Bem-vindos aos anos 20

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Estava sol. Teria quê, 8 anos? Subi à árvore e olhei o céu. Não havia nuvens para amparar o azul. Aterrada como o protagonista de A Origem, de Graça Pina de Morais, agarrei-me aos ramos para não ser sugada pelo vazio sibilante do espaço, a consciência do nada, de ser e contar nada. Empoleirada em 2019, o mesmo arrepio.

Em Terminator, a fábula de 1984 sobre a ameaça mortal da tecnologia, o guerreiro que vem do futuro diz a Sarah Connor que com a máquina exterminadora não há diálogo possível: está ali para a destruir e não parará até conseguir. O terror como a impossibilidade de razão e diálogo, tão presente em tantas das narrativas mais populares de hoje - das sagas com mortos vivos (tantas, porquê?) às com aliens, passando pelas guerras entre humanos e máquinas. Sagas que nos distraem do essencial que não queremos encarar, de que é entre nós que estão os monstros, que é possível, entre nós, essa impossibilidade da razão, essa total ausência de diálogo, essa crueldade que não chega a sê-lo, porque não nos reconhece existência, sentimentos ou semelhança.

Na mesma semana, vi no Twitter a foto de um homem num restaurante no Brasil com uma braçadeira nazi e no Facebook um post, de uma amiga que vive em Berlim, traduzindo uma carta de ódio dirigida em 1924 ao pintor judeu Max Liebermann. "Parece o Facebook", disse uma visitante do Museu Liebermann quando acabou de a ler. Parece. Em 1924, porém, quem lesse aquela carta não podia saber o que prefigurava. Hoje sabemos. E serve de quê.

Jornalista

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