Governo parte para o OE 2021 à procura de uma nova geringonça
O primeiro-ministro recebe hoje delegações do Bloco de Esquerda, do PAN e do PEV, um encontro ao mais alto nível que precede as reuniões setoriais em que serão depois discutidas as medidas em concreto. Já a reunião com o PCP, que também estava marcada para esta sexta-feira, foi adiada a pedido dos comunistas. Questionado pelo DN, o gabinete de imprensa do partido afirmou que "a reunião vai realizar-se quando a agenda das duas partes o permitir".
Mas esta não vai ser uma negociação igual às dos últimos anos: o governo parte para estas conversações com um horizonte bastante mais amplo, à procura de um acordo que se estenda até 2023. "Estamos disponíveis para um entendimento que seja para a legislatura", diz o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Duarte Cordeiro, sublinhando que o executivo quer também discutir o plano de recuperação económica e o novo quadro financeiro plurianual, que se estende de 2021 a 2027. O objetivo vai, portanto, "bastante além do Orçamento para 2021": o governo procura um "entendimento alargado que envolva os vários orçamentos", o plano de resposta à crise e os fundos comunitários.
Já em julho, no debate do Estado da Nação, o primeiro-ministro apontou a necessidade de "um quadro de estabilidade no horizonte da legislatura". "A magnitude da tarefa que temos em mãos não se compadece com acordos de curto prazo nem com táticas de vistas curtas, baseadas em despiques de popularidade, competições de descolagem ou exercícios de calculismo eleitoral", afirmou então o primeiro-ministro, numa mensagem dirigida a Bloco de Esquerda, PCP e PEV. "É com os partidos que connosco viraram a página da austeridade que queremos prosseguir o caminho iniciado em 2015."
"Precisamos de uma base de entendimento sólida e duradoura. Se foi possível antes, certamente terá de ser possível agora. Se foi útil antes, revela-se indispensável agora, ante o desafio de vencer uma crise pandémica como aquela que nos assola", sublinhou António Costa.
"Queremos recuperar a base de entendimento político que permitiu dar resposta à crise que vivemos anteriormente, reproduzir as condições que nos permitiram resolver os problemas", diz ao DN Duarte Cordeiro, acrescentando que se esse entendimento "se justificou então [em 2015], agora também se justifica", perante a maior crise em muitas décadas.
O secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, que conduzirá as negociações com as bancadas à esquerda e com o PAN, diz também que "era importante" que estes partidos se entendessem na resposta a dar à crise "no sentido de afastar outras respostas".
Duarte Cordeiro sustenta que o caminho a seguir segue os mesmos princípios que uniram estes partidos na legislatura anterior e que agora é preciso "proteger os rendimentos, sem aumento de impostos e com apoios sociais que permitam apoiar o maior número de pessoas". O secretário de Estado argumenta que, mesmo que a crise provocada pela pandemia de covid-19 ponha em causa o calendário das medidas - Costa já deixou antever que o salário mínimo não aumentará nos valores que estava previsto e disse que não haverá redução no IRS -, o governo quer mantê-las "no âmbito da legislatura". Também por isso "faz todo o sentido" um entendimento com o horizonte em 2023. Para já, Duarte Cordeiro aponta temas como o de um novo apoio social - que o Bloco defende e António Costa deixou em cima da mesa, em entrevista ao Expresso -, que contemple quem perdeu rendimentos, mas não se enquadra nos apoios atualmente existentes. O responsável do Governo cita também a legislação laboral, nomeadamente a "questão da precariedade, que ganhou um destaque grande no contexto desta crise". Esta é outra exigência dos bloquistas, mas a que acresce a defesa de alterações às regras do tempo da troika que ainda subsistem nas leis do trabalho, como é o caso da indemnização em caso de despedimento, que foi substancialmente reduzida.
Mas o objetivo do Governo de firmar um acordo para a legislatura não está necessariamente nos planos dos restantes partidos. O Bloco de Esquerda tem apontado para o cenário de acordo político anual, lembrando que os dois partidos discutiram o ano passado um entendimento de longo prazo, que não passou das conversas iniciais.
Em vésperas do retomar das negociações para o OE, o Presidente da República já veio dizer que não há espaço para crises políticas nem para a demissão do governo.
"Em cima da crise da saúde e da crise económica uma crise política, era a aventura total. A alternativa seria uma crise a prazo, isto é, o Presidente empossado no dia 9 de março, seja ele quem for, estar a dissolver para eleições em junho. Isto não existe, isto é ficção. Portanto, uma crise política ou a ameaça de crise política é ficção", afirmou nesta quinta-feira Marcelo Rebelo de Sousa.
"O Presidente da República não vai alinhar em crises políticas, portanto, desenganem-se os que pensam que, se não houver um esforço de entendimento, vai haver dissolução do Parlamento no curto espaço de tempo que o Presidente tem para isso, que é até ao dia 8 de setembro", disse ainda Marcelo. A partir de 9 de setembro o Presidente da República perde o poder de dissolução da Assembleia da República, uma faculdade que fica interdita aos chefes de Estado nos últimos seis meses de mandato.