"Alguém que tenha uma tatuagem com uma suástica não entra de certeza na PSP", diz Vera Lourenço, subintendente da PSP e chefe da divisão de ensino da Escola Prática de Polícia (EPP). "Nos exames de admissão essa é nitidamente uma circunstância eliminatória. Não digo que não exista um agente que tenha uma cruz dessas, digo é que de certeza só a fez depois de entrar na força.".A PSP aceitou este pedido do DN: visitar a EPP para perceber que formação recebem afinal os agentes na área da discriminação. A intervenção no bairro da Jamaica colocou o assunto na ordem do dia - e soma-se a casos recentes como a detenção de dois jovens à porta de uma escola no Cacém, ou aos 17 agentes da esquadra de Alfragide que estão agora em tribunal. Os relatórios de abusos nas forças policiais portuguesas são consecutivos nos relatórios da Amnistia Internacional..Por estes dias decorre na EPP um curso de chefes da PSP. São 200 homens e mulheres que, a partir de setembro, terão competências de liderança nas esquadras que patrulham as ruas do país. Aqui, como em todos os cursos que a escola administra, o racismo está em cima da mesa. "Quando acontecem coisas como as que vimos nesta semana, tentamos sempre levá-las para a esfera das aulas, analisá-las e perceber a atuação", diz Vera Lourenço. Houve abuso neste caso? A subinspetora não responde. Ninguém responde, aliás..Ao longo da formação os alunos têm disciplinas como Ética Policial, Direitos Constitucionais dos Cidadãos, Psicossociologia. Apresentam-se powerpoints para perceber as características das diferentes comunidades que vivem em Portugal e a melhor maneira de abordá-las. Há módulos como imigração africana, cultura cigana, problemas das 2.ª e 3.ª gerações dos PALOP. "A lei tem a mesma aplicação para os cidadãos, independentemente da cor", diz José Gentil, um dos alunos que entrou em novembro. Foi o único estudante a quem a Direção Nacional da PSP permitiu falar com o DN. Escolhido pela escola e prestando declarações diante do comandante e da sua chefe da divisão de ensino.."Há pequenos sinais culturais que devemos perceber para que a ação não crie choques desnecessários." Por exemplo? "Se quiser falar com uma mulher de burqa, e se a situação não precisar de intervenção imediata, é melhor que me dirija ao marido." Nos bairros problemáticos, no entanto, diz que a lógica é menos cultural e mais hierárquica. "Não interessa tanto se são bairros negros ou ciganos: são guetos, e nos guetos interessa mais quem é o chefe do grupo.".O policiamento de proximidade é a única solução para estes bairros. É o que diz José Cabrita, comandante e diretor da escola. "Fiz o curso de oficiais em 1984, numa altura em que se olhava para todos os cidadãos sem atender às suas especificidades. Hoje temos um programa pedagógico completamente novo, muito mais estruturado.".Diz que projetos como a Escola Segura ou Idosos em Segurança são exemplos de sucesso - quando a polícia conhece os cidadãos são mais eficazes as ações no terreno. "É também para essa proximidade que formamos os nossos agentes. A verdade é que nunca estivemos tão preparados para o terreno como hoje, ética e doutrinariamente.".Gentil, que trabalha há 20 anos na Divisão de Investigação Criminal do Comando Metropolitano de Lisboa, alinha pela mesma bitola. "A proximidade ajuda-nos a sentir o pulso aos locais onde nos movimentamos. E o nosso objetivo é sempre intervir da melhor forma. A opinião pública julga-nos rápido, mas não somos propriamente um gangue vestido de azul.".A subintendente Vera prefere recentrar as questões no lado pedagógico. Admite que há comportamentos que envergonham a farda - "e somos os primeiros interessados em que eles sejam punidos" - mas diz que desde 2011 a formação da polícia mudou, e está mais atenta às diferenças. Nesse ano, de facto, introduziu-se