Barcelona é paixão de estrelas que acaba mal. E Messi é apenas mais um

Johan Cruyff, Maradona, Schuster, Romário, Ronaldo, Figo e Neymar vestiram a camisola blaugrana, uns foram mais felizes que outros, mas todos eles tiveram um adeus traumático. Há histórias de troféus destruídos, promessas por cumprir, férias indevidas e dinheiro, muito dinheiro.

O Barcelona está, por esta altura, de pernas para o ar. E tudo porque Lionel Messi, que muitos consideram o melhor jogador dos 120 anos de história do clube, decidiu colocar ponto final a uma relação de amor e paixão que se iniciou há 20 anos.

La Pulga quer ir-se embora e mandou para o Camp Nou um documento a dizer isso mesmo, fazendo valer uma cláusula no contrato que lhe permitia sair no final da época 2019-20, desde que essa fosse a sua vontade. Só que o entendimento dos advogados do Barça é diferente. Alegam que a cláusula só era válida até 30 de maio, mas os juristas do jogador defendem que a pandemia fez com que a época se prolongasse até agosto, pelo que a sua validade teria sido adiada automaticamente para 31 de agosto.

Agora, ao que tudo indica, serão os tribunais a avaliar quem tem razão, com o Barcelona a correr o risco de perder o seu símbolo e também muitos milhões, afinal a cláusula de rescisão do argentino era de 700 milhões de euros. No entanto, Messi é apenas mais um nome na lista de estrelas que deixaram o Camp Nou de costas voltadas para os responsáveis do clube, que o digam Neymar, Luís Figo, Ronaldo "Fenómeno", Romário, Bernd Schuster e Diego Maradona.

Mas a história destes desamores também se pode estender a Johan Cruyff, uma das figuras mais importantes da história do Barça. Afinal, quando em 1978 decidiu retirar-se do futebol, o mago holandês estava muito desgastado com o seu papel de capitão com demasiada influência no clube, que lhe permitiu forçar a direção blaugrana a tomar determinadas decisões - a readmissão do treinador Rinus Michels, a contratação do compatriota Neeskens ou o despedimento do técnico alemão Hennes Weisweiler.

Aos 31 anos, Cruyff era um homem desgastado e só os problemas financeiros, devido a maus investimentos que fez, o obrigaram a voltar aos relvados, nos Estados Unidos. Voltaria ao Barcelona dez anos depois para ser treinador e fazer história.

Maradona em rota de colisão com o presidente Núñez

Maradona viveu dois anos tumultuosos em Barcelona. Chegou em 1982 como um troféu do presidente Josep Lluis Núñez, com quem nunca teve uma relação pacífica.

Após um ano no clube, El Pibe recebeu um convite para estar na festa de despedida do médio alemão Paul Breitner, mas o líder blaugrana não queria que ele fosse e escondeu-lhe o passaporte. Maradona ficou como louco, conforme contou na sua autobiografia, Yo Soy el Diego, ameaçou destruir as taças do clube e chegou mesmo a atirar um Troféu Teresa Herrera ao chão.

A relação deteriorou-se ao ponto de Maradona, no seu livro, acusar Núñez de ser "tarado" porque olhava para ele como sendo sua propriedade e tinha inveja da sua popularidade. Quis deixar o clube, mas o presidente não deixava, até que a 5 de maio de 1984, na final da Taça do Rei, com o Athletic Bilbau, El Pibe protagonizou uma série de pontapés em adversários que causaram uma autêntica batalha campal. Foi castigado com três meses de suspensão.

Incapaz de melhorar uma relação já muito deteriorada, desgastada e marcada por faltas de respeito mútuas, Josep Lluis Núñez decidiu vender Maradona ao Nápoles por uma verba equivalente, nos dias de hoje, a sete milhões de euros.

Schuster, o castigo e a promessa não cumprida

Chamavam-lhe o "Anjo Loiro" e foi estrela no meio-campo do Barcelona durante quase toda a década de 1980. Além da grande qualidade futebolística, o alemão Bernd Schuster tinha uma personalidade muito forte que acabou por colidir várias vezes com Josep Lluis Núñez, mas também com os treinadores.

