de ter ali rendimento. E nunca conseguiria tirar rendimento se o estivesse a limpar todos os anos".

Porém, recorda que "o prejuízo não é só para os particulares. É também para o Estado Português, é para nós todos. Se não houver esse ordenamento, esteja limpo ou não vai sempre repetir-se esse cenário".

Para mais, Fernando Jorge tem de memória o fogo de Pedrógão Grande, pois que nessa tarde de 2017 estava na zona do rio Zêzere e percebeu como o fogo tão depressa passava para o lado de lá da barragem, como voltava. É o mesmo interior do país.

"Toda a gente de bom senso deve ter esta posição do emparcelamento e ordenamento da floresta. Mas não tem havido coragem na Assembleia da República e nem em nenhum governo para o fazer. Porque perdem votos", conclui.

À beira dos 70 anos, Fernando Jorge sabe do que fala. "Se falarmos nisso aqui com as pessoas que têm terrenos, muitas delas não moram cá, e lhes falar em trocar um terreno pelo outro para ficarem juntos, não querem. É um problema de mentalidade".

"Em 2017, quando os terrenos arderam todos e ficou tudo a valer o mesmo, falei com várias pessoas e nem uma me disse que sim", conclui.

Ministro elogia "trabalho exemplar"

O ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, considera que o trabalho de combate ao fogo de Oleiros foi exemplar. "Temos tido uma capacidade de resposta que permite que 95% das ocorrências sejam eliminadas na sua primeira hora", no que respeita aos reacendimentos, disse, durante a conferência de imprensa a propósito da pandemia, mas que acabou por resvalar para o tema dos incêndios.

Quanto às acusações de descoordenação no terreno, parecem-lhe infundadas. "Segundo o contacto com os autarcas, aquilo que é testemunhado é uma exemplar coordenação de forças. Só isso permitiu num incêndio de grande dimensão e com um potencial catastrófico, manter uma resposta com aquilo que são as prioridades estratégicas: salvaguarda da vida humana, segurança de bens e definir uma estratégia para que o incêndio fosse considerado dominado".

De resto, Eduardo Cabrita sublinha que "quando há fenómenos (eruptivos, muito significativos) de propagação do fogo, como aqueles que as televisões testemunharam na noite de sábado para domingo, com a conjugação plena dos fatores de risco - temperaturas muito elevadas que chegaram a atingir 43 graus na zona do incêndio, ventos superiores a 65 km/hora e níveis muito baixos de humidade relativa - neste contexto a resposta ao incêndio torna-se muito complexa. E é compreensível a preocupação das populações". Porém, o ministro insiste que "só a boa coordenação da resposta de todos os agentes (nacionais e bombeiros locais) permitiu aquilo que consideramos um bom resultado".

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