Falta de professores: outubro com recorde de aposentações

Este mês vão deixar o Sistema Educativo quase 300 docentes. Setembro já tinha registado números recordes, com cerca de 260 saídas. Escolas em dificuldades para encontrar soluções para os horários que esses docentes libertam.
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É o segundo mês consecutivo com um número recorde de aposentações de docentes. Foram 257, em setembro e, até ao final de outubro, serão 280, contrastando com os meses anteriores, em que a média se encontrava nas 185 saídas. Os dados são públicos e constam da lista mensal da Caixa Geral de Aposentações (CGA). A estes devem ainda somar-se o número de reformados pelo regime da Segurança Social. Um dado que não é público. E à medida que o ano letivo avança, vai-se tornando cada vez mais difícil encontrar professores para assumir os horários libertados.

Segundo Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Escolas Públicas (ANDAEP), são vários os motivos que estão na origem desse problema. "A grande maioria dos professores que se aposentam têm um horário letivo de 14 horas semanais, fruto das reduções legais pelo tempo de serviço prestado e idade do professor.

Ou seja, são horários em que o vencimento para quem vem substituir é baixo [966,38 euros brutos]. Acresce ainda que muitos contratados já têm a sua vida organizada e não se vão despedir dos empregos que, entretanto, tiveram de arranjar, para aceitar um horário nestas condições", explica o responsável.

Recorde-se que os horários abaixo das 16 horas letivas semanais não contabilizam 30 dias de descontos para a Segurança Social, não conferindo, assim, direito ao Subsídio de Desemprego no final do contrato.

Em 2019, num estudo encomendado pelo governo ao Conselho Nacional de Educação (CNE), a problemática das aposentações já estava bem presente e fazia soar os alarmes. "A previsão anual de aposentações por grupo de recrutamento evidencia a possibilidade de a maioria dos grupos considerados perder mais de 50% dos docentes no prazo de 11 anos", referia o documento.

O mesmo estudo alertava para as disciplinas mais afetadas pelas saídas até 2030: Educação Pré-Escolar (73%), Português e Estudos Sociais/História (80%), Português e Francês (67%), Matemática e Ciências Naturais (62%).

No 3.º ciclo do Ensino Básico e Ensino Secundário destacam-se a Educação Tecnológica (96%), Economia e Contabilidade (86%), Filosofia (71%), História (68%) e Geografia (66%). Uma realidade que se confirma pelos horários a concurso em Ofertas de Escola que já foram recusados ou não tiveram candidatos nas Reservas de Recrutamento.

"Há um grupo de horários que estão na plataforma todas as semanas e não são preenchidos. Esta semana andou à volta das 300 ofertas de horários e são muitos os que, sistematicamente, regressam à contratação de escolas, principalmente em Lisboa, Sintra e na Região do Algarve", explica Davide Martins, professor de Matemática e colaborador no blogue ArLindo (um dos mais lidos no setor da Educação).

Contudo, estamos numa fase de "estabilização" no que se refere à falta de professores. À semelhança do ano letivo passado, o boom de necessidades docentes está a abrandar. "Nesta altura, sente-se mais ainda a falta de professores, mas as necessidades atingiram alguma estabilidade. Isto confere ao Ministério da Educação (ME) maior responsabilidade de, no próximo ano, não estarmos a falar de novo na falta de professores. Quando se fala na Educação em Portugal só se fala da falta de professores. O governo tem de resolver isto de uma vez por todas", sublinha Filinto Lima.

Esta fase mais estável é explicada por Davide Martins, mas não é sinónimo de resolução do problema. "Até ao final do ano, vai-se manter uma cadência decrescente, mas vai haver sempre horários em Oferta de Escola e turmas sem professor. Muitos desses horários já foram ocupados e abandonados. A julgar pelos valores do ano passado, a partir de outubro, estabilizou-se. Este ano, já prevendo a falta de professores, o ME autorizou as contratações de escola mais cedo. Durante o mês de setembro, por exemplo, bastava ser recusado uma vez e o que nós estamos a viver neste momento, o ano passado estávamos a viver duas semanas depois", esclarece.

