Durante os últimos anos, foram realizadas "diversas vistorias" à pedreira onde ocorreu o deslizamento de terra que nesta segunda-feira fez ruir parte da antiga EN255, que liga Borba a Vila Viçosa, e do qual resultaram dois mortos e três desaparecidos. A última destas fiscalizações, diz o Ministério do Ambiente e de Transição Energética, foi feita em 2016. Em respostas enviadas por escrito ao DN, o ministério não fornece, no entanto, as conclusões dessa vistoria da Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG), o organismo público que tutela o licenciamento das pedreiras.."Além da DGEG participam nestas vistorias elementos da ACT [Autoridade para as Condições de Trabalho], CCDR [Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional], ARH [hoje Agência Portuguesa do Ambiente] e Câmara Municipal de Borba", diz. O ministério refere a realização de "reuniões ocorridas com os exploradores e respetivos responsáveis técnicos das pedreiras n.º 5145 e 5201 ("Olival Grande São Sebastião", que está ativa e "Carrascal JS", que está em "suspensão de lavra")..É destacada uma reunião em particular, a de 17 de dezembro de 2014, na qual "é referida a necessidade de articulação dos trabalhos de exploração entre pedreiras, bem como de articulação das conclusões dos vários estudos e relatórios elaborados em momentos diferentes pelo Instituto Superior Técnico [IST] e pela Universidade de Évora [UE], sobre a situação de instabilidade e/ou de trabalhos com vista à estabilização dos taludes destas duas pedreiras junto à Estrada Municipal 255"..Afirma o Ministério do Ambiente quem em 2014, a DGEG - Divisão de Pedreiras do Sul "colaborou", com base nos "autos, reuniões e estudos do IST e UE" , "no agendamento e preparação de uma reunião em que participaram também empresários e o presidente da Câmara Municipal Borba onde foi defendido o encerramento da Estrada 255, e foram inclusivamente propostas alternativas de forma a permitir o acesso às empresas e população". Não foi, no entanto, nada feito nos últimos quatro anos. "Não cabe nas atribuições da DGEG executar o que foi proposto nessa reunião", justifica o ministério..Aliás, a tutela "determinou", numa nota divulgada nesta quarta-feira, que, "no prazo de 45 dias, a Inspeção-Geral de Agricultura, do Mar do Ambiente e do Ordenamento do Território - IGAMAOT - proceda a uma inspeção ao licenciamento, exploração, fiscalização e suspensão de operação das pedreiras situadas na zona onde ocorreu o acidente do dia 19 de novembro"..Uma mão-cheia de fiscalizadores mas poucos meios.Entidades fiscalizadoras não faltam, como diz o Ministério do Ambiente e da Transição Energética, tutelado por José de Matos Fernandes, e como também afirma ao DN o engenheiro Carlos Caxaria, presidente do Colégio dos Engenheiros Geológicos e de Minas da Ordem dos Engenheiros, antigo funcionário da DGEG, agora reformado..À DGEG compete a fiscalização técnica, a ASAE - Autoridade para a Segurança Alimentar e Económica ocupa-se da parte administrativa, a Agência Portuguesa do Ambiente ocupa-se da recuperação ambiental e a ACT vigia as condições de trabalho..Mas apesar de serem várias as entidades envolvidas, Carlos Caxina avisa que os meios humanos são escassos. A atual DGEG Sul tutela todas as pedreiras do Alentejo - 130 só nos concelhos de Borba, Estremoz e Vila Viçosa, quase 30 em atividade. Serão dois os técnicos que pertencem a este organismo..Pelo menos meio século de exploração.Embora as licenças de estabelecimento sejam de 1989, respeitando um decreto-lei de 1982, as pedreiras que agora protagonizam as notícias começaram a trabalhar muito antes. "Isto tem um passado e é preciso falar dele", diz Carlos Caxina. Algumas há cem anos, nas contas do especialista. Nos anos 1970 e 1980, a exploração torna-se mais intensa..Antes deste diploma, às pedreiras bastava uma declaração para trabalharem - preencher um requerimento, fazer uma planta e desenhar o que estava em exploração..A legislação dos anos 1980 era mais restritiva, contextualiza Carlos Caxaria, e previa uma zona de defesa - da pedreira à zona não explorada - de 30 metros. Mas, frisa, quando as licenças foram passadas, em 1989, algumas pedreiras já tinham comido essa zona de defesa. "A DGEG exigia planos de lavra e faziam-nos em função do que tinha sido e não em função do que lá estava.".