Os Jogos de Tóquio não são um jogo da Nintendo

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Shinzo Abe, vestido de Super Mario, heróis dos jogos de vídeo da japonesa Nintendo, foi uma improvável estrela dos Jogos Olímpicos 2016. No Rio de Janeiro, na passagem de testemunho para Tóquio 2020, o primeiro-ministro enviava ao mundo a mensagem clara de que pretendia que 2020 fosse uma celebração da pujança económica reencontrada do Japão. Uma versão no século XXI dos Jogos de 1964, igualmente realizados em Tóquio, que serviram para exibir o Japão do milagre económico, renascido das cinzas da Segunda Guerra Mundial.

Abe cedeu o cargo a Yoshihide Suga em setembro do ano passado, já depois de a pandemia ter forçado ao adiamento do maior de todos os eventos desportivos, criação do francês Pierre de Coubertin em 1896 inspirando-se nos jogos atléticos da Antiga Grécia. Desde então, e sempre com um sucesso global crescente, só as duas guerras mundiais foram impeditivas da realização da competição. A Suga coube pois lidar com um país, tal como todos os outros, a braços com uma doença com um efeito, pelo menos em termos desportivos, comparável aos dos conflitos de 1914-1918 e 1939-1945. O simples adiamento de 2020 para 2021 mostrou até que ponto a covid-19 veio impactar o mundo em que vivemos, ao ponto de tornar impossível mesmo o clima de festa que marcou, por exemplo, os anteriores Jogos Olímpicos, Pequim 2008, Londres 2012 e Rio 2016.

Antigo chefe de gabinete de Abe, Suga foi um herdeiro óbvio e desde o primeiro momento foi apresentado como um continuador das políticas do mais duradouro dos primeiros-ministros japoneses do pós-1945. Mas o Japão (e o mundo) afetado pela covid-19 mudou de uma maneira inesperada, com a globalização abalada tanto ao nível da economia como da circulação de pessoas. Raros têm sido os governos que têm recebido aplausos pelas medidas tomadas contra a pandemia e se o Japão começou por combater bem a doença (com mais de 120 milhões de habitantes teve menos mortes do que Portugal), já a vacinação decorre a um ritmo insuficiente, com apenas um terço da população a ter recebido até agora as duas doses da vacina, ou seja uma situação muito pior do que na União Europeia e nos Estados Unidos.

Perante tudo isto, Suga foi corajoso em organizar agora os Jogos, até contrariando boa parte da opinião pública japonesa. Mas a decisão final em teoria seria sempre do Comité Olímpico Internacional e esse manteve-se firme na necessidade de seguir em frente. Para o primeiro-ministro japonês resta agora confiar na capacidade de organização do país, com excelentes provas dadas na eficácia da tecnologia, outra área de excelência, e na disciplina dos participantes, essa sim uma incógnita - dado estarem presentes mais de 11 mil atletas de 200 nacionalidades.

Há cinco anos, com 41 medalhas no Rio, o Japão brilhou entre as nações mais vitoriosas. Desta vez, não será o medalheiro olímpico a dizer se o país teve sucesso, mas sim o bom desenrolar das competições e o controlo da pandemia. Não se trata de um jogo da Nintendo (mesmo que as paixões despertadas até se assemelhem) sem consequências no mundo real. Resta torcer pelo êxito japonês e, não esquecer, pelo dos nossos atletas olímpicos também.

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