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26 setembro 2022 às 22h14

Lisboa. Transportes grátis foram uma conquista, mas é preciso mais

Autarquia tem vários projetos em consulta na área da mobilidade suave, mas é apontado ao executivo a falta de implementação de propostas que melhorem o serviço da Carris e retirem carros da cidade de Lisboa. Ao longo da semana, o DN avalia o estado da cidade de Lisboa, um ano após a eleição de Carlos Moedas para liderar a câmara.

A gratuitidade nos transportes públicos em Lisboa para os menores de 23 anos e maiores de 65 foi uma das bandeiras da campanha de Carlos Moedas e a medida de maior visibilidade que o seu executivo tomou na área da mobilidade. Essa é a opinião de Ângelo Pereira, o vereador que supervisiona esta área, mas também da oposição e especialistas, embora o elogio destes venha acompanhado por um "sim, mas".

"Este executivo, numa cidade com a dimensão e a complexidade de Lisboa, liderou e colocou o debate sobre a redução das tarifas dos transportes públicos num novo patamar", afirmou ao DN o vereador que tutela o Planeamento de Mobilidade, bem como a EMEL e a Carris e a Autoridade de Transportes. "É uma medida que não só facilita bastante a mobilidade de uma fatia muito significativa de pessoas, reduzindo desigualdades de acesso e contribuindo para a diminuição da pobreza, como também esperamos que contribua para o aumento da utilização do transporte público, diminuindo consideravelmente as emissões de carbono", acrescenta Ângelo Pereira.

João Ferreira, vereador eleito pelo PCP, admite que esta medida "tem um alcance", mas defende que não foi "implementada da melhor maneira" pois "devia ter sido implementada à escala metropolitana e não unicamente à escala da cidade de Lisboa".

Para Rosário Macário, professora do Departamento de Engenharia Civil do Instituto Superior Técnico e especialista em Transportes e Urbanismo, a gratuitidade dos passes em Lisboa "nestes grupos etários pode ser um incentivo à utilização do transporte público, mas não estamos perante uma transferência modal, como seria a ideia subjacente a esta promessa, a de reduzir a utilização do transporte individual e passar a ter uma maior intensidade do transporte coletivo. Este é um objetivo que tem de abranger toda a população."

O alargamento da medida a toda a população tem a bênção da Quercus. "Somos fortemente críticos desta gestão em termos de transportes para a cidade e para a área metropolitana. Depois, a questão dos transportes públicos serem tendencialmente gratuitos está a ser feita para determinados grupos populacionais, mas gostávamos que abrangesse o resto da população", refere ao DN Marta Leandro, vice-presidente da associação ambiental.

"No que toca ao transporte público, que é o pilar essencial de qualquer política de mobilidade sustentável, o que tivemos foi essa medida isolada, dissociada de quaisquer medidas de melhoria da oferta. A melhoria disruptiva dos serviços da Carris pura e simplesmente não aconteceu, não temos nem mais corredores BUS, nem aumento de frequência de determinadas carreiras, nem alargamento de horários à noite e fins de semana, que eram necessários em muitas zonas, nem reposição de carreiras que foram suprimidas e que deviam ser repostas. Não tivemos absolutamente nada", diz João Ferreira, em jeito de balanço sobre a estratégia desta empresa municipal.

Críticas que encontram eco em Marta Leandro. "O funcionamento da Carris, que nunca foi muito eficiente, entrou agora em descalabro, com demoras extraordinárias e chega a haver quatro carreiras seguidas no espaço de poucos minutos, com autocarros a circularem sobrelotados e outros vazios".

O trânsito em Lisboa é outra questão sempre atual, tendo a autarquia implementado neste último ano o Semáforos SIM Lx-Gestão Inteligente Semáforos, um projeto de modernização dos semáforos "no eixo central da cidade". "Uma etapa fundamental, de forma a minimizar os constrangimentos à circulação", diz Ângelo Pereira, já que passa "a haver a capacidade de antecipar os diferentes cenários de tráfego suscetíveis de criar situações de congestionamento".

Nesta área, e com o objetivo de retirar carros de Lisboa, está ainda por implementar a construção de mais parques de estacionamento na periferia da cidade. "Continuamos a ter graves problemas de trânsito que resultam, em grande parte, de um volume considerável de tráfego que todos os dias entra e sai da cidade associado aos movimentos pendulares. Nenhuma medida foi tomada no sentido de reduzir esse volume de tráfego", acusa João Ferreira.