Que o diga o inglês Terry Venables, que decidiu substituir o médio durante a final da Taça dos Campeões, perdida para o Steaua Bucareste. Uma decisão que fez Schuster perder a cabeça: foi para o balneário, tomou banho e de imediato foi sozinho, de táxi, para o hotel.

Consequência? Josep Lluis Núñez castigou o alemão, que não vestiu a camisola durante toda a época seguinte (1986-87). Por essa altura, Schuster reclamava um aumento salarial, prometido pelo próprio presidente no caso de ser reeleito. "Esta cidade tem tudo: um grande clube, grandes adeptos, um estádio estupendo, jogadores de grande categoria. O problema está nos dirigentes", chegou a dizer publicamente o jogador.

Com as relações com os dirigentes profundamente deteriorada, Schuster terminou contrato com o Barça no verão de 1988 e decidiu deixar o Camp Nou a custo zero, rumo ao rival Real Madrid. Para trás ficaram oito épocas como ídolo blaugrana.

O atraso das férias que tramou Romário

Se Maradona tinha uma personalidade difícil, o que dizer de Romário? Doze milhões de euros pagou o Barcelona ao PSV Eindhoven em 1993. E logo na primeira época foi elevado à condição de estrela, graças aos 32 golos em 47 jogos.

O "Baixinho", assim era conhecido Romário, brilhou depois no Mundial dos Estados Unidos, levando o Brasil à conquista do título. E nos seis primeiros meses da temporada 1994-95 a relação com o Barcelona deteriorou-se. Tudo começou com um pedido do avançado para que lhe dessem mais tempo de férias. "Liguei duas vezes para os diretores do Barcelona e não consegui falar com eles. O meu procurador também tentou e aconteceu o mesmo. Por isso, não telefonei mais e assumo a minha decisão", argumentava.

Romário voltou, mas apenas um mês depois de a equipa ter começado a trabalhar. Após uma longa conversa com o treinador Johan Cruyff, Romário acabou por ser multado e reintegrado, mas os companheiros de equipa fizeram questão de lhe dizer que não gostaram do seu atraso e o ambiente no balneário ficou difícil para o brasileiro, que, ao mesmo tempo, viu o seu rendimento em campo baixar drasticamente. Em janeiro de 1995, após muitas trocas de palavras, o presidente Josep Lluis Núñez acabou por ceder e o goleador foi transferido para o Flamengo.

Para a história da passagem de Romário pelo Barcelona fica um episódio contado por Johan Cruyff ao jornal francês L'Équipe, em 2012. "Uma vez, ele veio perguntar-me se podia faltar a dois dias de treinos para voltar ao Brasil. Devia ser carnaval no Rio de Janeiro... Eu respondi: 'Se fizeres dois golos amanhã, dou-te mais dois dias de descanso do que ao resto da equipa.' No dia seguinte, ele marcou o seu segundo golo aos 20 minutos de jogo e imediatamente fez um gesto para mim, pedindo para sair. Dizia-me: 'Treinador, o meu avião sai daqui a menos de uma hora'", contou o holandês.

Ronaldo "Fenómeno" acabou na FIFA

Em 1996, tinha apenas 19 anos quando chegou a Barcelona, clube que pagou 15 milhões de euros ao PSV Eindhoven pela transferência. Ronaldo Nazário, que ficaria conhecido como Fenómeno, teve um impacto fantástico na equipa comandada pelo inglês Bobby Robson, que tinha José Mourinho como treinador adjunto. Foram 47 golos em 49 jogos e inúmeras jogadas brilhantes que ainda hoje são recordadas no Camp Nou.

Só que a passagem de Ronaldo pelo Barça durou apenas uma época... E a culpa foi, de acordo com os agentes do jogador, do eterno presidente blaugrana Josep Lluis Núñez, pois claro. É que a fabulosa época do avançado brasileiro levou as duas partes à mesa das negociações logo em dezembro para acertar um aumento do salário do jogador e um aumento da cláusula de rescisão, que era muito baixa - o equivalente a cerca de 24 milhões de euros -, e, por isso, muito apetecível para AC Milan, Inter Milão e Lazio.

