"Nós não podemos usar de moderações neste processo! Nós vamos ao ponto - e transmito esta opinião - de encostar à parede, ou seja, de fuzilar imediatamente os oficiais que participaram neste ataque.".Embora respeitando a retórica da praxe para comentar erros grosseiros de árbitros de futebol, esta opinião foi transmitida em horário nobre na RTP1, demasiado cedo para o tipo de programas que os albergam. Não se tratou, portanto, de uma proposta para reorganizar revolucionariamente o Conselho de Arbitragem da FPF, mas sim de um excerto da infame Assembleia "Selvagem" de 11 de Março de 1975, cujas gravações foram ouvidas agora pela primeira vez..O documentário de Jacinto Godinho contextualizou a sessão, contou as peripécias da histórica bobine (guardada em segredo por dois dos participantes durante 44 anos), e acompanhou o moroso processo de transcrição, conduzido por Vasco Lourenço nos estúdios da RTP..A reunião durou uma madrugada inteira, mas a gravação revela que as oito horas e meia foram preenchidas menos pela discussão de matérias complexas como a nacionalização da banca e a criação do Conselho da Revolução do que pelas constantes interrupções de militares que gostariam de saber, por obséquio, quando é que podiam matar certas e determinadas pessoas.."Mas o que é que propõe em concreto?" "Fuzilamentos!" "Então, mas... assim? A frio?".O debate nunca chegou a passar do plano teórico, em parte graças à esplêndida intervenção do capitão de engenharia Cabral Silva (adjunto de Costa Gomes), que desarmou o momento mais tenso com um "vamos lá a ter uma certa calma". Mais do que o conteúdo semântico da frase, o tom de voz com que a disse devia ser preservado em Tancos e guardado 24 horas por dia, como parte crucial do nosso arsenal estratégico para resolver problemas. A assembleia serenou a partir daí, e houve apenas tempo para ouvirmos a intrigante pergunta de Costa Neves, dirigida a Varela Gomes: "O senhor está vivo ou morto?".Suspeita-se que "o senhor está vivo ou morto?" será a pergunta mais comum nos próximos tempos em Winterfell, onde as personagens de A Guerra dos Tronos tiveram direito a mais um bucólico episódio de Abril antes do sangrento Outubro que se adivinha no próximo. Como convém em vésperas de batalha, houve estreias sexuais ("podemos estar mortos amanhã, e eu não queria morrer sem..."), e conversas alcoolizadas entre velhos conhecidos à volta de uma lareira ("então cá estamos outra vez, todos juntos"). Numa cerimónia improvisada, Jaime decidiu abolir séculos de precedentes hierárquicos e ordenar Brienne Cavaleira dos Sete Reinos - um ritual especificamente concebido para que a actriz que interpreta Brienne se ajoelhasse à frente da espada e, pela primeira vez na série inteira, não se notasse que é pelo menos meio metro mais alta do que todos os seus co-protagonistas masculinos. O Artista Previamente Conhecido como Bran Stark continua a aperfeiçoar a sua imitação de um hipnotizador de feira, polvilhando cada cena em que participa com non sequiturs, pronunciamentos esotéricos e citações de temporadas anteriores. Tyrion de Lencastre foi o primeiro a perguntar-lhe directamente "afinal qual é a tua história?", e Bran reagiu com o pânico contido de quem mentiu no curriculum vitae e é pela primeira vez confrontado com esse facto. O episódio termina com a chegada aos portões do vasto exército de mortos, prontos a combater o grupo de vivos que passou as últimas horas a beber, em vez de montar um plano de operações coerente..O mesmo não aconteceu em Abril. O telejornal da RTP1 decidiu entrevistar os netos de Otelo Saraiva de Carvalho sobre o plano de operações militares montado pelo avô no dia da revolução. "Foi um plano muito bem montado", explicaram os netos, um dos quais tem 16 anos e se chama, ominosamente, Bruno de Carvalho..À mesma hora, na RTP3, cumpria-se mais uma tradição sazonal: a entrevista a Manuel Alegre. A dada altura, depois de atravessar heroicamente 18 frases consecutivas sem dizer que "x" é um símbolo de "y", o bardo oficioso de Abril abriu os braços num gesto desconsolado: "Eu entretanto... já me esqueci da pergunta." Ana Lourenço pestanejou em verso livre durante alguns segundos antes de o apaziguar com magnanimidade: "Mas ela já está respondida... avancemos... Eu confesso que também já não me lembro da pergunta porque estava a pensar na pergunta seguinte." A pergunta seguinte, tão memorável como a anterior, proporcionou ainda assim ao entrevistado a oportunidade de se referir a alguém como "o meu querido amigo"..Manuel Alegre foi também um dos participantes no programa escolhido pela estação pública para preencher o serão do feriado. Enigmaticamente intitulado Retratos de Abril, o evento, tal como descrito pelo apresentador Júlio Isidro, tencionava "homenagear os fotógrafos e operadores de imagem que fizeram a revolução"..Em conformidade com este nobre objectivo, a primeira hora da noite foi dedicada à obra visual do famoso fotógrafo Zeca Afonso, cujas músicas foram cantadas, entre outros, pelos famosos operadores de câmara Vitorino e Janita Salomé. Alegre, agora na sua capacidade como famoso técnico de iluminação, subiu ao palco para declamar várias palavras sucessivas, muitas delas terminando na mesma combinação de caracteres, um efeito revolucionário conhecido como "rima". Abril de amigo/ Abril de trigo/ Abril comigo/ Abril contigo/ Abril de Luís Figo. No momento mais evocativo do papel dos operadores de imagem na Revolução de Abril, o retratista espanhol Antonio Portanet apareceu a cantar uma composição do seu álbum mais recente, com letra do famoso director de pós-produção gráfica Federico García Lorca.