À exploração intensiva, muito forte nos anos 1990, juntava-se o emprego intensivo na região, num setor que vale 300 a 400 milhões, contas de Carlos Caxaria. E há que contar, segundo o engenheiro, com as modas. Há alturas em que se usa mais mármore, outras menos, o que pode levar algumas destas infraestruturas a suspender a lavra..Carlos Caxaria recorda que, ainda na década de 1980, foi notado que a zona de defesa das pedreiras que ladeiam EN255 não respeitava os 30 metros legais. "Construíram-se muros de suporte, por imposição da DGEG, e pequenos ecrãs arbóreos." Mas sempre com a estrada em funcionamento..Hoje, à luz da lei, e muito mudou desde aquele diploma de 1982, como nota Carlos Caxaria, as pedreiras precisam de apresentar planos de lavra a cada três anos. Mais: têm de ter um responsável técnico, engenheiro geológico ou equivalente, à frente da exploração. Ao fim de três anos, há uma vistoria "em que se verifica o que foi atingido a nível de exploração e o que foi recuperado"..Soluções possíveis.Olival Grande São Sebastião é, das duas pedreiras que ladeavam a antiga EN255, a que está ativa. A Carrascal JS está suspensa há pelo menos um ano, obrigada pela legislação a cumprir o PARP - Plano Ambiental e de Recuperação Paisagística..Explicações concretas sobre o que terá provocado a derrocada da estrada ficam para os especialistas e para os resultados do inquérito. Carlos Caxaria diz que "a chuva, que provoca a expansão da argila, a evolução na continuação do desgaste, levou a esta situação". A zona de defesa não existia, mas a escavação continuava metro após metro. "Há pedreiras nesta zona já com 130 metros.".Os alertas sobre o estado da EN255, feita estrada municipal em 2005, não produziram efeito. O mais recente aconteceu em 2014, quando DGEG, Câmara Municipal de Borba e empresários da exploração do mármore se sentaram à mesa e pensaram na construção de duas vias alternativas - uma para a população, outra para servir as pedreiras -, que não avançou.."Nessa altura, havia três soluções: o fecho da tal estrada, uma intervenção de reforço da zona mais perigosa, cortar a estrada ao público mas mantê-la aberta para as empresas de mármore, deixando a responsabilidade para os empresários", nota.."Numa pedreira em atividade suspensa, e perante este cenário, poderia pensar-se numa escombreira, construindo uma talude de proteção ao muro, mas "inutilizaria metade da área da pedreira, e ainda tem lá um grande recurso para aproveitar", diz. Desativada agora, a Carrascal JS pode voltar ao ativo, bastando pedir uma licença e serem aprovados um plano de lavra e um de PARP.."As pedreiras é que se aproximaram da estrada".Nesta quarta-feira, Nuno Gonçalves, dirigente da Federação Portuguesa dos Sindicatos da Construção, Cerâmica e Vidro, disse à Lusa que "em abono da verdade, não é a estrada que se aproxima das pedreiras, as pedreiras é que se aproximaram da estrada".."A realidade que se coloca" é que as pedreiras "é que se aproximaram de uma estrada, não interessa se é nacional, se é municipal, porque os limites" da zona de defesa [até às rodovias, definidos por lei] "foram ultrapassados". E até "podem ser ultrapassados", mas alguém o "autorizou", frisou o sindicalista, "apontando o dedo" às entidades competentes em matéria de licenciamento e fiscalização na área das pedreiras. "A estrada existe há mais anos do que as pedreiras. O que se trata é da exploração da pedra, que foi feita até ao limite e ultrapassando os limites estabelecidos na lei", afiançou o dirigente da FEVICCOM..Polícia Judiciária Científica no terreno.No âmbito do inquérito instaurado pelo Ministério Público para apurar as circunstâncias da tragédia, que levou já a Polícia Judiciária para o terreno em investigações, nesta quarta-feira uma equipa da Polícia Judiciária Científica passou a estar envolvida nas investigações do incidente ao lado de uma equipa composta por inspetores da Unidade Local de Investigação Criminal de Évora.."Estamos numa fase inicial da investigação", referiu fonte policial, ressalvando que o processo está em segredo de justiça.