Nunca recebeu dinheiro de José Sócrates, achava Carlos Santos Silva uma pessoa "abastada e que vivia desafogadamente", um bom amigo que lhe emprestou 150 mil euros para sinalizar a compra de um monte no Alentejo e a contratou para trabalhar numa das suas empresas, relação laboral que lhe valeu cinco mil euros por mês. Está acusada dos crimes de branqueamento de capitais e de falsificação de documentos..Estes são alguns dos temas que deverão ser tema do depoimento que a ex-mulher de José Sócrates vai prestar na tarde desta segunda-feira no Tribunal Central de Instrução Criminal. Sofia Fava será a terceira acusada (dos 28) no processo da Operação Marquês, onde estão em julgamento vários crimes de corrupção passiva e ativa, branqueamento de capitais, falsificação de documentos, fraude fiscal, abuso de confiança, peculato e até posse de arma proibida, num total de 159..Praticamente, desde 2014 que a investigação do processo tem suspeitas sobre eventuais crimes praticados por Sofia Fava, sobretudo depois de analisada a conta bancária de José Sócrates e as sucessivas transferências de dinheiro para a ex-mulher, após esta, através de telefonemas ou mensagens, lhe solicitar dinheiro. Segundo a acusação, também é suspeita de ter beneficiado de parte dos 23 milhões de euros, que o Ministério Público afirma que estariam na posse formal de Santos Silva, mas que na prática pertenceriam a José Sócrates. De acordo com os elementos já recolhidos pela investigação, Sofia Fava chegou a ter viagens e estadas pagas em Paris através de contas ligadas a Carlos Santos Silva - uma despesa total de 43 mil euros..No leque de suspeitas encontra-se ainda a compra de um monte alentejano: o Monte das Margaridas. Para o negócio, Sofia Fava terá recorrido a um crédito bancário, cujas prestações terão sido pagas, segundo a acusação, por José Sócrates e através de um contrato celebrado entre a agora arguida e uma empresa de Carlos Santos Silva. Segundo as contas da investigação, o valor mensal auferido equivalia à prestação do monte no Alentejo. Além disso, também terá pedido à mãe, Maria Clotilde Fava, para comprar cerca de duas centenas de exemplares do livro A Confiança do Mundo, publicado por José Sócrates..De que está acusada?.Sofia Fava está acusada de dois crimes: um de branqueamento de capitais e outro de fraude fiscal. No primeiro caso, a acusação do Ministério Público refere que a antiga mulher de José Sócrates atuou em coautoria com o antigo governante e com Carlos Santos Silva. De acordo com a investigação, terá beneficiado de transferências de dinheiro de José Sócrates não declaradas às autoridades tributárias, tendo ainda recebido dinheiro de Carlos Santos Silva para pagar o Monte das Margaridas, verba essa que lhe foi dada após a simulação de uma relação de trabalho com empresas lideradas por este último, como a XLM - Sociedade de Estudos e Projetos Lda. e a Gigabeira Lda. Esta relação configura para o MP o crime de falsificação de documentos pois esses contratos de prestação de serviço não seriam, diz a equipa liderada pelo procurador Rosário Teixeira, mais do que uma forma de dissimular entregas a Sofia Fava de dinheiro que na realidade pertencia ao ex-governante..O que alega em sua defesa?.Na segunda página das cerca de 30 do pedido de abertura de instrução do processo Marquês, os advogados de Sofia Fava, Paulo Sá e Cunha e Rita Travassos Pimentel, lembram a importância do processo que envolve "vários arguidos que exerceram cargos políticos e de poder, entre os quais se contam figuras públicas de primeira linha da política portuguesa, da banca e do tecido empresarial do nosso país"..Uma introdução que serve para desvalorizar a importância da sua cliente no contexto do processo: "A arguida Sofia Fava é, apenas e tão-só, a ex-mulher da figura central deste processo, ex-primeiro-ministro de Portugal." E garantem que a "arguida ignora em absoluto a obscura teia de relações que, na tese da acusação, existiu entre os vários arguidos, bem assim como a generalidade dos factos que terão desencadeado os factos que constituem o objetivo do presente processo"..Na sua argumentação, os advogados defendem que o juiz Ivo Rosa deve tomar uma de três decisões: anular toda a acusação por falta de fundamentação, não levar Sofia Fava a julgamento ou decidir-se pela suspensão provisória do processo pois a sua cliente não tem antecedentes criminais e colaborou com as autoridades na fase de inquérito. Além disso, o grau de culpa, "a existir, sempre se deveria ter por leve ou mesmo muito diminuto"..Dizem ainda que ao fazer uma acusação "genérica e indistinta" (nos crimes em que está envolvida, Sofia Fava está acusada em coautoria com José Sócrates e Carlos Santos Silva), o MP não especifica os crimes de que cada um é acusado. Por isso consideram a acusação "obscura e ininteligível, seja quanto à fundamentação de facto seja quanto à fundamentação de direito, o que inelutavelmente tolhe o exercício do direito de defesa" de Sofia Fava..Explicam ainda que a separação já tinha ocorrido em 1999 e que Sofia Fava desconhecia eventuais atividades ilícitas do antigo governante e do seu amigo Carlos Santos Silva, além