Lições de Timisoara

Quem identifica Timisoara sobretudo como a cidade mártir da revolução romena que em 1989 pôs fim à ditadura de Ceausescu, ficará impressionado com a imponência das suas igrejas e palácios, com a riqueza dos seus museus, com a beleza das suas praças. A arquitetura é aquela que associamos à Europa Central, e tão comum um pouco por toda a Roménia, mas Timisoara historicamente tem um cosmopolitismo que vem da sua refundação no início do século XVIII, quando os Habsburgos a reconquistaram aos otomanos e passaram a dedicar-lhe especial atenção. Aquela que chegou a ser chamada de "pequena Viena" foi a primeira cidade na Europa Continental a ter iluminação nas ruas, e também uma das pioneiras no sistema de transporte público, na época (estamos a falar da segunda metade do século XIX) carruagens coletivas puxadas por cavalos, como o "americano" que em Lisboa Carlos da Maia e João da Ega correm para apanhar no final d"Os Maias.

Ora, neste 2023 Timisoara é Capital Europeia da Cultura. E o seu presidente da câmara, Dominic Fritz, veio fazer a divulgação a Lisboa, sendo recebido nos Paços do Concelho por Carlos Moedas, que confessou a sua atração e carinho pela cidade romena, que um dia, quando o político português era Comissário Europeu da Ciência, decidiu atribuir-lhe um doutoramento Honoris Causa.

Quem conhece a história da Roménia, e a existência de várias comunidades a conviver com a maioria romena, sabe que o atual chefe do Estado, Klaus Iohannis, é oriundo da minoria de língua alemã. Consoante a região onde vivem, esses alemães são chamados de saxões da Transilvânia ou de suábios, mas em grande parte emigraram para a Alemanha desde o fim do comunismo, como aconteceu com Herta Müller, Nobel da Literatura.

Fritz é alemão, mas não um cidadão da Roménia. Não é, pois, um saxão da Transilvânia ou um descendentes desses suábios que os imperadores em Viena enviaram povoar o Banato, a província onde fica Timisoara. Fritz nasceu em 1983 em Lörrach, pequena cidade alemã perto das fronteiras suíça e francesa, e visitou Timisoara pela primeira em 2003, como voluntário numa organização ligada aos jesuítas que ajudava órfãos e crianças de rua. Voltou por várias vezes à cidade, até que comprou lá casa. Na Alemanha chegou a militar nos Verdes e a trabalhar na Agência de Cooperação Internacional. Em 2017, envolve-se na vida política romena, apoiando um movimento anticorrupção, e acaba por ser convidado por partidos europeístas a candidatar-se à câmara da cidade, algo previsto na União Europeia, à qual a Roménia aderiu em 2007. Passa a viver em Timisoara e durante um ano faz uma campanha personalizada, quase casa a casa, explicando quem era e qual o seu projeto. Fala fluentemente romeno e isso terá feita toda a diferença, pois os eleitores deram-lhe nas eleições de 2020 uma maioria de 53% dos votos, penalizando o autarca que estava no cargo, que hesitou entre ignorar Fritz e atacá-lo por ser um estrangeiro.

Hoje a viver na cidade com a mulher e a filha, Fritz contou-me, numa conversa no final da cerimónia nos Paços do Concelho, que "ser alemão na Roménia implica preconceitos positivos, por exemplo de sermos bons organizadores, mas também serve para criticarem quando algo corre menos bem, como na recolha do lixo. Logo dizem: "isto na Alemanha nunca seria assim"".

O grande desafio de Fritz agora é fazer desta Timisoara Capital Europeia da Cultura 2023 um sucesso. Um sucesso não por trazer estrelas internacionais, mas por envolver a comunidade e usar a cultura para reforçar a coesão de uma cidade que foi, e continua a ser, multicultural.

"Acredito firmemente nos valores europeus", disse no discurso em Lisboa o presidente da câmara de Timisoara, enquanto falava para uma audiência onde além de Moedas estava Ioana Bivolaru, embaixadora da Roménia em Portugal. E foi a defender esses valores europeus que Fritz conquistou os romenos. Que grande lição de europeísmo nos dá esta Timisoara. Uma verdadeira capital cultural da Europa. Há que conhecê-la.

Diretor adjunto do Diário de Notícias

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