Dia D da luta contra Covid. Entre o júbilo e a reticência, vacinação arranca na UE
Foi uma centenária, Edith Kwoizalla, a primeira pessoa a ser vacinada contra a Covid-19 na Alemanha e entre as primeiras na União Europeia. Alemã de 101 anos a viver num lar de idosos na zona da Saxónia, foi inoculada este sábado, à frente da campanha de vacinação que se iniciou oficialmente domingo em toda a UE. Mas apesar da honra de estreia do lar onde Edith vive com outros 58 idosos, nem todos ali quiseram receber a vacina: só 40 se voluntariaram, e entre os trabalhadores foram ainda menos, 10 em 40. Um deles disse à Associated Press que apesar de estar entre os voluntários compreende os receios.
Tal como a Alemanha, também a Hungria e a Eslováquia quiseram adiantar-se aos restantes países da UE. Na Hungria e na Eslováquia, como em Portugal, onde o primeiro vacinado foi António Sarmento, médico infeciologista do Hospital de São João, na presença da ministra da Saúde, Marta Temido, a vacinação iniciou-se por profissionais de saúde.
Essa também foi a escolha de vários outros países da UE, incluindo a Itália, o país mais atingido do bloco, com mais de 71 mil mortos, onde foi uma enfermeira de 29 anos, num hospital de infetocontagiosas de Roma a primeira a ser inoculada, e a Polónia, onde existe grande desconfiança face às vacinas - a ponto de o primeiro-ministro Mateusz Morawiecki ter dito que ser vacinado é um dever patriótico de cada polaco. Na Bulgária, onde também há bastante reticência face à inoculação, o primeiro da lista foi o ministro da Saúde, Kostadin Angelov, visando dar o exemplo; na República Checa, que com menos de 11 milhões de habitantes já soma mais de 11 mil morte e quase 700 mil infeções, foi o próprio primeiro-ministro, Andrej Babis, a arregaçar a manga, seguido simbolicamente por uma veterana da segunda guerra mundial, Emilie Repikova, de 95 anos.
Noutro país onde a desconfiança face às vacinas em geral e a esta em particular é grande, a França, a opção foi pelos idosos, tal como em Espanha - outro dos territórios europeus no qual a Covid mais fez estragos -, assim como na Dinamarca e na Suécia, cuja orientação original de combate à doença levou a uma mortandade entre os idosos.
Já na Irlanda, que reconhece ser neste momento o país da UE onde a taxa de incidência da infeção mais cresce, a vacinação só se inicia na terça - e esteve para começar só quarta. O motivo, explicou este domingo Paul Reid, o responsável pelo SNS irlandês, é precaução: "Queremos que as pessoas tenham confiança desde o início." O facto de a Irlanda iniciar o processo com idosos e lares, portanto em pessoas muito vulneráveis, implica, diz o especialista, muito cuidado no consentimento, que é "complexo".
Há porém quem espere pelo novo ano: caso da Holanda, onde a vacinação só começa a 8 de janeiro e pelos profissionais de saúde. Também as autoridades holandesas, a braços com mais de 700 mil infeções e de 10 mil mortes devido à pandemia, falam de precaução, face a uma percentagem estimada de 40% dos seus nacionais que preferem "esperar para ver".
Se a onda antivacinas já era notória nos países desenvolvidos, uma vacina contra um vírus novo desenvolvida em tempo recorde tenderia necessariamente a agravar a tendência.
Não é fácil no entanto perceber as sondagens: se nuns países a reticência face à nova vacina tem vindo a aumentar à medida que se estava mais perto da aprovação e portanto da acessibilidade, noutros é ao contrário.
No primeiro caso estão França, Espanha e Itália, que em agosto tinham mais inquiridos a responder que tomariam a vacina contra a Covid-19 que em outubro. No caso da Espanha, a descida foi de oito pontos percentuais - de 72% para 64%. E em França, que é dos membros da União onde a confiança nas vacinas é mais fraca (numa sondagem realizada entre 11 e 14 de dezembro, 56% dos franceses declararam não desejar receber a imunização contra a Covid) naqueles dois meses a quebra foi de cinco pontos, de 59 para 54%. No sentido diferente evoluiu a Alemanha, que aumentou dois pontos percentuais na vontade de inoculação, de 67 para 69%.
