Rei de Espanha renuncia à herança do pai e retira-lhe subsídio

O rei Felipe VI renunciou à herança de seu pai, Juan Carlos, e cancelou a verba que lhe era atribuída, anunciou neste domingo a Casa Real, em reação às suspeitas de corrupção que envolvem o rei emérito.
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O rei Felipe VI, da Espanha, distanciou-se neste domingo dos escândalos que afetam o seu pai, o rei emérito Juan Carlos, retirando-lhe o subsídio da Casa Real espanhola, no valor de quase 200 mil euros anuais, e renunciando à herança pessoal que lhe fosse devida. Com essa decisão sem precedentes, Felipe VI dissocia-se de qualquer negócio que o seu pai possa ter no exterior.

Um gesto simbólico numa altura em que sobem de tom as polémicas e ganham gravidade os escândalos em torno do rei emérito, que em junho de 2014 abdicou a favor do filho, Felipe VI, e que em 2019 se afastou da vida pública.

O anúncio da Casa Real surge na sequência da divulgação pela imprensa de que Juan Carlos terá recebido cem milhões de dólares (90 milhões de euros) de um fundo da Arábia Saudita, depositados numa conta na Suíça em nome da Fundação Lucum, do Panamá, da qual Juan Carlos seria beneficiário, assim como o próprio rei Felipe VI.

Na declaração emitida pela Casa Real espanhola neste domingo, o rei reinante disse que em abril de 2019 deixou claro perante um notário que não aceitaria dinheiro da fundação em questão.

Felipe VI também disse que não sabia absolutamente nada sobre ter sido nomeado como beneficiário também de uma outra fundação, Zagatka, que, segundo a imprensa, pagou milhões de euros a Juan Carlos.

O comunicado da Casa Real lembra que, no seu discurso de proclamação diante das Cortes Gerais em 2014, Felipe VI já enfatizou que "a Coroa deve (...) preservar o seu prestígio e observar uma conduta integral, honesta e transparente". De acordo com esses princípios, acrescenta, o rei quer "tornar conhecido publicamente" que comunicou ao pai a "sua decisão de renunciar à herança que lhe pode corresponder pessoalmente, bem como a qualquer ativo, investimento ou estrutura financeira cuja origem, características ou objetivos podem não estar de acordo com a legalidade ou com os critérios de retidão e integridade que regem a sua atividade institucional e privada e que devem informar a atividade da Coroa ".

Relatórios de pagamentos sauditas

Na última terça-feira, o Parlamento espanhol decidiu não iniciar um inquérito sobre suspeita de lavagem de dinheiro pelo antigo monarca.

O inquérito tinha sido pedido pelo Podemos, depois das notícias no início deste mês de que Juan Carlos recebeu cem milhões de dólares do rei saudita Abdullah através da conta suíça de uma entidade listada no Panamá.

Segundo o jornal suíço Tribune de Genève, em 2008, o entretanto falecido rei Abdullah da Arábia Saudita teria dado cem milhões de dólares a Juan Carlos. O dinheiro teria sido depositado numa conta do banco suíço Mirabaud, em nome da Fundação Lucum, com sede no Panamá e cujo único beneficiário seria o então monarca.

Segundo a investigação suíça, este teria retirado o dinheiro aos poucos, sendo a conta fechada após rebentar o escândalo da viagem de Juan Carlos e Corinna ao Botswana para caçar elefantes, em 2012. A viagem acabou com o rei a ser transportado de urgência até Espanha, após cair e partir a anca.

Foi depois disso que o rei terá transferido, através de outro banco suíço com sede nas Bahamas, 65 milhões de euros para Corinna. Investigada por causa do dinheiro na Suíça, a alegada ex-amante disse que o dinheiro foi um "presente não solicitado do rei". Numa declaração ao El País, o seu advogado indicou: "Em 2012, a nossa cliente recebeu um presente não solicitado do rei emérito, que o descreveu como uma espécie de donativo para ela e para o filho, a quem se tinha apegado. Tinha passado vários anos com problemas de saúde, durante os quais a nossa cliente cuidou dele", acrescentando que tudo está de acordo com a lei.

Há dois anos tinham vindo a público gravações de Corinna a revelar que o monarca tinha contas na Suíça e que ela era usada como testa-de-ferro por ele. Entretanto, a imprensa cor-de-rosa garante que o filho de Corinna poderá ser filho do monarca.

O monarca da transição democrática

O monarca Juan Carlos, hoje com 82 anos, subiu ao trono após a morte do ditador militar Francisco Franco em 1975 e foi amplamente respeitado por ter favorecido a transição para a democracia.

O monarca que Franco tinha escolhido para pôr no trono lançou, após a morte do ditador, as bases para a transição democrática. Juan Carlos conquistou os espanhóis noutro momento, durante a tentativa de golpe de Estado de 23 de fevereiro de 1981, quando, num discurso à nação, vestido com o uniforme militar, defendeu o regresso à Constituição. Durante muitos anos, dizia-se que os espanhóis eram juancarlistas, não monárquicos.

Ao assumir as rédeas da Casa Real, em 2014, Felipe VI teve no entanto de lidar com os estilhaços dos escândalos do pai, ao mesmo tempo que enfrentava a crise política em Espanha - já teve em menos de seis anos de reinado mais consultas com os partidos do que Juan Carlos em 38 anos - e os desejos de independência da Catalunha.

Agora, a decisão incomum de Felipe VI surge como uma tentativa de romper drasticamente qualquer relacionamento da Casa Real com os negócios privados que Juan Carlos possa ter no exterior, e sobre os quais poderá ter de enfrentar uma investigação judicial.

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