um novo modelo de ensino, menos refém das disciplinas e mais da interligação entre elas. Os alunos aprendem e depois são colocados perante situações que têm de resolver: assaltos, fugas, mas também entradas em bairros onde não são bem recebidos.."Seguimos o modelo francês, considerado um dos mais avançados do mundo nesta área." Foi assim que formaram, em 2018, 400 agentes. E é assim que vão formar novos 600 neste ano (o concurso está a decorrer). Um bom sinal para avaliar o peso da igualdade seria perceber quantos agentes têm pele negra, mas a essa pergunta ninguém responde.."Não registamos a etnia dos nossos alunos", diz o comandante. Mas por impressão, uma percentagem? "Alguns", responde. Daí por umas horas, quando terminam as aulas, uma boa parte dos 200 polícias que se preparam para ser chefes saem das aulas e atravessam a parada a caminho das camaratas. Quando passam pelos oficiais fazem-lhes continência. Seguramente passou mais de centena e meia por eles. Nem um único negro..É final da manhã . Há 25 homens em fila, cada um à espera da sua vez para disparar. No campo de tiro da escola de Torres Novas treina-se a utilização de shotguns, usadas para o disparo de balas de borracha - como aconteceu na segunda-feira na Avenida da Liberdade. Os alvos são garrafas de plástico cheias de areia, presas por um fio a um barrote de madeira. "Se reparar, estão à altura das pernas", diz Vera Lourenço. "Seja em que circunstância for, é sempre para aí que se deve apontar.".Os polícias são treinados para dar a resposta certa a cada ameaça. Só se puxa uma arma se o suspeito puser alguém em perigo de vida, por exemplo. As balas de borracha não podem ser disparadas a menos de cinco metros, porque correm o risco de se tornar letais. Não se algema quem não ofereça resistência. O bastão só deve ser usado contra quem mostra um comportamento agressivo. A escala das respostas táticas está bem definida por uma norma de execução permanente, que os oficiais da EPP dizem não poder mostrar. "Às vezes os agentes sentem que há alguma ingratidão perante o seu trabalho, mas o treino que fazemos serve também para que isso não os afete." E quando afeta? "São-lhes descontados pontos, coisa que os faz ter piores notas, e terem menos oportunidade de escolha dos comandos para onde vão trabalhar no fim do curso", diz Vera Lourenço..As classificações finais do curso têm, por isso, uma importância tremenda: quanto mais alta a nota, maior a liberdade de escolha. "Muitos preferem o Comando Metropolitano de Lisboa, onde há mais ação", explica a chefe de divisão de ensino. "E depois, ao fim de alguns anos, mudam-se para as zonas de origem.".Ainda que não aconteça de forma tão marcada como no século XX, o corpo da polícia tem origens definidas. "Costuma dizer-se que o grosso da força vem de norte do Mondego", diz Jorge Pimenta, comissário e professor de Direito Civil. No entanto, um terço dos 22 mil agentes que a PSP emprega trabalham no Comando Metropolitano de Lisboa..Não é injusto concluir daqui que uma boa parte dos agentes que ocupam posto nas esquadras das zonas mais problemáticas cheguem por isso com pouco conhecimento do terreno. Ou que algumas destas esquadras acabem por ter maior rotatividade de pessoal, quando era precisamente ali que o policiamento próximo e continuado faria mais sentido..São cinco da tarde e está a acabar uma aula de Direito Civil. Uma turma de 25 alunos tem a Constituição Portuguesa pousada sobre as mesas e um grupo faz um exercício de plenário em frente ao quadro. Discutem regras para o futuro e tomam os papéis de uma assembleia democrática. Voto nominal ou secreto, pergunta o formador a um dos futuros chefes de polícia. "Secreto", responde o agente Tabuada, e depois explica-se perante a turma: "É uma questão de igualdade. Aos olhos da lei somos todos iguais."
