"O senhor Maduro é um presidente ilegítimo na Venezuela"

Entrevista a Martín Vizcarra, presidente do Peru, que esteve em Lisboa para reforçar laços com Portugal. Líder do Grupo de Lima, o político peruano é implacável com Maduro e reafirma apoio a Guaidó.
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O Peru, através do grupo de Lima, tem sido especialmente interventivo na questão venezuelana, que é hoje o maior problema da América Latina. Como vê o senhor o desafio do presidente interino Juan Guaidó a Nicolas Maduro, o herdeiro de Hugo Chávez no poder?

Sou presidente do Peru desde há 11 meses. Contudo, prossegui com a política externa que é a do Peru desde há muito, ou seja defender os princípios democráticos nos países da região. Por isso temos liderado, no âmbito do Grupo de Lima, todos os esforços para que a Venezuela volte a ser uma verdadeira democracia. Para nós, e assim o manifestei a partir de janeiro deste ano, o senhor Maduro é agora um presidente ilegítimo da Venezuela, ao prosseguir o seu mandato através de umas eleições que não foram transparentes. Prosseguiremos o esforço para que Venezuela regresse a uma verdadeira democracia. Reconhecemos o presidente interino Guaidó. Na semana passada recebemos também as cartas credenciais do seu embaixador no Peru como representante da Venezuela. E vamos continuar a fazer todos os esforços, juntamente com os países da região e de outras partes do mundo, para que a Venezuela volte à democracia.

O seu país, há duas décadas, também era visto de forma negativa pelos noticiários internacionais, sobretudo o período de presidência de Alberto Fujimori. Depois seguiu-se uma sucessão de boas notícias, com a afirmação da democracia e também do sucesso económico. Mas a sua ascensão à presidência, no ano passado, deveu-se à saída de Pedro Pablo Kuczynski, o presidente eleito. A normalidade constitucional foi preservada e a democracia peruana continua sólida?

A democracia peruana está sólida. Vivemos o período mais longo de democracia com eleições transparentes. No caso especifico das últimas eleições, eu fui candidato com o presidente Kuczynski a uma vice-presidência. E acompanhei-o nos primeiros anos de governo até que, por problemas de caráter político interno do país, o presidente Kuczynski renunciou e cumpriu-se estritamente a sucessão que estabelece a Constituição, pois em caso de renúncia quem assume é o vice-presidente. Vou concluir o mandato para o qual foi eleito o presidente Kuczynski, o qual termina a 28 de julho de 2021. Em consequência de uma sucessão presidencial aceite por todos os partidos políticos e toda a sociedade peruana. Temos pois uma democracia sólida, que inclusive já foi posta à prova em circunstâncias difíceis.

Mas há uma divisão política muito forte entre os dois grandes blocos políticos no Peru, certo?

Sim, e é resultado das últimas eleições, em 2016. Tivemos um confronto pouco habitual entre as forças que promovem o executivo e as que dominavam o congresso da república. Foram dois anos de abordagem política difícil, mas que finalmente deu lugar as melhores decisões. Neste terceiro ano tanto do executivo como do parlamento estamos a chegar a uma confluência de critérios, trabalhando para o bem do país.

Como está a economia peruana?

A economia vai bem. O Peru vive há mais de 20 anos em crescimento económico sustentado, graças a uma política macroeconómica que se mantém apesar das mudanças de presidente. Uma economia que tem crescido a taxas de 6 a 8% quando as condições exteriores são favoráveis, de 3 a 4% quando o são menos. Em 2018 crescemos 4%, um dos crescimentos mais fortes entre os países da região. E este ano, graças aos novos investimentos anunciados, calcula-se que pode ir além dos 4%.

Esta viagem a Portugal e Espanha procura atrair mais investimento ibérico?

Sim, viemos mostrar a enorme potencialidade que tem o Peru para receber investimento estrangeiro. No caso de Portugal há já investimentos importantes de capitais e de empresas no campo da construção, no campo da energia, no campo da engenharia, nos seguros, só para citar quatro sectores.

O Peru fascina os portugueses pela sua história. Sabemos que tem uma matriz indígena muito forte, herdada dos incas, também influência do colonizador espanhol, e de outras muito diversas, basta pensar que Fujimori era filho de japoneses e que o seu antecessor tem raízes polacas. Como funciona esta sociedade tão multicultural?

Essa diversidade, há umas décadas, chegava a ser considerada como um problema para o desenvolvimento. Não nos tínhamos dado conta que estas confluências de tantas culturas faziam parte da nossa riqueza. Temos atualmente à volta de uma vintena de línguas indígenas que estavam escondidas, das quais o próprio Estado não tomava conta. Agora a própria educação no Peru, sem esquecer que o espanhol é dominante entre os cidadãos, está a analisar línguas da serra e da selva para que também se eduquem as crianças na sua língua materna e desta forma não se perca a sua identidade, a sua cultura, a sua história. O Peru é cada vez mais um país aberto, plural, no âmbito social, cultural e histórico. Também no âmbito climático: temos 2500 km de costa do Pacífico, temos cidades que estão entre os 4000 e os 5000 metros acima do nível do mar e temos uma extensa Amazónia, um pulmão da terra entre o Peru e o Brasil. Estamos finalmente a valorizar essa diversidade.

A gastronomia peruana está na moda em Portugal. Também resulta dessa mistura de culturas?

Sim. Reconhecemos os diferentes contributos das culturas na culinária peruana, que lhe dá a sua originalidade. É uma fusão de tradições mas também da enorme quantidade de produtos próprios do país, que dão uma característica especial a esta gastronomia. Em alguns sítios pode haver pratos com uma, duas ou três variedades de batata, mas no Peru temos milhares de variedades de batata para podermos experimentar nos nossos pratos ou adaptá-los ao gosto do mundo. Por isso, sim, já se começa a conhecer a gastronomia peruana, mas há ainda muito por mostrar.

Há um livro do peruano Mário Vargas Llosa, Nobel da Literatura, o 'Cinco Esquinas', em que sempre que duas personagens se encontram na rua uma diz ter uma corvina fresca em casa e convida a outra a ir até lá comer um ceviche. Isto passa-se mesmo assim no Peru?

Sim, faz parte dos temas de conversa numa parte do país. Essa é certamente o tipo de conversa que se pode ter em Lima, tanto na região costeira Norte como Sul, mas não em Cuzco ou em Iquitos, capital da Amazónia. Aí, em termos gastronómicos, há outras combinações tão características como o ceviche. É a tal diversidade.

Falámos agora de Vargas Llosa, ao mais famoso escritor peruano, também politicamente muito interventivo. Este ano o Peru vai ser país tema da Arco em Madrid. Culturalmente, e falo de literatura, cinema, arte, o Peru é também um país a dar atenção?

Queremos dar a conhecer aquilo que é inédito, que ainda não se conhece do Peru. Machu Pichu, é uma das maravilhas modernas do mundo, e foi descoberta há pouco mais de um século. Assim através de representações culturais como a comida ou a arte podemos mostrar muito mais do país e para isso temos embaixadores artísticos como Vargas Llosa e muitos mais e que podem levar isso ao mundo. Nessa Arco mostraremos um pouco do nosso país e quem for verá o maravilhoso que é.

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