de nunca ter tido conhecimento de um plano dos "dois para ocultar vantagens ilicitamente obtidas" por ambos..Assegura a defesa que a compra do Monte das Margaridas (Montemor-o-Novo, Alentejo) foi uma aquisição efetuada em conjunto com a pessoa com quem Sofia Fava vivia em 2011 e que envolveu um pedido de empréstimo com simulações em vários bancos, garantindo que existem documentos que comprovam esses pedidos - até ter optado pelo Banco Espírito Santo, na altura liderada por Ricardo Salgado, também ele acusado neste processo..Explicam os advogados que quando o casal estava a ultimar o processo de compra da herdade, o proprietário exigiu um pagamento de 150 mil euros como um reforço do sinal e princípio do pagamento. Como não tinham esse dinheiro e Sofia Fava conhecia Carlos Santos Silva - que era uma "pessoa abastada e que vivia desafogadamente" devido à atividade empresarial que desenvolvia -, recorreu à sua ajuda, e que ele "sempre a auxiliou de forma amiga e desinteressada". O financiamento foi aprovado mais tarde, tendo Carlos Santos Silva aceitado ser o fiador do casal dando como garantia um depósito a prazo..Por isso a defesa de Sofia Fava considera que não há nenhuma ação de branqueamento de capitais, como sustenta o Ministério Público..Quanto à falsificação de documentos - alegadamente devido à simulação de uma relação laboral entre a acusada e a empresa XLM, de Carlos Santos Silva - Paulo Sá e Cunha e Rita Travassos Pimentel lembram que Sofia Fava formou-se em Engenharia do Ambiente em 1993 e que foi neste âmbito que foi contratada, no final de 2009..Alegam que prestou vários trabalhos - em países como Argélia, Angola, Mauritânia, Brasil e Venezuela -, apesar de não ter guardado os trabalhos que fez, mas garantem que prestou esses serviços e que não houve nenhuma falsificação de documentos. Neste particular a acusação sustenta que esta simulação serviria para fazer chegar a Sofia Fava dinheiro que na realidade pertencia a José Sócrates..Este é um crime em que, de acordo com a defesa, estão reunidos os pressupostos para a suspensão provisória do processo..A que pena pode ser condenada?.De acordo com o entendimento da acusação, o crime de branqueamento de capitais em que incorre Sofia Fava está previsto nos números 1, 2, e 3 do artigo 368.º do Código Penal. Este refere-se às operações que podem ser feitas para ajudar a dissimular a origem ilícita de dinheiro e tem previsto nas suas várias alíneas penas de prisão no mínimo de dois anos e no máximo de 12..Quanto à acusação de falsificação de documentos, está prevista no artigo 256.º, n.º 1, alíneas a), d) e e) do Código Penal, com pena de prisão até três anos ou uma multa..Quem já foi ouvido pelo juiz Ivo Rosa e o que disse?.Dos 19 arguidos (em 28) que pediram a abertura da fase de instrução, foram ouvidos pelo juiz Ivo Rosa dois: Barbara Vara e Armando Vara. A primeira está acusada de dois crimes de branqueamento de capitais. No depoimento que fez garantiu que nada sabia sobre os movimentos efetuados pelo seu pai numa conta de um banco suíço em seu nome nem sobre a origem desse dinheiro..Já Armando Vara - que está acusado de crimes de branqueamento de capitais (2), corrupção passiva de titular de cargo político (1) e fraude fiscal qualificada (2) - disse ao juiz Ivo Rosa que o milhão de euros referidos pela acusação como sendo uma comissão paga por Vale do Lobo por ter tomado decisões favoráveis a este grupo eram rendimentos provenientes da sua atividade liberal, "como consultor" e que foram auferidos antes de o antigo governante ser nomeado para a administração da CGD. Como já tinha sublinhado na fase de inquérito, Vara defendeu que a filha nada teve a ver com a movimentação do dinheiro depositado na Suíça, e admitiu problemas fiscais. "Ele já assumiu que há um problema fiscal e admite pagar o que tem a pagar em termos de impostos", explicou o advogado..De acordo com o advogado Tiago Rodrigues Bastos, o antigo ministro (entre 1999 e 2000) e administrador da Caixa Geral de Depósitos e Banco Comercial Português, e que agora cumpre em Évora uma pena de cinco anos de prisão devido ao processo Face Oculta, explicou ao juiz Ivo Rosa a origem dos seus rendimentos, nomeadamente o valor de um milhão de euros que foram transferidos para uma conta bancária na Suíça titulada pela filha. E as decisões relacionadas com a concessão de créditos por parte da CGD ao empreendimento de Vale do Lobo - num valor perto dos 30 milhões de euros. .Quem vai ser ouvido a seguir?.A tarde desta segunda-feira foi reservada pelo juiz Ivo Rosa para ouvir Sofia Fava. Amanhã e na quarta-feira deverão prestar depoimentos Tiago Meira, Vítor Tavares, Carlos Miguel Carvalho, Raul Armando Ferreira de Carvalho e Luís Miguel Damas, que surgem no processo como testemunhas indicadas por Sofia Fava. A audição dos dois últimos deverá ocorrer com recurso a videoconferência pois moram fora de Lisboa..Para esta semana, dia 28, estava prevista a presença no Tribunal Central de Instrução Criminal de José Paulo Bernardo Pinto de Sousa, primo de José Sócrates, mas este recuou e notificou o tribunal de que prescinde desta faculdade nesta fase do processo.