A melhor e a pior escola estão separadas por apenas 15 quilómetros
O primeiro e o último lugares do ranking dos percursos diretos de sucesso no secundário são ocupados por duas escolas públicas. Uma em Felgueiras, outra em Lousada. Na primeira fala-se em "justiça", na segunda mostra-se espanto com o resultado e pede-se uma revisão dos critérios.
Uma é no concelho de Felgueiras, outra é no concelho de Lousada, ambas no distrito do Porto. Não mais de 15 quilómetros as separam. Não existem diferenças relevantes quanto às habilitações das mães, indicador tido como determinante no sucesso escolar dos alunos, uma média de seis anos. A percentagem de alunos com Apoio Social Escolar (ASE) é de apenas mais cinco pontos na Escola Básica e Secundária Dr. Mário Fonseca, em Lousada. Esta tem 48 alunos do secundário enquanto a Escola Básica e Secundária Dr. Machado Matos, em Felgueiras, tem 235. A caracterização socioeconómica e demográfica da população que servem. E, no entanto, existem 550 escolas do país inteiro (à exceção dos arquipélagos dos Açores e da Madeira) a separá-las. A EBS Dr. Machado Matos é a mais bem classificada no ranking dos percursos diretos de sucesso enquanto a EBS Dr. Mário Fonseca é a pior.
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A Escola Básica e Secundária Dr. Mário Fonseca, em Nogueira, Lousada, foi a mais mal classificada do ranking de percursos diretos de sucesso. A diretora, Ernestina Sousa, considera a avaliação enviesada.
© Octávio Passos/Global Imagens
Ernestina Sousa, diretora do Agrupamento de Escolas Dr. Mário Fonseca, de que faz parte a EBS Dr. Mário Fonseca, em Nogueira, Lousada, mostra-se incrédula com os resultados desta avaliação, na qual esta escola nem sequer entrou no ano passado, por não ter alunos suficientes para a amostra mínima necessária. Com apenas uma turma por ano de escolaridade e um total de 48 alunos no ensino secundário, é opinião da diretora que será essa uma das razões para o resultado, que considera injusto.
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"Num universo tão reduzido de alunos, o número de retenções e os resultados obtidos nos exames nacionais atingem facilmente uma elevada percentagem quer pela positiva quer pela negativa. Neste contexto, basta haver três ou quatro alunos com uma retenção para parecer uma percentagem muito elevada. Conseguir que estes alunos não abandonem a escolaridade e possam sujeitar-se a exame é mérito da escola, da comunidade e das suas famílias. Consegue-se reduzir o abandono por um lado e a conclusão da escolaridade obrigatória por outro. Contudo o percurso, que é de sucesso, não é direto. Valeria a pena, para quem aprecia rankings, um novo ranking das escolas que não selecionam alunos e os recebem mesmo com percursos irregulares e conseguem levá-los a concluir a escolaridade com sucesso", diz, fazendo notar que o agrupamento tem duas escolas com ensino secundário, que ficaram em lugares diferentes da tabela.
"Temos duas EBS no agrupamento, duas realidades semelhantes, com a mesma política educativa e a mesma política avaliativa, em posições do ranking bem diversas. Não será preciso mais para se perceber que estes rankings facilmente podem indicar resultados, no mínimo, falaciosos."
Com uma taxa de sucesso de 90,36% no ano letivo de 2018-2019, acima dos 85,12 e 86,62 dos dois anos letivos anteriores, é com tristeza que vê as estatísticas ensombrarem aquilo que considera ser um bom trabalho de professores, alunos e pais.
"Temos duas EBS no agrupamento, duas realidades semelhantes, com a mesma política educativa e a mesma política avaliativa, em posições do ranking bem diversas. Não será preciso mais para se perceber que estes rankings facilmente podem indicar resultados, no mínimo, falaciosos."
Branca de Sousa, presidente da Associação de Pais da EBS Dr. Mário Fonseca, junta-se à professora e diretora de agrupamento no espanto com os resultados. Embora não tenha filhos no ensino secundário, acompanha a atividade da escola e diz-se testemunha de uma boa dinâmica escolar, um quadro de professores estável e projetos diversos de apoio aos alunos, incluindo um serviço de psicologia. "Lousada tem quatro escolas secundárias e a de Nogueira é a que tem menos alunos. Será essa uma das explicações para estes resultados", diz.
Resultados que dizem respeito ao ano letivo de 2018-2019 e não refletem os últimos meses, de interrupção das aulas presenciais devido à pandemia de covid-19, que no agrupamento de escolas dirigido por Ernestina Sousa têm gerado um misto de experiências e sentimentos.
"O ensino à distância acarreta lacunas no percurso planeado, pois não é possível, sem a presença do professor e de toda a envolvência da escola, criar as mesmas dinâmicas. Há conteúdos que ficam por lecionar. No entanto, há também um conjunto de competências que se renovam como a utilização das tecnologias com maior mestria e muitos exemplos de cumplicidade entre alunos, professores e pais que melhora", diz a diretora, para quem a maior preocupação foi não deixar nenhum aluno para trás, sem contacto com a escola, o que implicou um esforço acrescido.
"Atravessar esta situação jamais nos passou pela cabeça, mas houve uma enorme resiliência, capacidade de reinvenção, solidariedade e a valorização do trabalho em equipa para se conseguir ultrapassar todas as adversidades que se colocaram no nosso caminho. A união de professores, funcionários, famílias e parceiros foi enorme e motivo de grande orgulho."