André Pestana, coordenador nacional do Sindicato de Todos os Profissionais da Educação (STOP), alerta que o "problema gravíssimo das aposentações", tem levado "professores a fazer horas extraordinárias para suprir necessidades nas escolas".

"Já tínhamos alertado o ME que pedir horas extraordinárias tinha o efeito perverso de agudizar ainda mais os problemas de saúde da classe. Nomeadamente, de milhares de professores que estão com depressão e burnout", refere.

Para o sindicalista, a solução não passa por "pedir mais horas aos docentes das escolas, mas tornar os horários libertados mais atrativos"". "Os horários incompletos de colegas aposentados e os temporários de docentes com baixa médica não são atrativos, nem competitivos. Os horários de 14 horas de aposentados, deveriam passar a horários completos, até porque há muito trabalho a fazer nas escolas", defende.

Há cada vez mais professores de atestado médico ou baixa médica, reflexo das alterações na Mobilidade por Doença e do "cansaço extremo". Quem o diz é Filinto Lima, sublinhando a dificuldade crescente nas substituições temporárias.

"Sinto os professores muito cansados. Há mais atestados agora do que nos anos anteriores em virtude do burnout. É muito difícil substituir esses docentes, pois os horários são temporários e, por isso, pouco atrativos para os docentes contratados", afirma o presidente da ANDAEP.

As baixas médicas, mais notórias em faixas etárias mais altas, justificam-se, também, com o panorama da classe docente. Os professores com mais de 50 anos representam 45% do total de todos os níveis de educação em Portugal. O relatório Education at a Glance 2021, publicado o ano passado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), referia que os professores portugueses eram dos mais velhos e dos mais mal pagos da OCDE. No Ensino Básico e Secundário, cerca de 35% dos professores têm pelo menos 50 anos de idade em média nos países da OCDE e podem atingir a idade de aposentação na próxima década. Em 2019, 44% dos professores do 1.º e 2 ciclos em Portugal tinham pelo menos 50 anos. No 3.º ciclo a proporção era de 50% e de 44% no Secundário.

Filinto Lima acredita que para fazer face à escassez de professores, deve existir investimento e vontade de "resolver os problemas estruturais do setor". "O Orçamento do Estado esqueceu-se das escolas, do investimento na escola pública e nos recursos humanos há muitos anos. Mais uma vez, a Educação é penalizada pelo Orçamento do Estado. Espero que na discussão na especialidade algo mude e que a Educação seja acarinhada. Há muitos anos que temos feito esse pedido e ainda tenho essa esperança", confessa o responsável.

Foi também o Orçamento do Estado que motivou a greve do próximo dia 2 de novembro. Numa declaração aos jornalistas, Mário Nogueira, secretário-geral da FENPROF esclareceu os motivos fundamentais para a convocação da Greve Nacional dos Professores e Educadores, salientando que "a proposta de Orçamento do Estado para 2023 não tem uma única solução para os problemas que afetam a profissão docente".

O sindicalista lamentou ainda "a recusa do ME em negociar um protocolo que permita fasear a consagração de soluções para a aposentação, contagem do tempo de serviço, combate à precariedade, regularização dos horários de trabalho, aprovação de um regime de avaliação do desempenho que não seja competitivo e se inscreva numa lógica cooperativa e formativa, entre vários aspetos".

A falta de professores nas escolas públicas está a levar a uma saída de muitos docentes do privado. Um fenómeno que está a provocar dificuldades às instituições. "O nosso grande problema não é só a saída dos professores do privado para o público, mas sim a dificuldade de contratar novos. Sempre houve saídas, mas antigamente era mais fácil contratar. A grande questão está nos mais novos. Tipicamente, quem sai do privado sai no início da carreira, A meio da carreira, com bons ordenados no privado, quem vai arriscar voltar para a contratação e esperar ter condições para entrar para o quadro?", explica ao DN, Rodrigo Queiroz e Melo.

