"É benéfico alargar intervalo entre doses até 42 dias"
O coordenador da task force para o Plano de Vacinação contra a Covid-19 voltou ontem a colocar em cima da mesa a questão sobre o prolongamento do prazo para a segunda toma das vacinas. O vice-almirante Henrique Gouveia e Melo disse mesmo aos deputados, durante a sua audição no parlamento, no âmbito da comissão de acompanhamento da resposta à doença, que quanto mais depressa se tomasse esta decisão mais vidas poderiam salvar-se. E este é o objetivo final.
De acordo com o militar, o adiamento da segunda toma para mais uma semana, que é agora o prazo que está a ser discutido, em vez dos 21 dias para a vacina da Pfizer e de 28 dias para a vacina da Moderna - já que o intervalo para a da AstraZeneca vai até às 12 semanas - poderia resultar na vacinação de mais de 200 mil pessoas. Ao DN, dois peritos em vacinação até defendem prazos mais alargados.
O cientista Luís Graça, do Instituto de Medicina Molecular (IMM) João Lobo Antunes, que integra a Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19, defende também a posição que vai no sentido de alargar este prazo. Aliás, e como sublinhou, a comissão já apresentou no início de fevereiro um aumento deste prazo para os 42 dias, mais três semanas do que o que está a ser praticado. Mas, na altura, não foi aceite.
Agora, argumenta, "há mais dados vindos do Reino Unido que provam que a vacina da Pfizer mantém eficácia até aos 42 dias. Portanto, há evidência científica a provar este facto", justificou. O cientista deu como exemplo a vacinação escocesa, em que se cumpriu o intervalo de 42 dias, tendo-se verificado que "a proteção se manteve neste prazo e que até havia benefícios em ter um prazo mais alargado na vacinação".
Luís Graça salientou ainda ser normal a necessidade de ajustes, porque quando as autoridades de saúde, nomeadamente a Agência Europeia de Medicamentos (EMA), aprovaram a vacina fizeram-no tendo em conta os dados alcançados pelos laboratórios até àquela altura, mas os estudos continuam e "o que se está a observar é que há dados adicionais" que não podem ser ignorados.
O Reino Unido e Israel são dois dos países que já alargaram o prazo de intervalo entre as duas doses de vacinas, outros países estão a equacionar seguir-lhes os passos, dado os atrasos nas entregas das doses encomendadas pelos países. Um dos benefícios deste aumento do prazo é precisamente vacinar mais pessoas em tempo de falta de vacinas. "Um aumento de prazo tem o benefício de se poder vacinar um maior número de pessoas das faixas etárias mais vulneráveis", defende Luís Graça.
Aliás, este já era o fundamento usado pela comissão técnica quando propôs o aumento deste intervalo para os 42 dias, no início deste mês.
O perito do IMM sublinhou ao DN que os dados adicionais que estão a chegar à comunidade científica em relação à vacinação não têm só que ver com o alargamento do intervalo das duas tomas, mas também com a eficácia da vacina da AstraZeneca: "Os dados que agora chegam do Reino Unido indicam que esta vacina é muito eficaz para todas as faixas etárias, até para a de mais de 80 anos, o que é um dado muito importante," Na altura da aprovação desta vacina, muitos países aconselharam a que não fosse administrada a maiores de 65 anos, porque nos ensaios clínicos realizados só tinham incluído cerca de 4% de população desta faixa etária. Agora, e com a vacinação na população real, "já se provou que é eficaz para todas as pessoas".
O pneumologista Filipe Froes também é a favor do alargamento do intervalo entre doses, embora sustente que tal só deve acontecer quando validado tecnicamente. "Como perito da Comissão Técnica para a Vacinação Nacional vejo com fundamentação científica a decisão que permite aumentar o intervalo das duas tomas da vacina sem se pôr em causa a eficácia vacinal", afirmou, defendendo até poder ser um prazo maior do que oito dias.
"O aumento deste intervalo tem vantagens, permite vacinar mais pessoas, diminuir o impacto da doença e aumentar a duração da imunidade produzida pela vacina, o que é muito importante. Por vezes, concentramo-nos mais no que é negativo e não no que pode ser uma mais-valia", aponta, fundamentando que "as dúvidas que têm sido referidas, sobre se há ou não uma diminuição da eficácia vacinal, têm vindo a ser dissipadas com os resultados obtidos nos países que continuam a estudar a população, como o Reino Unido". Para este médico, uma decisão neste sentido "vai fazer que maior número de pessoas com mais de 50 anos sejam vacinadas, o que é fundamental para o regresso à normalização, que é o que todos queremos".
O vice-almirante Gouveia e Melo referiu ontem que quanto mais depressa for decidido o aumento do intervalo entre as duas tomas, mais depressa será possível aumentar a população vacinada - até ontem tinham sido administradas 720 717 doses de vacinas. Mas é sabido que Portugal é dos países que está mais atrasado no seu processo de vacinação.
Por isso, o vice-almirante lembrou: "Quanto mais rapidamente atacarmos esta pandemia, melhor. Todas as vacinas são úteis e quantas mais houver disponíveis, melhor", salientando: "Não tenho poder nem faz parte das minhas funções discutir se é ou não a melhor forma de o fazer. O que tenho como missão é, perante as vacinas que chegam ao território nacional, não deixar as vacinas armazenadas a perder oportunidade de salvar vidas.
Essa é a minha grande função." Gouveia e Melo reforçou que o país deve comprar o maior número de vacinas possível, estando prevista a aquisição de 22 milhões de doses, mas uma certeza já há: é a de que a primeira fase de vacinação não estará terminada antes de abril.
Neste momento, só falta o aval da tutela para o prazo entre doses ser alargado. O secretário de Estado da Saúde, António Lacerda Sales, disse nesta semana que o assunto está a ser ponderado.