Política
26 maio 2022 às 22h13

Coração de D. Pedro voa para o Brasil? Irmandade da Lapa impõe "condição prévia"

O governo brasileiro quer emprestado o coração do fundador do país para as cerimónias do bicentenário da independência mas a entidade religiosa guardiã da relíquia no Porto está reticente, exigindo garantias científicas.

É o presidente da Câmara do Porto quem tem na sua secretária a chave da caixa de madeira onde, dentro de um frasco de vidro e submerso em formol, se encontra o coração de D. Pedro I (IV de Portugal), o pai fundador da independência do Brasil. Mas, por outro lado, é a Venerável Irmandade da Lapa, quem tem a chave da Igreja, no Porto, onde se encontra guardada a preciosa relíquia. É pela conjugação da vontade entre as duas partes que se aceitará - ou não - o pedido para que o coração de D. Pedro seja emprestado ao Brasil, no âmbito das comemorações, este ano, dos 200 anos da independência.

O pedido foi tornado público pelo embaixador brasileiro George Prata, um dos coordenadores das comemorações do bicentenário do Brasil. "Nós iniciámos conversações, preliminares, com o lado português para explorar a possibilidade da transladação temporária do coração do D. Pedro para o Brasil", afirmou o diplomata à Lusa, no princípio deste mês. Foi ele próprio, ao visitar Portugal em fevereiro, que fez alguns contactos iniciais: "Quando eu estive em Portugal, estive no Porto, visitei a Câmara Municipal e tive também uma reunião com representantes da Irmandade de Nossa Senhora da Lapa." A matéria é delicada - e existem receios quanto aos efeitos na relíquia desta aventura transatlântica. Aparentemente - embora oficialmente não fale do assunto - o presidente da Câmara Municipal do Porto estará inclinado a dizer que sim ao pedido brasileiro. Rui Moreira acha que é uma boa medida para a promoção do Porto no Brasil. A Irmandade da Lapa, porém, coloca aquilo que a sua provedora, Maria Manuela Maia Rebelo, definiu ao DN claramente como uma "condição prévia".

Ou seja: a Irmandade quer um parecer científico, feito de preferência pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, que assegure que a viagem transatlântica da relíquia não implicará perigos para a sua integridade física. A verdade é que há cerca de dez anos cientistas brasileiros pediram para fazer uma biópsia do coração do primeiro imperador do Brasil. Queriam perceber definitivamente as causas da sua morte (não é certo se foi doença de Chagas, tuberculose ou doença cardíaca). E a Irmandade disse que não.

Quanto ao resto, a decisão política de dizer que sim ou não às autoridades brasileiras, isso, salienta a provedora, competirá à autarquia. "A Irmandade é apenas fiel depositária da relíquia, a sua guardiã. Mas D. Pedro na verdade doou o seu coração à cidade e não especificamente à Irmandade. Portanto, é a cidade que tem de decidir". De acordo com Maria Manuela Maia Rebelo, já se iniciaram conversações com a Faculdade de Medicina tendo em vista a realização da perícia científica. Enquanto isto, a diplomacia brasileira aguarda. "Não há desenvolvimentos recentes a referir", esclareceu ao DN a embaixada em Lisboa. Na esquerda brasileira, esta iniciativa é vista com muitas reservas. Teme-se que Bolsonaro use as comemorações do bicentenário na sua campanha presidencial (eleições marcadas para 2 de outubro).

É ao liberal D. Pedro e às gentes do Porto que a cidade deve o título de Invicta. De julho de 1832 a agosto de 1833, resistiu ao cerco das tropas do seu irmão, D. Miguel. Resistindo acabou por vencer, com a causa liberal a derrotar definitivamente a absolutista.