Da caçada de elefantes ao "presente" de 65 milhões à amante. Os escândalos de Juan Carlos
"Equivoquei-me e não voltará a acontecer", prometeu, ainda debilitado, o rei Juan Carlos à saída do hospital depois de ter fraturado a anca num safari ao Botswana, desculpando-se a todos os espanhóis. Não o fez e, pode dizer-se, há um antes e um depois daquele 13 de abril de 2012.
Naquele dia, Juan Carlos teve de ser transferido do Botswana para Madrid com uma fratura na anca. Tinha 74 anos e embora já não fosse o jovem cheio de vitalidade que cresceu, exilado, no Estoril, nem o rei atleta que passava o verão em regatas, tornou-se mais clara a sua fragilidade física e do seu comportamento. Juan Carlos foi criticado por caçar uma espécie em perigo e, sobretudo, por fazer uma viagem de luxo quando os espanhóis conheciam todos os dias novas medidas de austeridade. Pela primeira vez, surgiu a pergunta: deveria abdicar a favor do filho, Felipe?
Dias depois, o jornal El Mundo revela que o anfitrião da viagem tinha sido Mohamed Eyad Kayali, braço direito do príncipe Salman bin Abdulaziz Al Saud, que tinha representado as empresas espanholas nas negociações para a construção do chamado AVE do Deserto, o comboio de alta velocidade entre Meca e Medina, um negócio de quase 7 biliões de euros.
Naquela caçada participa uma mulher pouco conhecida que se vem a revelar muito importante e que não voltará a deixar as páginas dos jornais: Corinna zu Sayn-Wittengstein,, amiga íntima do rei.
Fazia parte do seu círculo de amizades desde que se conheceram em 2004, em outra caçada, com amigos comuns e, dizia, trabalhava para o rei e para o estado espanhol. Terá sido ela quem organizou a viagem de núpcias de Felipe e Letizia em 2004. Segundo a própria, em entrevista à Vanity Fair, dedicava-se "a trabalhar as relações a longo prazo entre instituições, instituições governamentais e grandes empresas", como descreveu na primeira pessoa em entrevista à revista Vanity Fair.
Não foram apenas os espanhóis que criticaram o rei. A própria rainha Sofia tomou uma discreta mas clara posição pública. Estava na Grécia com a família a celebrar a Páscoa ortodoxa e só regressou a Espanha quatro dias depois do sucedido.
Menos de um ano depois volta a ser notícia. O El Mundo revela que o então rei tem uma conta na Suíça onde guarda os milhões herdados do pai, Don Juan de Borbón, que viveu exilado todo o tempo do franquismo e que seria o rei se Franco não tivesse escolhido Juan Carlos.
A filha mais nova do rei é chamada para interrogatório em 2014, é a primeira vez que acontece a um membro da família real em Espanha. Apesar de já viverem fora de Espanha, procurando criar o mínimo de embaraço à Casa Real, a investigação não para e também mancha a boa reputação do rei. O genro, principal implicado no caso, é acusado de corrupção, branqueamento de capitais e falsificação de documentos.
Os casos em que se vê envolvido terminam na abdicação a favor de Felipe VI em junho de 2014. Oficialmente, Após 38 anos de reinado, Juan Carlos diz querer abrir um "novo capítulo de esperança". O filho representa a "estabilidade" de Espanha e da monarquia e tem maturidade necessária para levar a cabo a empreitada, diz. Não era fruto do acaso que, algum tempo antes, o herdeiro tivesse dito que "quando acontecer, estou preparado" num encontro informal com jornalistas.
No primeiro discurso como rei, Felipe diz querer ser um soberano que respeita a lei e contra a corrupção. Ato seguido refere que essa regra é válida para todos os espanhóis, sejam ou não da sua família. Juan Carlos mantém uma agenda oficial e passa a ser o rei emérito. As irmãs deixam de ter uma agenda oficial. São membros da família real, mas não da Casa Real. O fundo que suporta a Casa Real paga-lhe cerca de 200 mil euros anuais.
O caso judicial que envolveu Iñaki Urdangarín conhece o seu desfecho em maio de 2018. Felipe VI afasta-se da irmã (nunca mais foram visto em atos oficiais juntos) e retira-lhe o título nobiliárquico. O ex-duque de Palma é condenado a 5 anos e 10 meses de pena efetiva. Cumpre-os num estabelecimento prisional maioritariamente ocupado por mulheres, nos arredores de Madrid. Atualmente, faz serviço comunitário fora da prisão numa fundação de solidariedade de que é patrona a rainha Sofía.
Ao longo da sua vida, Juan Carlos foi operado 17 vezes, 11 delas desde 2010. Para tratar um tumor benigno, o tendão de Aquiles, três vezes à anca para tratar a anca que fraturou na viagem ao Botswana, para colocar uma prótese na anca esquerda, a uma infeção e a uma hérnia discal e ao joelho direito.
Exatamente cinco anos depois de ter abdicado da coroa, Juan Carlos decide afastar-se da vida pública (2 de junho). "Chegou a hora de virar a página"; justificou o rei emérito, que hoje tem 82 anos, numa carta dirigida ao filho. O que não se lê na missiva são os problemas de saúde cada vez mais evidentes, as acusações de Corinna zu Sayn-Wittengstein sobre possível ocultação de património na Suíça.
Em março, o atual rei, com 52 anos, comunica ao país que não pretende herdar nada do pai, uma tomada de posição que se pode entender como demarcação clara das atividades de Juan Carlos, que também perde o subsídio da Casa Real.
A decisão acontece depois de vir a público que Corinna Larsen teria recebido 65 milhões de euros de Juan Carlos através da Fundação Lucum. Questionada na Suíça, diz que se tratou de uma presente de "gratidão e amor". Mas a história não acaba aqui. Depois de abdicar, Juan Carlos terá pedido de volta o dinheiro. Corinna diz que recusou e que a partir de aí foi alvo de uma campanha para a denegrir junto dos clientes.
A aristocrata alemã terá sido gravada por José Manuel Villarejo, antigo elemento das secretas espanholas, dizendo que foi usada como testa-de-ferro do rei para ocultar património. Interrogada sobre estes factos, recusou responder.
Esta semana tornou-se também público que Corinna contactou a Casa do Rei para pedir ajuda com o seu problema legal. Corinna quis envolver o atual rei ameaçando revelar detalhes à imprensa e às autoridades, como escreveu o El Mundo. E quando o atual rei de Espanha negou a proposta de nomear um negociador secreto para falar com Corinna Larsen, ex-amante do rei emérito Juan Carlos, o escritório londrino de advogados que representa a aristocrata alemã não se conformou e voltou a escrever ao soberano. "Parece que não perceberam a seriedade dos assuntos e o seu impacto na Casa Real" diz uma carta enviada à Casa do Rei. Felipe VI escreve aos advogados de Corinna Larsen dizendo que "nem Sua Majestade o Rei nem a Casa têm conhecimento, participação ou responsabilidade alguma nos alegados acontecimentos que menciona, pelo que carece de justificação lícita o envolvimento neles".