O rei Pelé faz hoje 80 anos. Tratava Eusébio por "irmão" e é um fã de Ronaldo

Edson Arantes do Nascimento é um dos maiores ícones da história do futebol. Pisou o solo português aos 18 anos para fazer um golo ao Sporting em Alvalade, ganhou uma Taça Intercontinental ao Benfica e no Mundial de 1966 encontrou em Vicente Lucas o seu maior "inimigo".
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Edson Arantes do Nascimento festeja nesta sexta-feira 80 anos. Foi na cidade mineira de Três Corações que nasceu, mas cresceu em Bauru, no estado de São Paulo, onde lhe foi dado nome pelo qual ficou célebre em todo o mundo. Ficou Pelé por causa da má dicção quando dizia o nome do então guarda-redes do Vasco da Gama, Bilé.

Aquele que é considerado por muitos o melhor futebolista de sempre foi um grande amigo de Eusébio, e foi através dele que estabeleceu uma ligação a Portugal, que se acentuou quando, no Mundial de 1966, o seu Brasil foi eliminado pela seleção portuguesa e, no final da partida, foi cumprimentar todos os jogadores da equipa das quinas, em jeito de reconhecimento pela superioridade lusitana. Nesse dia, perdeu a possibilidade de voltar a ser campeão do mundo, mas ganhou uma amizade com Eusébio, que tratava por "irmão". "Ficámos amigos no Mundial de 1966, em Inglaterra", afirmou Pelé no dia da morte do Pantera Negra.

O primeiro contacto com o futebol português foi a 19 de junho de 1957, quando Pelé, ainda com 16 anos, foi escolhido para integrar um misto de jogadores do Santos e do Vasco da Gama para disputar a Taça Morumbi. Defrontou o Belenenses de Matateu e Vicente e marcou três golos na goleada de 6-1. Aqueles eram os seus primeiros golos do rei no mítico Estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro.

Um ano depois sagrava-se campeão do mundo, com apenas 17 anos, na Suécia, e foi já com essa coroa que em junho de 1959 pisou pela primeira vez solo português. O Santos fazia uma digressão pela Europa e passou por Lisboa para defrontar o Sporting.

O Estádio José Alvalade encheu-se para ver o jovem prodígio. Começaram por brilhar os leões, que estiveram a vencer por 2-0 com golos de Morais e Faustino, mas depois de um autogolo de Osvaldinho, o Santos acabou por estabelecer o empate final 2-2 por... Pelé, pois claro. Um momento de magia do menino que rematou de muito longe e bateu o guarda-redes Octávio de Sá, que, rezam as crónicas, não ficou bem na fotografia.

A terceira pincelada de talento frente a equipas portuguesas foi dada em 1961, no Parque dos Príncipes, na final do Torneio de Paris, que marcaria o início de uma ligação entre duas das maiores lendas do futebol mundial. O Santos defrontava o recém-coroado campeão europeu Benfica, num jogo que na altura era uma espécie de tira-teimas sobre qual a melhor equipa do mundo. Na primeira parte, os campeões brasileiros foram demolidores, chegando ao intervalo a vencer por 3-0.

Béla Guttmann, treinador encarnado, resolveu então pôr em campo um jovem de 17 anos que tinha chegado de Moçambique e que dava pelo nome de Eusébio. Em 20 minutos, o Pantera Negra marcou três golos e apresentou-se ao mundo, apesar de o Santos ter vencido por 6-3. No dia seguinte, a manchete do jornal L'Équipe dizia tudo: "Eusébio, 3-Pelé, 2".

1962 seria um ano de várias batalhas entre Pelé e Eusébio, desde logo em maio a seleção nacional fez dois jogos particulares com o Brasil, um em São Paulo, perdido por 2-1, e outro no Rio de Janeiro, no qual Pelé marcou logo no primeiro minuto o único golo da partida. Em setembro e outubro, novo reencontro, agora na disputa da Taça Intercontinental, primeiro em Santos, com Pelé a bisar na vitória por 3-2, e depois na Luz, onde fez três golos na vitória por 5-2.

Antes do célebre jogo do Mundial de 1666, o Brasil de Pelé defrontou por três vezes a seleção nacional, mas só numa ocasião, no Maracanã, conseguiu vencer (4-1) e com um golo do rei. Só que aquela tarde no Goodison Park, em Liverpool, ficou definitivamente marcada na carreira da estrela brasileira, como a sua única derrota num Campeonato do Mundo. António Simões abriu o marcador e Eusébio bisou. Portugal venceu por 3-1 e eliminou os favoritos brasileiros do torneio.

Nesse jogo outro nome ganhou destaque: Vicente, implacável defesa do Belenenses que não deu hipóteses na marcação a Pelé. "O Otto Glória [o selecionador] disse-me: 'Fica de olho nele, se ele for à casa de banho, tu vais com ele.' Eu tentei, ele fugia pela esquerda, pela direita, pelo meio... Um jogador daqueles não se podia marcar, era difícil, um jogador extraordinário que não tinha um lugar certo para jogar. Marquei-o e não me saí mal. Não sei como o fiz, mas fiz. E nós ganhámos por 3-1", disse Vicente Lucas, numa entrevista ao DN, há dois anos. A verdade é que Vicente ficou conhecido como "o homem que secou Pelé", uma distinção que o acompanha para sempre.

A carreira do rei foi quase toda no Santos - só aos 35 anos é que emigrou para os Estados Unidos, onde se tornou uma bandeira do soccer e da liga americana (NASL). Pelé fez parte da equipa do Cosmos de Nova Iorque, que se tornou mítica durante os anos de 1970 e foi ele que telefonou para o português Seninho para o convencer a trocar o FC Porto pela aventura americana. "Recebi um telefonema do Pelé, que me perguntou de que é que eu estava à espera para me mudar para Nova Iorque", revelou Seninho, numa entrevista ao DN, revelando que ao lado do craque brasileiro viveu "uma experiência extraordinária" no Cosmos.

Após pendurar as chuteiras, Pelé nunca se desligou do futebol e manteve sempre uma enorme admiração pelo futebol português. E ainda recentemente assinalou na sua conta de Twitter os cem golos de Cristiano Ronaldo ao serviço da seleção nacional. "Eu pensava que iríamos comemorar cem golos hoje, mas foram 101! Parabéns, Cristiano, por cada passo adiante na sua jornada", escreveu o rei.

Contudo, a admiração por Ronaldo não apagou o reconhecimento em relação ao "irmão" Eusébio. Aliás, em 2016, em declarações ao jornal A Bola, deixava isso bem claro quando questionado sobre quem era melhor, Messi ou Ronaldo. "Não podemos esquecer outro, não podemos esquecer Eusébio. Coloco-o à frente desses dois. Eu joguei com ele e não nos podemos esquecer que, agora, há um futebol diferente, com mais foco na defesa e, como tal, é mais complicado encontrar a qualidade dos fora de série como no meu tempo", argumentou.

Ainda assim, CR7 tem um lugar especial reservado no coração de Pelé, que tem destacado a capacidade de trabalho do português: "O Cristiano Ronaldo é o atleta moderno, que mostra para todos que o sucesso chega sempre para quem é dedicado e ama o que faz."

No dia em que faz 80 anos, o rei Pelé continua a ser uma das figuras mais icónicas da história do futebol. Idolatrado no Brasil e reconhecido em Portugal, país ao qual ficou ligado pela língua mas também pela amizade com o "irmão" Eusébio, duas das maiores estrelas das décadas de 1960 e 1970.

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