O segredo? "Ouvir todas as partes"
Grande orgulho é o que sente António Bragança, diretor do Agrupamento de Escolas Dr. Machado Matos em Felgueiras, que neste ano foi a primeira classificada no ranking dos "percursos diretos de sucesso" do secundário, depois de no ano passado ter chegado ao segundo lugar, atrás do privado Colégio de São Miguel, em Ourém.
Este ranking, que avalia não só as notas dos exames, mas o percurso dos alunos da escola ao longo do ensino secundário, nos cursos científico-humanísticos, aferindo a percentagem destes que obtêm positiva nos exames finais nacionais do 12.º ano após um percurso sem retenções nos 10.º e 11.º anos, é considerado o mais robusto pelo Ministério da Educação.

António Bragança é o diretor do Agrupamento de Escolas Dr. Machado de Matos, em Felgueiras. O primeiro lugar no ranking de percursos diretos de sucesso enche-o de orgulho. O segredo? São as pessoas, a sua qualidade, empenho e determinação, diz o diretor da escola que define como "de afetos".
© Octávio Passos/Global Imagens
António Bragança concorda e acrescenta a justeza e a democraticidade, "porque corrige assimetrias e desigualdades. É o ranking que deve ser ponto de referência na educação que se pretende: de todos e para todos, em que o sucesso de cada um e a conclusão da escolaridade obrigatória deverá ser a motivação que nos leva à escola todos os dias", diz o diretor da melhor do país, situada na freguesia de Pombeiro de Ribavizela, que até 2011 não tinha ensino secundário.
O segredo, de acordo com o professor, reside na estabilidade do corpo docente, na competência, na lealdade e no espírito de unidade da equipa diretiva e no apoio permanente ao trabalho de professores e alunos.
"É nossa prioridade ouvir todas as partes intervenientes no processo educativo, perceber os seus problemas e desejos e colaborar nas ideias propostas e na vontade de todos em fazer cada vez mais e melhor. Não existem nesta escola tecnologias topo de gama ou estratégias nas quais ainda ninguém tinha pensado. Não. Aqui tenho a trabalhar comigo uma equipa diretiva dinâmica, coesa e proativa; um conjunto de docentes competentes e dedicados e temos vindo a conseguir constituir um grupo de alunos estudiosos e motivados. Esta é a chave do sucesso: as pessoas. Onde vontade, determinação, empenho, confiança e colaboração existem não há adversidades que prevaleçam e as situações mais complicadas são sempre ultrapassadas. Esta é uma escola de afetos porque o nosso foco são as pessoas e o que nos distingue é a qualidade de todas elas."
Distinção que tem sido fundamental nos últimos meses para mitigar as consequências provocadas pela passagem do ensino presencial para o ensino à distância, devido à pandemia de covid-19. De acordo com o diretor, o percurso dos alunos não tem sido afetado por esta mudança brusca, apenas se alterou a sua forma de ir à escola.

Último dia de aulas na Escola Básica e Secundária Dr. Machado de Matos, em Felgueiras, a mais bemclassificada no ranking dos percursos diretos de sucesso.
© Octávio Passos/Global Imagens
"O percurso dos nossos alunos, mesmo durante esta pandemia, tem-se revelado promissor. A escola que encerrou foi apenas a escola física, porque a escola que no fundo é constituída por pessoas, livros, cadernos e agora muita tecnologia à mistura, continuou em casa de cada um dos nossos alunos e professores."
Para António Bragança a forma como a escola se reinventou de um dia para o outro diz muito. "Diz aquilo de que nunca duvidei. Que os professores são muito capazes e não há obstáculos ou pandemia que os pare. A escola e os professores reinventam-se todos os dias, a cada novo começo de aula ou a cada nova atividade. Mas neste contexto de pandemia a escola reinventou-se como nunca tinha sido preparada para fazer ou previsto acontecer. Fê-lo com muito sucesso e uma grande aprendizagem."
"Quisemos mostrar que mesmo com tantas condições adversas ao nosso trabalho, com alunos oriundos de meios familiares menos favorecidos e com menos escolaridade do que o desejável, conseguimos fazer o que a escola se destina a fazer."
Dificuldades também existiram. "Vir todos os dias para a escola e ter um edifício vazio. Tomar decisões sobre algo desconhecido e nunca posto em prática porque não queríamos falhar. Aceitar que não tínhamos a oportunidade de chegar da mesma forma a 100% dos nossos alunos, apesar de todo o nosso esforço."
O balanço é, no entanto, positivo e desta situação adversa saiu, na opinião do diretor, um reforço dos laços entre professores, alunos e pais, que passaram a perceber e a valorizar mais o papel dos professores e da escola. Daí que preveja que "o regresso correrá muito bem e será a oportunidade de juntos mostrarmos a nossa satisfação pela primeira posição no ranking dos percursos diretos de sucesso. Quisemos mostrar que mesmo com tantas condições adversas ao nosso trabalho, com alunos oriundos de meios familiares menos favorecidos e com menos escolaridade do que o desejável, conseguimos fazer o que a escola se destina a fazer: construir com qualidade e sucesso o futuro e valorizar o que de mais importante há em cada escola: as pessoas."
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