Os dois portugueses apurados para o maior concurso de Ópera do Mundo
Desde muito pequeno que Luís Gomes tinha uma certeza: queria ser músico. Se era a cantar ou a tocar, isso não importava. Queria ser músico "de qualquer coisa" e ponto final. Tinha uma guitarra de plástico com umas cordas de arame que fazia um barulho desgraçado e cantava Não Sou o Único, dos Xutos & Pontapés. Também gostava de bola e um dia o pai perguntou-lhe: "Afinal queres ser músico ou jogador de futebol?" A resposta foi clara, queria ser músico, cantor. Até que um amigo do pai alertou: "Se o teu filho quer ser cantor, é melhor ter aulas de canto." E foi assim que o tenor, de 31 anos, que já foi residente da Royal Opera House, deu os primeiros passos na música, na MusiMusa, no Montijo. Tinha 11 anos.
Rita Marques é um caso sério de boa disposição. No caso da soprano que esteve um ano no Centre Perfeccionament Plácido Domingo, em Valência, Espanha, a escolha da profissão não foi um dado adquirido desde sempre, apesar de cantar desde os 3 anos. Chegou mesmo a fazer o primeiro ano de Radiologia, ao mesmo tempo que estudava Canto na Escola Superior de Música.
A morar nas Caldas da Rainha, onde nasceu, aproveitava a viagem de autocarro para estudar formação musical quando às quintas-feiras vinha a Lisboa ao Conservatório. Rita, de 28 anos, também gostava de línguas - fala italiano, alemão (idioma de muitas peças operáticas e que Luís também domina), inglês, espanhol. Tantas paixões para uma única pessoa. Venceu a música erudita e agora está feliz com isso. "A música engloba isto tudo, até o que aprendi no curso de Radiologia - a física, a matemática, a literatura, os idiomas... é tão completa!"
O pano vai subir para os dois jovens cantores líricos a partir desta segunda-feira, no Teatro Nacional de São Carlos, que acolhe o Operalia, o grande concurso de ópera criado por Plácido Domingo, que se realiza pela primeira vez em Portugal. Luís e Rita, que apenas se conheciam de vista e seguem online o percurso um do outro, são os únicos portugueses.
Para eles estar entre os 40 finalistas de um concurso de tamanha importância já é o bastante. "É mais a questão de nos mostrarmos num evento do que vencer. A minha grande expectativa é conseguir cantar e dar o meu melhor", diz Rita. Luís sublinha que o Operalia é a maior competição internacional de ópera: "O júri é vasto e tem gente muito importante. Não está nada nas nossas mãos, a não ser fazer o melhor que pudermos e esperar que tudo o que está à nossa volta não perturbe, não interfira."
O Operalia já lançou muitos artistas de renome. Entre os vencedores contam-se Nina Stemme, Joyce DiDonato, Joseph Calleja, Ana María Martínez, Rolando Villazón, Arturo Chacón e Sonya Yoncheva.
A conversa decorre na sexta-feira, três dias antes de se iniciar o concurso, que arranca no dia 27 com a grande final a 2 de setembro. Tenor e soprano admitem que o nervoso miudinho está quase a começar. E ambos têm uma certeza: vencer o concurso, que lhes daria 30 mil dólares de prémio (quase 26 mil euros), não é garantia absoluta para o futuro.
"Há muitas verdades feitas que se dizem no nosso mundo. "Ganhaste o Operalia, tens a carreira feita." Temos de dar continuidade ao trabalho. A voz é um instrumento complicado e está sempre a mudar e temos de aprender com essas mudanças", afirma Luís.
O concurso é também uma forma de levar a ópera junto das massas. Exatamente um dos grandes problemas que identificam na profissão, por a ópera ser erudita e um espetáculo a que só chegam as elites. E não têm dúvidas: é preciso descomplicar. Isso passaria por atribuir mais apoios e patrocínios, mas sobretudo começar por mostrar às crianças que o estilo musical existe - para que cada um possa seguir os seus gostos. "Não se gosta de uma coisa que não se conhece. É preciso fazer saber que a ópera é mais do que uma senhora gorda aos gritos no palco", diz Rita.
O grande problema, estão cientes, é mesmo o desconhecimento. "Quando sabem o que faço dizem-me que só conhecem o Andrea Bocelli e perguntam-me se dá para viver disto", refere a soprano, que defende que a ópera devia ser levada às escolas.
"Quando estava na Royal Opera House havia o School Matinee para crianças e os 2400 lugares estavam completamente cheios. Estavam calados, mas no final dos atos parecia um concerto rock, aplaudiam, gritavam, são um público fantástico", conta Luís Marques.
O preço elevado dos bilhetes é uma das razões para ser identificado como um espetáculo para elites, mas isso não justifica tudo porque, lembram, o futebol também é caro e os estádios estão constantemente cheios.
"Temos de pensar no que vamos ver quando vamos à ópera. O cantor tem de comprar partituras, tem horas de estudo, consultas de otorrino, fisioterapia... Tem de ter sessões de correpetição com maestros, piano. Isto é o trabalho individual e depois há o coletivo - o encenador, o guarda-roupa, cenógrafos, o trabalho do maestro e da orquestra... Até chegar ao primeiro dia de ensaios, tivemos um mês, mês e meio de trabalho diário", explica Rita Marques.
Sem poderem pôr os pés na praia para prevenir qualquer problema com a voz, garantem que, quando não estão envolvidos em espetáculos, fazem uma vida normal. E ouvem de tudo um pouco. Aliás, sempre foi assim, os amigos não torciam o nariz à sua erudição. "Sentiam curiosidade, como eu sentia curiosidade sobre o que eles andavam a ouvir", diz Rita. E Luís acrescenta: "Sempre fui aquele que levava a guitarra para as festas e eles adoravam." É que ainda se aventurou no estudo da guitarra clássica, mas desistiu porque estava obcecado com o tamanho das unhas versus o som do instrumento e não tocava nada. "Na guitarra, as unhas são o nosso arco, andamos o dia inteiro a limar as unhas..."