O diretor executivo da Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo (AEEP) pede, por isso, que o Ministério da Educação (ME) conceda maior liberdade na contratação de docentes sem profissionalização. "A nossa proposta é que nos deixem contratar mais livremente. Não percebemos a limitação que surge pelo facto de podermos contratar professores sem profissionalização apenas até ao final do ano. Podemos contratar docentes com licenciatura, mas é uma contratação muito precária. O despacho que autorizou essas contratações, tanto no setor público como no privado, tem validade apenas até ao final deste ano letivo. É muito limitado", sublinha.

Para o responsável, essa possibilidade deveria manter-se no setor privado. Rodrigo Queiroz e Melo relembra que há "menos pessoas com habilitação profissional do que as necessidades do Sistema Educativo" e o problema poderia resolver-se "facilmente" se a contratação de diplomados não estivesse limitada. "Se nos deixarem contratar, as escolas privadas têm condições para dar formação pedagógica aos professores. É, portanto, um falso problema", salienta.

Rodrigo Queiroz e Melo acredita que não haveria falta de licenciados interessados numa carreira no ensino se o despacho não fosse uma medida temporária. "Este novo despacho só serve para ir buscar pessoas por um ano. Tentar recrutar talento com essa limitação torna tudo mais difícil", diz. O diretor executivo da AEEP não acredita que se possa "manter esta situação" e afirma que continuará a "lutar para poder contratar".

"Não vemos o despacho como uma solução de recurso. Ganhamos em ter nas escolas profissionais com experiência noutras profissões. Há muitos anos que defendemos que ter licenciados de várias áreas é enriquecer o corpo docente dos colégios", conclui.

O DN contactou largas dezenas de docentes que saíram do setor privado para o público nos últimos dois anos letivos. No leque de explicações para a mudança encontram-se o trabalho suplementar excessivo, a pressão exercida pelos Encarregados de Educação e direções das escolas, a falta de perspetivas de progressão na carreira e o salário inferior. Os docentes apontam a estabilidade, não tendo de procurar escolas a cada ano, como uma das únicas vantagens atuais do trabalho nas escolas privadas.

Augusto Pinho, mudou há dois anos, depois de mais de uma década a trabalhar em colégios privados. É natural de Ovar e está a dar aulas no Algarve. "Num dos colégios estive três anos a recibo verde, mas mesmo depois de efetivar, na prática não era quadro, porque me pagavam uma parte em contrato e outra com recibos. Em 2019, fartei-me e despedi-me", recorda.

O docente encontrou várias realidades diferentes nos colégios onde trabalhou. "Não há uma regra, trabalhei em três privados e eram todos diferentes. Um deles era mesmo muito exigente, era-nos pedido tudo e mais alguma coisa, éramos explorados. Fazíamos muitas horas sem compensação. Cheguei a ser obrigado a trabalhar num feriado, mas também encontrei colégios cumpridores", explica.

O docente refere haver ainda "muitos professores a recibo verde" nas escolas e acredita que, se os colégios não mudarem as condições que oferecem e o volume de trabalho exigido, irão "perder ainda mais professores".

Augusto Pinho trabalha a mais de 600 quilómetros de casa para poder ingressar na carreira no ensino público onde, refere, poderá conseguir "melhores condições de vida". "As condições dos professores não são atrativas, tanto no privado, como no público, mas conseguem ser um pouco melhores no público", sublinha.

Helena Santos, educadora de infância, esteve 16 anos no privado, na Póvoa de Varzim. Está há dois anos no ensino público. Foram vários os fatores que a levaram a querer mudar. "O primeiro foi a progressão na carreira, que no privado não havia. Depois o facto de no privado, como educadores de infância, fazermos a valência de creche e pré e o tempo de serviço da creche não é contabilizado pelo ME. Em 16 anos, 6 não foram validados. E depois tem a ver com a carga de trabalho e pressão dos pais, que os privados nos colocam em cima. No privado, trabalhamos para um cliente e no público para as crianças", frisa.

Helena Santos diz haver "muita gente a sair", reflexo do "abuso nas questões salariais e no trabalho excessivo das escolas privadas".

Ana Lúcia Biléu também procurou uma vida com melhores condições e menos desgastante, depois de 11 anos no privado. "Sou professora do 1.º ciclo e optei por sair para tentar outro tipo de vida, menos desgastante e experimentar outros pontos de vista sobre o ensino", justifica.

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