Educação, pobreza, saúde. Os desafios dos Açores nos próximos anos

Açorianos vão às urnas no próximo domingo para eleger a Assembleia Legislativa e escolher o presidente do governo regional para os próximos quatro anos.
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Os açorianos vão este domingo às urnas para escolher os 57 assentos da Assembleia Legislativa e, por decorrência, o governo para os próximos quatro anos. Que desafios se levantam ao arquipélago na próxima legislatura e para além dela? Eis quatro, entre muitas possíveis: educação, pobreza, saúde e um problema chamado SATA.

Os dados estatísticos não deixam grande margem para dúvidas: os Açores estão muito abaixo da média nacional em praticamente todos os indicadores relativos à educação. A taxa de abandono escolar é mais do dobro da registada a nível nacional - 27% dos jovens dos 18 aos 24 anos estão fora do sistema de ensino sem ter completado o secundário, enquanto no todo nacional essa percentagem é de 11%.

70% da população com 15 ou mais anos não tem o ensino secundário (em todo o país a percentagem é de 58%), e só 11% tem formação superior (20% no país). A taxa de retenção e desistência no secundário é de 20% nos cursos gerais e de 15% nos tecnológicos e profissionais.

Fernando Diogo, professor na Universidade dos Açores e investigador do Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais (CICS.NOVA) não tem dúvidas que "o grande desafio ao desenvolvimento dos Açores é, de longe, a questão da Educação". O sociólogo destaca que os números mostram uma enorme evolução nas últimas décadas - "as atuais gerações de açorianos são as mais qualificadas de sempre" -, mas ainda assim o arquipélago continua muito atrás das médias nacionais. Por isso, é preciso não só investir nos jovens em idade escolar, mas também na formação profissional da população ativa, uma área em que as políticas públicas têm também de entrar, num contexto em que "mais de 95% das empresas açorianas são micro e pequenas empresas, sem capacidade para fazer essa formação".

Dizendo-se otimista com a evolução nesta área - por exemplo, a taxa de abandono escolar "é alta, mas já foi o dobro" - Fernando Diogo sublinha o "papel importante" que o Rendimento Social de Inserção (RSI) tem desempenhado na melhoria dos indicadores de Educação. "Tem um papel muito positivo na escolaridade", diz o professor da Universidade dos Açores, acrescentando que esse efeito se estende a outras áreas, como a vacinação das crianças ou as consultas de intervenção precoce.

A atribuição do RSI é outro indicador que dá nota da realidade açoriana, mostrando uma população mais pobre do que a média do país: 10,2%, da população é beneficiária deste apoio, contra os 3% da totalidade do território. Em números absolutos são 20 913 beneficiários, 7,8% do número total de beneficiários no país.

O PIB per capita no arquipélago é de 17 514 euros, contra os 19 827 euros de todo o país

E este é outro ponto destacado por Fernando Diogo: "As pessoas precisam de ter o que comer aqui e agora e acho que esse apoio existe. Mas é preciso quebrar a espinha dorsal da pobreza". Como? Com educação. E com educação para a Saúde: "Não é com mais hospitais, mais médicos ou mais enfermeiros, é com educação para a saúde", defende o sociólogo, lembrando que a esperança de vida ao nascer dos açorianos é a mais baixa do país: 77,9 anos, contra 80,8 anos no conjunto do território.

Luís Andrade, professor de Ciência Política da Universidade dos Açores, também destaca o esforço que tem sido feito na área da educação, sublinhando que este é um problema que perdurará ainda no tempo, dado que demora gerações a ultrapassar. O mesmo é válido para a pobreza: são "problemas estruturais" que levam tempo a resolver. Num plano mais imediato, o professor catedrático destaca a relação dos Açores com o mar e defende que esta deve ser uma prioridade para os responsáveis políticos do arquipélago: "A investigação científica relacionada com o mar e a atmosfera é um desígnio muito importante para os Açores".

Elias Pereira, advogado que presidiu ao Conselho Regional da Ordem aponta também e educação como um "problema estrutural" e a saúde como "um problema conjuntural" - "O sistema regional de saúde é muito precário, disperso por nove ilhas, com alguns centros de saúde, em algumas ilhas, que não têm condições mínimas se os Açores forem atacados por um surto da pandemia com alguma intensidade. Há carências graves para atacar a pandemia".

Já a educação é "diferente", é um "problema de cinco séculos" e Elias Pereira não tem uma visão otimista sobre o futuro: "A médio/longo prazo vamos continuar a ter problemas ao nível de um ensino mínimo à população. Isto tem consequências gravíssimas a diversos níveis. Se boa parte da população não tem habilitações mínimas para poder trabalhar isso tem custos económicos e sociais muito graves".

Elias Pereira, também membro do Conselho Superior da Magistratura, salta desta para outra questão. "A consciência cívica é muito baixa e isso leva a uma abstenção brutal, que talvez ainda tenha um acréscimo com a desculpa da covid. Esta abstenção significa que há um alheamento total da causa pública, em certa medida compreensível, sobretudo da parte dos mais jovens, que não têm motivação para votar". Porquê? "O regime é muito pouco inclusivo, há questões complexas com a inclusão dos jovens e isso leva à desmotivação total na hora de votar. E isto permite que com 40/43 mil votos se consiga uma maioria absoluta". Deixando pouca margem de atuação aos partidos que ficam na oposição: "As oposições, sejam de esquerda ou de direita, têm grande dificuldade em afirmar-se, não têm espaço. Isto às vezes faz lembrar uma pequena câmara municipal, como há várias aqui nos Açores, em que controlando seis ou sete famílias e três ou quatro empresas importantes têm as eleições ganhas".

Nas últimas eleições regionais, em 2016, a abstenção atingiu os 59%, o valor mais alto de sempre.

Como não poderia deixar de ser também os Açores se ressentem das consequências da pandemia, particularmente num contexto em que o turismo tem vindo a ganhar um peso crescente na economia do arquipélago. Um contexto que veio também acentuar as dificuldades da SATA, a transportadora aérea açoriana. Fernando Diogo diz que é um daqueles assuntos que é "um desafio diário" para o arquipélago. "É um problema que deixa qualquer pessoa apreensiva. Os prejuízos que a SATA está a ter são astronómicos, a empresa está em muito maus lençóis, tem que ser repensada de cima a baixo."

As duas transportadoras aéreas do grupo SATA fecharam o primeiro semestre com prejuízos de cerca de 42 milhões de euros. A Azores Airlines (que opera de e para fora do arquipélago) teve prejuízos de 34,5 milhões de euros entre janeiro e junho, enquanto a SATA Air Açores, que assegura os voos interilhas, teve perdas de 7,6 milhões de euros.

"Penso que a culpa tem de ser partilhada pelas elites locais, porque não há político ou membro das elites locais que não reivindique mais uma rota da SATA mais um horário da SATA. Há muito tempo que a situação é insustentável e isso tem muito a ver com a pressão política para a SATA se desmultiplicar em rotas que não são rentáveis. E chegou a um ponto em que está para além de tudo o que é razoável", refere o professor universitário, que se mostra contrário a uma privatização: "Não me parece que haja qualquer viabilidade, nem agora nem nunca, num processo de privatização da SATA. Temos que assumir que há determinadas atividades que são melhor realizadas pelo Estado". E "obviamente os Açores precisam da SATA porque isto da insularidade não é uma invenção para se encontrarem fundos europeus, é uma realidade incontornável que afeta a vida das pessoas todos os dias".

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