"Alguém que tenha uma tatuagem com uma suástica não entra de certeza na PSP", diz Vera Lourenço, subintendente da PSP e chefe da divisão de ensino da Escola Prática de Polícia (EPP). "Nos exames de admissão essa é nitidamente uma circunstância eliminatória. Não digo que não exista um agente que tenha uma cruz dessas, digo é que de certeza só a fez depois de entrar na força.".A PSP aceitou este pedido do DN: visitar a EPP para perceber que formação recebem afinal os agentes na área da discriminação. A intervenção no bairro da Jamaica colocou o assunto na ordem do dia - e soma-se a casos recentes como a detenção de dois jovens à porta de uma escola no Cacém, ou aos 17 agentes da esquadra de Alfragide que estão agora em tribunal. Os relatórios de abusos nas forças policiais portuguesas são consecutivos nos relatórios da Amnistia Internacional..Por estes dias decorre na EPP um curso de chefes da PSP. São 200 homens e mulheres que, a partir de setembro, terão competências de liderança nas esquadras que patrulham as ruas do país. Aqui, como em todos os cursos que a escola administra, o racismo está em cima da mesa. "Quando acontecem coisas como as que vimos nesta semana, tentamos sempre levá-las para a esfera das aulas, analisá-las e perceber a atuação", diz Vera Lourenço. Houve abuso neste caso? A subinspetora não responde. Ninguém responde, aliás..Ao longo da formação os alunos têm disciplinas como Ética Policial, Direitos Constitucionais dos Cidadãos, Psicossociologia. Apresentam-se powerpoints para perceber as características das diferentes comunidades que vivem em Portugal e a melhor maneira de abordá-las. Há módulos como imigração africana, cultura cigana, problemas das 2.ª e 3.ª gerações dos PALOP. "A lei tem a mesma aplicação para os cidadãos, independentemente da cor", diz José Gentil, um dos alunos que entrou em novembro. Foi o único estudante a quem a Direção Nacional da PSP permitiu falar com o DN. Escolhido pela escola e prestando declarações diante do comandante e da sua chefe da divisão de ensino.."Há pequenos sinais culturais que devemos perceber para que a ação não crie choques desnecessários." Por exemplo? "Se quiser falar com uma mulher de burqa, e se a situação não precisar de intervenção imediata, é melhor que me dirija ao marido." Nos bairros problemáticos, no entanto, diz que a lógica é menos cultural e mais hierárquica. "Não interessa tanto se são bairros negros ou ciganos: são guetos, e nos guetos interessa mais quem é o chefe do grupo.".O policiamento de proximidade é a única solução para estes bairros. É o que diz José Cabrita, comandante e diretor da escola. "Fiz o curso de oficiais em 1984, numa altura em que se olhava para todos os cidadãos sem atender às suas especificidades. Hoje temos um programa pedagógico completamente novo, muito mais estruturado.".Diz que projetos como a Escola Segura ou Idosos em Segurança são exemplos de sucesso - quando a polícia conhece os cidadãos são mais eficazes as ações no terreno. "É também para essa proximidade que formamos os nossos agentes. A verdade é que nunca estivemos tão preparados para o terreno como hoje, ética e doutrinariamente.".Gentil, que trabalha há 20 anos na Divisão de Investigação Criminal do Comando Metropolitano de Lisboa, alinha pela mesma bitola. "A proximidade ajuda-nos a sentir o pulso aos locais onde nos movimentamos. E o nosso objetivo é sempre intervir da melhor forma. A opinião pública julga-nos rápido, mas não somos propriamente um gangue vestido de azul.".A subintendente Vera prefere recentrar as questões no lado pedagógico. Admite que há comportamentos que envergonham a farda - "e somos os primeiros interessados em que eles sejam punidos" - mas diz que desde 2011 a formação da polícia mudou, e está mais atenta às diferenças. Nesse ano, de facto, introduziu-se