Cadeias de retalho contra desfasamento de horários. Resultados serão "contraproducentes"

Cadeias de retalho, que empregam 130 mil pessoas, ainda não avançaram para os horários desfasados. Para a associação que representa o setor, a medida decidida pelo Governo está desligada da realidade das empresas.

Nos super e hipermercados, bem como nas cadeias de retalho especializado, estão todos à espera da publicação da lei - já aprovada em Conselho de Ministros - que vai obrigar as empresas ao desfasamento de horários para mitigar os riscos de transmissão da covid-19. "Esta é uma medida que nos preocupa, porque é reveladora do desconhecimento da realidade", afirma Gonçalo Lobo Xavier, diretor-geral da Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED).

"As empresas estão em standby a aguardar a publicação do diploma", adianta o responsável da associação que representa o retalho alimentar e não alimentar e tem como associados o Continente, o Pingo Doce, o Lidl, a Fnac, a Worten ou a Ikea. Mais uma medida que não ajuda o retalho, a juntar à manutenção do limite do número pessoas que podem estar na loja em simultâneo, considera a APED.

"Este desfasamento de horários vai provocar constrangimento na gestão das pessoas e da sua vida familiar, que, no final do dia, são muito mais contraproducentes e vão provocar outro tipo de congestionamentos, esses, sim, lesivos para a saúde pública e indutores de contaminação", diz Gonçalo Lobo Xavier.

O desfasamento de horários nos locais de trabalho foi uma das medidas aprovadas em Conselho de Ministros para mitigar os casos de infeção da pandemia, que têm vindo a aumentar nas últimas semanas. A ministra de Estado e da Presidência, Mariana Vieira da Silva, após a reunião do Conselho de Ministros, sublinhou que o decreto-lei não traz "alterações significativas de horários nem de turnos", uma vez que o desafasamento dos horários previsto é de 30 a 60 minutos.

Mas a associação das cadeias de retalho tem outra opinião. "Os 30 minutos de desfasamento implica uma alteração na vida das empresas que não é fácil de gerir. As pessoas também têm as suas vidas. É uma solução que não vai ao encontro nem das questões de saúde pública nem da eficiência das empresas", alerta Gonçalo Lobo Xavier, diretor-geral da APED, que reúne 163 associados de retalho, com cerca de quatro mil lojas e 130 mil colaboradores. O setor representa 11% do produto interno bruto.

"O diploma ainda não foi publicado, pelo que não conseguimos fazer uma avaliação integral do que foi aprovado. Mas estamos preocupados porque vai obrigar a alterações profundas e que não podem ser utilizadas da mesma forma na mesma empresa em regiões diferentes. Em resumo, para já, levanta-nos muitas dúvidas, incertezas e problemas", diz o diretor-geral da APED. "Em termos genéricos acrescenta rigidez à definição dos horários, o que é bastante negativo para as empresas."

Retalho defende aumento de número de pessoas em loja

Gonçalo Lobo Xavier mostra-se crítico das recentes decisões do Governo para combater a pandemia que, diz, têm impacto negativo no setor do retalho, mas não resolvem a questão do aumento de casos de infeção.

"No caso das empresas de distribuição, o Governo está a lançar um conjunto de iniciativas que têm muito pouca aderência à realidade. Se há medidas que podem ter impacto na Grande Lisboa, no resto do país não fazem qualquer sentido. E querer impor uma medida discricionária a todo o país, quando a realidade do país é toda ela muito diferente, em que o comportamento dos setores é todo ele muito diferente, é um erro estratégico e de gestão", diz o responsável da APED.

A manutenção do limite do número de pessoas em loja (cinco pessoas por cem metros quadrados) foi uma desilusão para o setor. Não é isso que resolve os casos de infeção, argumentam as empresas retalhistas. "Foi um balde de água fria porque vimos no comunicado do Conselho de Ministros o aumento do rácio de cinco para oito pessoas, e, afinal, tinha sido um lapso, não tinha sido aprovado", diz Gonçalo Lobo Xavier.

Aumentar o número de pessoas em loja, reduzindo com isso as filas à porta, seria um contributo mais eficaz para o combate à propagação da pandemia, em vez do desfasamento de horários, defende a APED.

"Vários estudos científicos e especialistas que têm inclusivamente falado nas reuniões no Infarmed, referem que a contaminação tem acontecido, sobretudo, nos transportes públicos, na vida pessoal e nos contactos sociais das pessoas. Não é verdade que as pessoas se contaminem nos locais de trabalho, cada vez mais seguros, ou nas lojas, sejam em centros comerciais ou rua", assegura.

"As pessoas contaminam-se nas filas provocadas por uma decisão incorreta de não aumentar o rácio de pessoas nos espaços comerciais e nas lojas", defende. "É absolutamente lamentável. Estamos na cauda da Europa neste índice. Em Espanha já são dez por cada cem metros quadrados, em França são 50", exemplifica.

Para a APED, seria importante mexer neste limite agora que se aproxima o Natal, época de vendas crucial para o retalho. "Aproximamo-nos dos três meses mais importantes para estas empresas, e se não aumentamos o número de pessoas em loja, vai ser um desastre, muito maior para o retalho especializado, que foi fustigado desde o princípio com esta pandemia, mas também, a seu tempo, para o retalho alimentar", lamenta.

Os indicadores do Instituto Nacional de Estatístcia indicam uma perda do retalho especializado da ordem dos 40%, lembra. "Esperemos que apareçam medidas que deixem as empresas trabalhar um pouco melhor e que lhes permitam mitigar os danos".

Ana Marcela é jornalista no Dinheiro Vivo

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