O acordo esteve muito próximo de ser alcançado, mas após uma longa maratona na reunião final, a 26 de maio, eis que os agentes de Ronaldo comunicaram o final das negociações. "Está tudo acabado, levam sete meses a enganar-nos. Núñez mente e continuará a mentir", disseram em comunicado. O presidente blaugrana defendeu-se dizendo que tinha dado "tudo o que tinham pedido".

Menos de um mês depois, numa altura em que Ronaldo se encontrava na Copa América ao serviço da seleção brasileira, eis que o Inter Milão pagou a cláusula de rescisão e levou o Fenómeno para Itália. O caso acabou por ir para a FIFA, porque o Barça exigia que fossem pagos direitos de formação, tendo o caso ficado resolvido em julho de 1997, com o Inter a ser condenado a indemnizar os catalães.

A fuga de Figo para o Real Madrid

Na quinta época no Barcelona, Luís Figo era uma das maiores estrelas da equipa então treinada pelo holandês Louis van Gaal. Mas essa época de 1999-2000 era de eleições no rival Real Madrid, com o candidato Florentino Pérez a prometer uma equipa de estrelas, sendo uma delas o internacional português, garantindo já ter o acordo firmado com José Veiga, na altura o empresário do atleta.

Esse acordo contemplava o pagamento dos 61,7 milhões de euros da cláusula de rescisão, que tornaria Figo o jogador mais caro de sempre. Se o acordo não fosse cumprido, o atleta teria de indemnizar o Real Madrid em 35 milhões de euros.

Em Barcelona, poucos acreditavam nessas notícias, mas a verdade é que Florentino venceu as eleições e a cláusula foi paga. Isto apesar de, dias antes, Figo ter garantido que só jogaria no Barça e que não iria para o rival.

A verdade é que foi e, em 2001, Luís Figo vencia a Bola de Ouro, mas na Catalunha nunca mais lhe perdoaram e até hoje é chamado pesetero por, alegadamente, só ter pensado em dinheiro. Célebre ficou o primeiro jogo no Camp Nou com a camisola do Real Madrid, durante o qual lhe foram atiradas moedas e até uma cabeça de leitão.

Neymar, os milhões do PSG e o litígio em tribunal

A mais recente saída conturbada de uma estrela do Barcelona foi protagonizada por Neymar, que formou com Messi e Luis Suárez um dos tridentes atacantes mais demolidores de sempre.

O processo que conduziu à saída foi uma autêntica novela, com o Paris Saint-Germain a acenar-lhe com um contrato milionário, prometendo pagar a cláusula de rescisão ao Barcelona, no valor de 222 milhões de euros.

O pai e representante de Neymar jogou, na altura, em dois tabuleiros, tendo pedido ao Barcelona que reajustasse o salário do avançado para os 15 milhões de euros anuais, precisamente metade daquilo que eram os números propostos pelo PSG. O presidente do Barça, Josep Maria Bartomeu, recusou de imediato essa pretensão do brasileiro.

Estava aberto o caminho para a maior transferência de sempre do futebol mundial, que foi anunciada a 2 de agosto de 2017. Só que o divórcio acabou por ser doloroso, uma vez que o Barcelona e Neymar entraram com processos em tribunal devido a uma verba total de 64,4 milhões de euros, que o clube tinha ficado de pagar quando as duas partes acertaram, em 2016, a renovação do contrato até 2021.

O Barcelona tinha feito o primeiro pagamento desse montante, no valor de 20,75 milhões de euros, verba que exigia que fosse devolvida por Neymar. Por sua vez, o jogador reclamava o restante do prémio acordado (43,65 milhões de euros). O desfecho deste imbróglio jurídico foi favorável aos catalães, com a justiça espanhola a condenar o brasileiro a devolver aquilo que tinha recebido no ato da renovação de contrato.

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