um novo modelo de ensino, menos refém das disciplinas e mais da interligação entre elas. Os alunos aprendem e depois são colocados perante situações que têm de resolver: assaltos, fugas, mas também entradas em bairros onde não são bem recebidos.."Seguimos o modelo francês, considerado um dos mais avançados do mundo nesta área." Foi assim que formaram, em 2018, 400 agentes. E é assim que vão formar novos 600 neste ano (o concurso está a decorrer). Um bom sinal para avaliar o peso da igualdade seria perceber quantos agentes têm pele negra, mas a essa pergunta ninguém responde.."Não registamos a etnia dos nossos alunos", diz o comandante. Mas por impressão, uma percentagem? "Alguns", responde. Daí por umas horas, quando terminam as aulas, uma boa parte dos 200 polícias que se preparam para ser chefes saem das aulas e atravessam a parada a caminho das camaratas. Quando passam pelos oficiais fazem-lhes continência. Seguramente passou mais de centena e meia por eles. Nem um único negro..É final da manhã . Há 25 homens em fila, cada um à espera da sua vez para disparar. No campo de tiro da escola de Torres Novas treina-se a utilização de shotguns, usadas para o disparo de balas de borracha - como aconteceu na segunda-feira na Avenida da Liberdade. Os alvos são garrafas de plástico cheias de areia, presas por um fio a um barrote de madeira. "Se reparar, estão à altura das pernas", diz Vera Lourenço. "Seja em que circunstância for, é sempre para aí que se deve apontar.".Os polícias são treinados para dar a resposta certa a cada ameaça. Só se puxa uma arma se o suspeito puser alguém em perigo de vida, por exemplo. As balas de borracha não podem ser disparadas a menos de cinco metros, porque correm o risco de se tornar letais. Não se algema quem não ofereça resistência. O bastão só deve ser usado contra quem mostra um comportamento agressivo. A escala das respostas táticas está bem definida por uma norma de execução permanente, que os oficiais da EPP dizem não poder mostrar. "Às vezes os agentes sentem que há alguma ingratidão perante o seu trabalho, mas o treino que fazemos serve também para que isso não os afete." E quando afeta? "São-lhes descontados pontos, coisa que os faz ter piores notas, e terem menos oportunidade de escolha dos comandos para onde vão trabalhar no fim do curso", diz Vera Lourenço..As classificações finais do curso têm, por isso, uma importância tremenda: quanto mais alta a nota, maior a liberdade de escolha. "Muitos preferem o Comando Metropolitano de Lisboa, onde há mais ação", explica a chefe de divisão de ensino. "E depois, ao fim de alguns anos, mudam-se para as zonas de origem.".Ainda que não aconteça de forma tão marcada como no século XX, o corpo da polícia tem origens definidas. "Costuma dizer-se que o grosso da força vem de norte do Mondego", diz Jorge Pimenta, comissário e professor de Direito Civil. No entanto, um terço dos 22 mil agentes que a PSP emprega trabalham no Comando Metropolitano de Lisboa..Não é injusto concluir daqui que uma boa parte dos agentes que ocupam posto nas esquadras das zonas mais problemáticas cheguem por isso com pouco conhecimento do terreno. Ou que algumas destas esquadras acabem por ter maior rotatividade de pessoal, quando era precisamente ali que o policiamento próximo e continuado faria mais sentido..São cinco da tarde e está a acabar uma aula de Direito Civil. Uma turma de 25 alunos tem a Constituição Portuguesa pousada sobre as mesas e um grupo faz um exercício de plenário em frente ao quadro. Discutem regras para o futuro e tomam os papéis de uma assembleia democrática. Voto nominal ou secreto, pergunta o formador a um dos futuros chefes de polícia. "Secreto", responde o agente Tabuada, e depois explica-se perante a turma: "É uma questão de igualdade. Aos olhos da lei somos todos iguais."