E se a última sondagem conhecida para Portugal (da Aximage para DN, JN e TSF), divulgada este domingo, assevera que mais de seis em cada 10 portugueses querem ser inoculados assim que possível, com os de mais de 65 a liderar a tendência, mais de dois em cada dez manifestam reservas e, lá está, preferem "esperar". Os receios têm a ver com os efeitos secundários e com a ideia de que pode não ser eficaz.
Na verdade, esperar para ver é aquilo que a maioria terá de fazer: no simulador que o governo disponibilizou, mesmo uma pessoa de 90 anos, desde que não tenha nenhuma das pré-condições de risco elencadas - insuficiência cardíaca, renal ou hepática, doença coronária, diabetes, neoplasia maligna ativa, doença respiratória crónica, doença renal crónica, obesidade ou hipertensão arterial -, e não esteja num lar ou similar, só entrará na segunda fase de vacinação, que está prevista para abril. Muitos portugueses só poderão, em princípio, ser vacinados no verão, pelo que restrições de convívio e circulação devem continuar a ser impostas por bastante mais tempo.
Para já, este sábado chegaram à maioria dos países da UE pouco menos de 10 mil vacinas, mais concretamente 9.750 - foi o caso de Portugal, Suécia, Roménia, República Checa, Bulgária e Malta, por exemplo, mas também, a crer no diário italiano La Repubblica, de Itália, apesar das dimensões muito diferentes dos países. Frisa o jornal que a Alemanha e a França receberam muito mais: 151.125 e 19.500, respetivamente. Algo que, comenta a notícia, "criou alguma polémica", mesmo se adianta que o ministério da Saúde italiano certifica que doravante vão chegar ao país 470 mil doses por semana e cada território da UE receberá uma percentagem proporcional à sua população do total de doses comprado aos fabricantes Biontech-Pfizer.
Recorde-se que esta vacina foi aprovada a 21 de dezembro pela Agência Europeia do Medicamento (EMA) e pela Comissão Europeia. Espera-se que outras estejam em breve disponíveis. Há cinco na calha: a da AstraZeneca, a da Sanofi-GSK, a da Johnson & Johnson, a da CureVac e a da Moderna. Esta deverá ser a próxima a ser aprovada pela EMA, que anunciou o seu parecer para 6 de janeiro.
"Hoje é um dia de grande carga emocional para todos nós: seis meses depois de apresentarmos a estratégia de vacinas covid-19 para a UE, cumprimos a nossa promessa de garantir vacinas para todos os Estados-membros, ao mesmo tempo. Podemos começar 2021 com otimismo, há luz no fim do túnel", afirmou este domingo Stella Kyriakides, a comissária da Saúde europeia, temperando contudo a alegria: "Temos que continuar a mantermo-nos e aos que nos rodeiam o mais seguros possível."
A vacinação na UE começa quando uma variante do coronavírus primeiro identificada no Reino Unido começa a ser encontrada no resto da Europa, havendo quem se questione sobre se a vacina atual será eficaz para a variante.
Uma dúvida que se soma ao receio dos efeitos secundários, que, de acordo com uma colunista do Washington Post, a médica Leana Wen, deve ser enfrentado. Segundo Wen, é certo que um número não negligenciável de pessoas sofrerá efeitos secundários, já que na fase 3 dos testes de duas das vacinas já aprovadas pela FDA (a agência americana do medicamento), a da Pfizer e a da Moderna, 10 a 15% dos participantes tiveram sintomas.
Alguns, prossegue a colunista, foram descritos como fortes, incluindo fadiga, dor e inchaço no local da vacina, dores de cabeça e dores musculares. Uma das cobaias, Susan Froehlich, disse à CNN que todo o corpo lhe doía, enquanto que outro voluntário, o médico David Yamane confidenciou a Wen que tinha tido arrepios e dores de cabeça e se sentia tão cansado que adormeceu a meio da tarde no sofá e acordou na manhã seguinte encharcado em suor. "Isto não é brincadeira", comentou.
O que há a fazer, prossegue a articulista, é deixar claro desde o início que os efeitos secundários são normais e esperados. E tornar conhecida a experiência de pessoas como Froehlich e Yamane, que apesar de os terem sentido e continuam a ser entusiastas destas vacinas. Para que os vacinados não entrem em pânico com eventuais efeitos secundários, devem ser informados sobre o que podem esperar e aconselhados a tomar antipiréticos e analgésicos comuns para as dores e febre, caso estas surjam.