O Partido Comunista Português tem uma implantação profunda na nossa comunidade. Tem uma forte presença autárquica, domina o movimento sindical e tem um eleitorado estável. Melo Antunes tinha razão quando, logo depois do 25 de Novembro de 1975, e numa altura em que algumas vozes levantavam a hipótese da ilegalização do partido, afirmou que o PCP era imprescindível para a nossa democracia. Talvez as razões para o ter dito não fossem as que mais tarde se verificaram, mas, seja como for, estava certo..No entanto, o PCP não acredita na democracia liberal e tem como objetivo derrubá-la para implementar outro regime. É assim um partido assumidamente antissistema..Tem, no entanto, desde a consolidação da nossa democracia, aceitado as suas regras. Mais, parece razoavelmente claro que uma parte importante dos seus eleitores encontra razões para lhe dar o seu voto sem que esse ato represente uma afirmação de vontade de destruir a forma como a nossa comunidade está organizada. Um eleitorado que não está interessado nas posições do partido, por exemplo, em matéria de política externa nem nos conteúdos ideológicos mas que tão-somente pensa que ele representa bem os seus interesses..Há, assim, uma espécie de paradoxo no papel que o PCP tem desempenhado na nossa democracia. O Partido Comunista, sendo um partido antissistema, ajudou a nossa democracia liberal a consolidar-se e a manter-se. Institucionalizou o protesto. Deu uma solução aos revoltados contra o funcionamento das instituições e enquadrou aqueles que não acreditam no modo como vivemos - quase de certeza até muitos que não acreditam no ideário comunista. E essa realidade está longe de se reduzir às eleições. O PCP nunca consentiu que as manifestações desembocassem em alterações à ordem pública e as ações de luta sindical a CGTP nunca ultrapassaram os limites do razoável. Também não é em vão que os comunistas são vistos pelos outros partidos como duros mas leais e cumpridores negociadores e não é segredo para ninguém que o PS tem tido uma relação, no âmbito dos acordos de governo, bem mais estável com o PCP do que com o Bloco de Esquerda..É, sobretudo, ao PCP que devemos, até este momento, o não aparecimento de movimentos populistas fortes..Há, porém, sinais fortes de que o PCP está a perder a força e com ela parte do papel que tem desempenhado na nossa comunidade. A proximidade ao poder que se deu com a integração na geringonça teria sempre consequências. É verdade que o dilema que se pôs aos comunistas depois das últimas legislativas não era nada fácil de resolver. Por um lado, o partido não podia deixar que Passos Coelho continuasse como primeiro-ministro por duas razões práticas fundamentais: a prometida privatização dos transportes iria pôr em causa um importante bastião da CGTP e a capacidade de o PCP parar o país e as autárquicas estavam próximas e seria difícil explicar aos eleitores comunistas a manutenção da direita no poder quando havia a possibilidade de isso não acontecer..Infelizmente para os comunistas, é nesses dois seus bastiões essenciais que as coisas estão a correr mal..As autárquicas trouxeram resultados preocupantes - pouco importa se a quebra na votação não foi significativa, o facto é que perdeu várias câmaras..No mesmo sentido, a força no movimento sindical tem caído. A recente greve dos motoristas, que aconteceu pouco tempo depois de a CGTP ter negociado um contrato coletivo com essa classe profissional, expôs que a força da central sindical está longe de ser o que era. E convém lembrar que este caso não é isolado, a força do STOP nos professores, a luta dos enfermeiros e dos estivadores não foram enquadradas, longe disso, pela Intersindical..Diga-se a propósito que no caso da atual maior fragilidade da CGTP, o PCP tem responsabilidades claras. Os comunistas desprezaram as outras tendências (o caso dos católicos é exemplar) e tornaram a central uma quase simples extensão do partido..A estes dois fenómenos juntou-se a, digamos, demasiada institucionalização da dimensão de protesto que o partido tinha - e que ainda não perdeu por completo -, que fazer parte da geringonça inevitavelmente lhe deu..O PCP está perante uma encruzilhada e os resultados das próximas legislativas, tanto os seus como os dos outros partidos de esquerda, serão fundamentais para a sua redefinição estratégica. Tanto a possível integração numa nova geringonça como a opção por ficar de fora terá consequências para os comunistas num futuro próximo, bem como para a definição de poder dentro do PCP - que vive, como é evidente, um período de muito debate interno..O que defendem os comunistas está nos antípodas das minhas convicções e estou certo de que se tivessem a maioria dos votos dos portugueses a nossa comunidade perderia valores que são para mim sagrados. Mas o que agora está em causa não é a luta entre a democracia popular - uma ditadura - e a liberal, é a luta pela sobrevivência da nossa democracia como a conhecemos contra outro tipo de ditaduras ou aparentadas. Recorde-se, a título de exemplo, para onde foram os votos do PC francês: diretos para a Frente Nacional..A crise de um partido estruturante do sistema afeta, claro está, todo o sistema. E, sim, a crise do PCP será também uma crise da nossa democracia. Neste momento, em que os movimentos orgânicos e inorgânicos populistas e antissistémicos por essa Europa fora ganham uma dimensão assustadora e exercem mesmo o poder, faz pensar que o que pode substituir o PCP como partido-protesto será pior, muito pior..Moro, o ministro que muitos desejam.Sergio Moro é o indivíduo que passou de juiz para ministro da Justiça pondo na cadeia o mais sério adversário político do governo de que agora faz parte..Não sei se Lula é culpado ou não dos crimes por que foi condenado, mas sei que um processo liderado por alguém que lida com princípios fundamentais da democracia como Sergio Moro não me dá grandes garantias. E se já não tinha dúvidas do pouco conhecimento ou respeito do juiz/ministro pelos princípios básicos do Estado de direito, fiquei completamente esclarecido quando ele declarou culpado de crimes um cidadão que tendo sido já acusado ainda não foi julgado e, claro está, muito menos condenado..O facto de o ter feito num país que não é o seu mostra que também é mal-educado e não conhece os mais básicos ditames diplomáticos, mas isso, neste caso, é o menos. Estamos fundamentalmente perante um justiceiro populista que despreza direitos fundamentais como o da presunção de inocência..Cá em Portugal, felizmente, não manda nada, mas não falta gente que gostava que mandasse..Brincar aos médicos.Ainda há pouco tempo tivemos um problema sério entre a ADSE e alguns grupos privados de saúde, os enfermeiros continuam uma luta que está longe de se esgotar nas questões salariais, as listas de espera no Serviço Nacional de Saúde são um mal tão enraizado que já quase ninguém fala dele, continuamos a ver pessoas doentes a passar semanas em macas nos corredores dos hospitais públicos, mas o grande tema no debate público são as parcerias público-privadas..Estabelecer por lei que uma entidade pública não pode fazer contratos com uma privada para melhor providenciar serviços aos cidadãos é algo de absolutamente incompreensível, é deixar que um qualquer preconceito ideológico se sobreponha ao interesse público..As parcerias púbico-privadas são um contrato como outro qualquer e são, neste momento, um problema insignificante no mar de problemas do Serviço Nacional de Saúde. Podem ser bem ou mal negociadas. Proibi-las é partir do princípio de que aqueles que estão mandatados para exercer o poder em função do povo não são capazes de o fazer de forma adequada..Vá lá, caros políticos, concentrem-se no importante.