Parabéns, Ramos-Horta

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Entrevistei José Ramos-Horta em Díli, em dezembro, e de propósito não fiz perguntas sobre as eleições que se aproximavam. Preferi perguntar ao Nobel da Paz sobre a implantação da língua portuguesa, sobre a reconciliação dos timorenses com a Indonésia, sobre a importância do petróleo para a economia nacional, sobre o papel do pequeno país num Indo-Pacífico em que é crescente a competição entre os Estados Unidos e a China.

Reli agora o que publiquei, nesta semana em que o meu entrevistado foi eleito presidente. Uma vitória folgada, previsível depois de ter quase conseguido 50% na primeira volta. E confio que o mais longínquo dos países lusófonos está bem entregue. Ramos-Horta, filho de um português e de uma timorense, será sempre um defensor dos laços com Portugal e da promoção da língua portuguesa. O Nobel, que já foi primeiro-ministro e até presidente uma primeira vez, não esquece o enorme apoio de Portugal à causa timorense, um apoio da diplomacia mas também da sociedade civil, a começar por um pequeno grupo de jornalistas que nunca deu por definitiva a ocupação pela Indonésia. Entre esses veteranos estão Adelino Gomes e Carlos Albino. Este último, posso testemunhar, recebia na redação do DN, então na Avenida da Liberdade, um Ramos-Horta representante da resistência para saber o que se passava lá longe, e isto bem antes da nobelização ter transformado o timorense numa celebridade e ajudado à promoção da causa da antiga colónia portuguesa. Já agora, e por estarmos em vésperas de mais uma celebração da Revolução dos Cravos, relembro que Carlos Albino foi o jornalista que pôs no ar, na Renascença, o Grândola Vila Morena, senha para que os capitães lançassem o 25 de Abril.

Ramos-Horta, cujo falar pausado mas convicto revela experiência de vida e confirma um historial de pragmatismo, também sabe que uma economia não se faz à custa do petróleo e que uma bênção pode tornar-se uma maldição. Igualmente está consciente de que a Indonésia é um parceiro incontornável e sobretudo tem noção de que, mais do que tomar partido na disputa geopolítica entre Washington e Pequim, com todos os riscos, o sábio é aproveitar o melhor de ambos. "Tentamos ser amigos de todos. Porque quando eles fazem guerra não consultam connosco e depois de se matarem, destruírem e, pelo meio, nos matarem e destruírem também, não consultam connosco para fazer a paz. Portanto, preferimos não participar nesta guerra, que já não é surda, é uma guerra pelo menos verbal, muito acentuada", disse-me no final de 2021.

Timor-Leste é um país jovem e convém olhar para quase tudo nele - como é o caso da língua portuguesa - mais na perspetiva de ver o copo meio cheio do que estar logo a imaginá-lo meio vazio. Por exemplo, e apesar de crises políticas pontuais (em 2008, numa primeira experiência presidencial, Ramos chegou a ser baleado por um militar sublevado) e de rivalidades pessoais dentro da elite que conduziu a resistência à Indonésia e construiu o novo Estado, a democracia funciona, o que está longe de ser a regra no Sudeste Asiático.

Francisco Guterres, conhecido pelo nome de guerra de Lú-Olo, é o presidente que está de saída, um antigo guerrilheiro que tem no currículo, além da bravura na luta contra os indonésios, o ter sido quem leu em 2002 a proclamação de independência do país que teve como primeiro presidente Xanana Gusmão e como primeiro chefe do governo Mari Alkatiri, dois nomes que continuam também a pesar nos destinos de Timor-Leste, tal como Taur Matan Ruak, hoje primeiro-ministro. Dia 20 de maio, com festejos que se imaginam de grande amplitude, espera-se que todas estas figuras continuem a mostrar estar à altura das expectativas de quem, mundo fora, mas sobretudo em Timor-Leste e muito em Portugal, tanto desejou o seu sucesso e o do seu país.

Diretor adjunto do Diário de Notícias

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