Uma nova Grande Depressão? "O excesso de confiança existe de novo"

Economistas acreditam que uma nova crise pode acontecer, mas com dimensão distante da Grande Depressão que se seguiu ao <em>crash</em> bolsista de 24 de outubro de 1929. Risco passou mais para o lado dos investidores. E bancos centrais estão mais atentos
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Foi uma década negra para todo o Ocidente industrializado, que começou nos Estados Unidos, na quinta-feira 24 de outubro de 1929. Num dia, as bolsas americanas afundaram mais de 11%. Num mês, o Dow Jones tinha perdido metade do valor. As causas ainda hoje são debatidas e estudadas, mas há algumas condições identificadas na origem do princípio do fim dos loucos anos 1920 que voltam a verificar-se na atualidade, incluindo um excesso de confiança por parte dos investidores e o crédito a suportar a compra de ações.

"O excesso de confiança existe hoje de novo", alertam os economistas ouvidos pelo DN/Dinheiro Vivo. Nos mercados, vive-se o maior período de ganhos sucessivos de sempre, a prolongar-se pelos últimos dez anos - desde a crise financeira que também ficou marcada por um crash bolsista, em outubro de 2008. No mercado de dívida, títulos de alto risco registam juros negativos. E a rede de segurança oferecida pelos estímulos dos bancos centrais incentiva os investidores a arriscar em busca de rendimento, numa conjuntura de taxas em mínimos históricos.

Mas estamos próximos de um novo crash, de uma nova crise como a de 1929? "A crise que vier pode ser mais inesperada e deverá ter contornos diferentes", acredita João Queiroz, diretor de negociação eletrónica do Banco Carregosa. "Não será nada como a Grande Depressão", acredita também Pedro Lino, economista da Dif Broker e da Optimize, que aponta um horizonte temporal mais distante até haver uma nova derrocada. "Estamos a viver a quinta revolução industrial e o 5G, dentro de um ano ou um ano e meio, vai revolucionar a forma como muitas empresas operam", adianta o economista ao DN/Dinheiro Vivo.

"A verdade é que a maioria dos investidores ainda está a ver o mercado com óculos cor-de-rosa", defende João Queiroz. E isso tem justificação: há uma grande coordenação entre bancos centrais que torna quase imediatamente visíveis as nuvens negras que vão surgindo, ao contrário da tempestade perfeita que só se viu quando desabou sobre os Estados Unidos. "Os bancos centrais hoje estão muito mais atentos e coordenados. Dificilmente não conseguiriam impedir uma nova Grande Depressão."

Filipe Garcia, economista da IMF - Informação de Mercados Financeiros, lembra também que "a euforia à volta da bolsa é hoje quase inexistente" enquanto "os níveis de alavancagem estão longe de valores já observados". E apesar de Wall Street estar a negociar próxima de máximos históricos, o economista aponta que a maioria das ações nos EUA não está em valores recorde. E frisa que na Europa e na Ásia as bolsas não estão nem perto dos seus níveis máximos.

Riscos no horizonte

Apesar de tudo, conforme sublinha João Queiroz, "considerando a valorização do dólar, neste ano a rentabilidade das ações nas bolsas americanas ronda os 26%". O que necessariamente deixa felizes os investidores e melhora os níveis de confiança, apesar do abrandamento económico global e de armadilhas como a guerra comercial EUA vs. China, a recessão alemã ou o Brexit. "Como há grande liquidez no mercado e os bancos centrais dão suporte, a confiança aguenta."

A intervenção dos bancos centrais tem criado uma sensação de segurança forte junto dos investidores e ajudado à valorização de muitas classes de ativos. "A coordenação global cria uma rede de segurança para os investidores e os governos, mas também retira a perceção de risco", avisa Pedro Lino. E Filipe Garcia alerta para o facto de a política monetária ter atingido "patamares de não convencionalidade" que no futuro poderão levar a uma falta de confiança na "viabilidade dos sistemas monetários e da capacidade de a moeda em curso ser uma boa reserva de valor".

Outra preocupação é o facto de existir negociação por algoritmos, o que, numa situação de crise, pode aprofundar a queda das bolsas. Será como confiar na rede de segurança para nos amparar as quedas: quando a rede se fura... "Muitos investidores institucionais tomam hoje decisões de mercado com base em modelos matemáticos e isso dá confiança, tira-lhes receios. Mas situações inesperadas, como a queda de um meteorito, não fazem parte dos modelos matemáticos", exemplifica o especialista do Banco Carregosa.

O facto de haver um abrandamento do crescimento económico causa, ainda assim, alguma preocupação. E outras tendências que espelham os anos que antecederam a Grande Depressão podem ser sinais de alerta: a guerra quase fria entre os EUA e a China, a crescente popularidade de movimentos tanto de esquerda radical quanto de ideais nacionalistas, o crescente sentimento antiglobalização. Pesam ainda do lado das cautelas o Brexit e o facto de haver eleições nos EUA no próximo ano - se os democratas tentam retirar a presidência a Donald Trump, o atual presidente já deixou claro um aviso: caso um democrata vença as presidenciais, o mundo mergulhará numa nova crise como a de 1929.

Nos mercados, a tomada de risco continua. "Investe-se em tudo. As obrigações soberanas gregas, que eram de alto risco há dois ou três anos, estão com juros negativos no curto prazo", exemplifica Pedro Lino. E se os bancos estão hoje mais protegidos pela regulação, os investidores ficaram mais expostos. "Houve uma transferência do risco e a próxima crise vai impactar mais diretamente os investidores". Será talvez por isso que alguns já procuram refúgios: o ouro, típico investimento de quem quer acautelar os seus valores, está a valorizar-se, com um preço que se aproxima dos 1500 dólares a onça.

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