O líder do Ocidente

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Bem que John Quincy Adams aconselhou o presidente James Monroe a distanciar-se tanto dos assuntos europeus como os jovens Estados Unidos deveriam manter afastadas as potências do Velho Continente dos assuntos americanos. Também George Washington, o pai da independência, e Thomas Jefferson tinham já alertado para os riscos da república americana se imiscuir nos jogos de poder habituais na Europa, mas estamos sempre a falar do primeiro meio século dos Estados Unidos como país independente e do receio de ser ainda a parte mais fraca em caso de confronto - a guerra de 1812-1814 com os britânicos envolveu o incêndio da Casa Branca, o que mostra que os presidentes americanos sabiam de que fragilidade estavam a falar. Diplomata experiente, Quincy Adams era então secretário de Estado (estávamos em 1823) mas em vésperas de ser eleito presidente.

Passado um século, a América deixara de ser uma faixa atlântica de antigas colónias britânicas mais umas vastas pradarias para passar a ser um colosso que se estendia ao Pacífico. A imigração europeia deu-lhe peso demográfico e um pujança industrial que fez os Estados Unidos se tornarem a primeira potência mundial, mesmo que Londres se gabasse de ter ainda um império onde o sol nunca se punha. E a verdade é que por duas vezes, durante os conflitos que convencionámos chamar de guerras mundiais, os americanos vieram até à Europa intrometer-se nos jogos de poder ao ponto de definirem quem seria a potência derrotada, em ambos os casos a Alemanha. E se na Segunda Guerra Mundial, a derrota nazi implicou também um envolvimento soviético decisivo (além do britânico e da França Livre), isso serviu de alerta, dada a força do Exército Vermelho e as ambições de Estaline, para não se repetir o regresso dos marines e o fechamento do outro lado do Atlântico, como acontecera na Primeira Guerra Mundial.

A seguir veio a Guerra Fria, com a América líder assumida do chamado mundo livre. Uma Guerra Fria que o Ocidente venceu, levando à desintegração da União Soviética em 1991 e ao ressurgimento da Rússia, gigante apesar do nascimento das outras 14 ex-repúblicas, com vasto arsenal nuclear, até direito de veto na ONU, mas empobrecida.

Joe Biden conhece bem estas três décadas de pós-Guerra Fria, e os erros estratégicos de lado a lado. Até conhece bem outras décadas mais antigas, pois quando entrou para o senado em 1973 o senhor do Kremlin chamava-se Leonid Brejnev. O atual presidente americano acumulou 36 anos de experiência senatorial, até na comissão dos assuntos exteriores, e depois oito anos como vice de Barack Obama. Ao contrário do antecessor, um Donald Trump inexperiente na política e que acreditava pouco na NATO, Biden nunca ignorou o papel de liderança que o Ocidente espera dos Estados Unidos, e a sua vinda agora à Europa, em plena guerra da Ucrânia, é a constatação disso mesmo. Sem pruridos, Biden lembrou ser o líder internacional mais experiente de todos, mesmo que Vladimir Putin seja desde 1999 ou primeiro-ministro ou presidente da Rússia. Que essa experiência, a sabedoria resultante de tantas décadas de decisão na política internacional, o conduza da forma que é necessária para resolver a atual crise: mostrar à Rússia que há limites, mas sem a encurralar num beco sem saída. Não faltam por aí falcões com metade da idade de Biden (e nem isso da sua memória) que esquecem que a guerra que hoje mata na Ucrânia pode ainda piorar e muito, matando, matando, matando, matando. A ameaça da guerra nuclear existe. Putin sabe-o e Biden igualmente.

Quincy Adams, que chegou a ser próximo do czar Alexandre I nos seus cinco anos na Rússia, pode ser uma inspiração. Quando aconselhou a Monroe a doutrina que viria a ganhar o nome do presidente, também estava a enfrentar, à sua maneira, a vontade russa de comandar a Santa Aliança e através dela afirmar o Império na Europa e mais além. Os recursos de cada um é que eram outros. Os de Biden são hoje imensos.

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