Sem realização à vista está ainda uma outra medida que constava do programa eleitoral de Carlos Moedas e que foi anunciada em janeiro pelo vice-presidente da autarquia, Filipe Anacoreta Correia, na apresentação do Orçamento para 2022: a oferta de 50% de desconto no estacionamento da EMEL aos residentes da cidade. "Não é uma prioridade imediata. Esta medida trata-se de uma compensação dada aos moradores face aos custos resultantes da entrada diária de todos os automobilistas não residentes, e não um incentivo à utilização do automóvel", explica o vereador da Mobilidade.

Rosário Martinho considera esta proposta "simpática para os residentes", mas deixa um alerta. "Isso implica um controlo muito eficaz, para que atrás dessa medida não comecem a ser utilizados esses descontos por pessoas que trabalham no município e que, eventualmente, podem declarar uma residência profissional. E não é desejável que isso aconteça".

A mobilidade suave foi outra das bandeiras de Carlos Moedas. "Neste último ano, lançámos a consulta pública do Regulamento da Mobilidade Suave Partilhada, estamos a preparar, auscultando técnicos competentes, o Plano Municipal de Segurança Rodoviária, estamos a analisar os resultados da consulta pública do Regulamento de Mobilidade Elétrica, o Plano de Mobilidade Urbana Sustentável está a ser elaborado e está em preparação o lançamento de uma auditoria à Rede Ciclável", enumera o vereador Ângelo Pereira.

No que diz respeito a esta rede ciclável, uma das promessas de Carlos Moedas era a "eliminação de ciclovias com problemas, como seja a da Almirante Reis". Mas, em junho, depois de vários avanços e recuos, o presidente da autarquia acabou por retirar a proposta para proceder a alterações desta ciclovia. "É muito utilizada e, portanto, não deve ser retirada. É preciso, porém, fazer uma análise aos fluxos de tráfego - até porque a Almirante Reis é uma saída muito importante da Baixa - para tomar decisões. Mas houve aqui, claramente, um jogo político, com um empurrar de responsabilidades que resultou em ninguém querer mexer na ciclovia neste momento", defende a especialista em mobilidade.

No seu programa de governo, Carlos Moedas comprometia-se a transformar a Linha Circular do Metro e a futura Linha Amarela numa linha única "em laço" (Odivelas, Campo Grande, Rato, Cais do Sodré, Alameda, Campo Grande, Telheiras) para manter as ligações diretas de Odivelas, norte de Lisboa e Telheiras ao centro da cidade. Em novembro, o seu executivo votou a favor de uma moção do PCP em que era pedido ao governo a "reavaliação imediata" do projeto, que então Moedas classificava como "um erro". As obras da Linha Circular já estão em andamento, estando a sua entrada em atividade prevista para o último trimestre de 2024.

Olhando para trás, João Ferreira, vereador do PCP na autarquia, admite que "o desenvolvimento da rede do Metro não é uma responsabilidade direta da câmara, mas também não terá sido feito tudo aquilo que era necessário para defender os interesses da cidade junto do governo neste domínio". "É certo que este presidente manifestou inicialmente a sua oposição a essa Linha Circular, mas a verdade é que ela avançou e não terá sido suficientemente persuasivo junto do governo para contrariar esta intenção, criando uma Linha Circular e dificultando a mobilidade às populações de várias zonas da cidade, nomeadamente de toda a zona norte, que deixa de ter uma ligação direta por Metro às zonas centrais da cidade, incluindo a freguesia mais populosa", prossegue o vereador comunista, referindo-se ao Lumiar.

Esta perda de acesso direto ao centro de Lisboa e as suas consequências em termos ambientais e de mobilidade é uma preocupação da Quercus, com a sua vice-presidente Marta Leandro a sublinhar também a incapacidade política demonstrada pelo executivo camarário em inverter o desenho desta linha. "Para quem vem do eixo de uma das entradas norte de Lisboa, o eixo Odivelas-Loures, que são cerca de 300 mil pessoas que usam a atual Linha Amarela, o facto de serem obrigadas a mais uma comutação reduz a atratividade da solução do Metro, e pensamos que vai implicar uma redução do número de passageiros. Ou seja, não estamos a pensar estrategicamente o Metro como uma forma de reduzir o uso do transporte privado e ser uma forma de contribuir para a criação da solução das alterações climáticas".

ana.meireles@dn.pt

Ao longo da semana, o DN avalia o estado da cidade de Lisboa, um ano após a eleição de Carlos Moedas para liderar a câmara. Amanhã, o tema é a segurança na capital.