Só 17 países resistem à China e mantêm relações diplomáticas com Taiwan
Taiwan acaba de ficar ainda mais isolada, com a decisão de El Salvador de cortar relações diplomáticas com a ilha que Pequim reclama como sua. O presidente salvadorenho, Salvador Sánchez Cerén, é o mais recente governante a reconhecer a existência de uma só China, o que faz que apenas 17 países mantenham ainda relações diplomáticas com as autoridades de Taipé.
El Salvador fala numa decisão que trará "grandes benefícios" para o país, enquanto Taiwan, formalmente chamada República da China, avisa que não entrará numa "competição por dinheiro" com o gigante asiático e rival, a República Popular da China.
"Depois de uma avaliação cuidadosa, anuncio que o meu governo tomou a decisão de romper as chamadas relações diplomáticas mantidas até hoje entre a República de El Salvador e Taiwan e estabelecer relações diplomáticas entre a República de El Salvador e a República Popular da China", disse o presidente Salvador Sánchez Céren numa mensagem televisiva, revelando ainda que o chefe da diplomacia, Carlos Alfredo Castañeda, estava em Pequim para o restabelecimento das relações diplomáticas com a China.
"A República de El Salvador une-se a outros 177 países que aprovaram a resolução 2758 da Assembleia Geral da ONU que reconhece a existência de uma só China, que o governo de República Popular da China é o único legítimo representante de toda a China e que Taiwan é parte inalienável do território chinês", acrescentou o presidente salvadorenho, destacando que em causa está a segunda maior economia mundial.
Uma decisão que deixa Taiwan, de 24 milhões de habitantes, mais isolada frente ao gigante asiático de 1379 milhões. Mantém relações diplomáticas com apenas 17 países em todo o mundo - que no total representam cerca de 53 milhões de habitantes.
Entre esses países, seis são ilhas do Pacífico (Kiribati, Ilhas Marshall, Nauru, Palau, Ilhas Salomão e Tuvalu) e quatro nações das Caraíbas (Haiti, São Cristóvão e Nevis, Santa Lúcia e São Vicente e Granadina). Há ainda quatro países da América Central (Belize, Guatemala, Honduras e Nicarágua) e um da América do Sul (Paraguai). Em África, o único bastião é a Suazilândia (ou Reino de Eswatini), enquanto na Europa o Vaticano é o único, mas influente, aliado.
A União Europeia, assim como 47 países, mantêm relações não oficiais a nível governamental com Taiwan. Em Portugal, funciona um Centro Cultural e Económico de Taipé.
A ilha de Taiwan (ou Formosa, como foi batizada pelos navegadores portugueses) esteve pela primeira vez sob controlo chinês após uma vaga de migração chinesa no século XVII, tendo sido cedida aos japoneses após a guerra de 1895. No final da II Guerra Mundial, a então República da China assumiu o controlo da ilha, que se tornaria o refúgio do presidente Chiang Kai-shek e restantes nacionalistas do Kuomintang, derrotados em 1949 pelos comunistas de Mao Tsé-tung. Cerca de dois milhões de militares e altos quadros, mais as famílias, instalaram-se então na ilha.
A República da China nunca renunciou à sua reivindicação de ser o único governo legítimo de toda a China, mas a nível internacional acabaria substituída pela comunista República Popular da China como verdadeira representante do povo chinês (em 1971 nas Nações Unidas). Em 1979, os EUA reconhecem formalmente a República Popular da China, apesar de se comprometerem a defender Taiwan de uma reunificação pela força (o que ainda hoje é válido, com o presidente norte-americano, Donald Trump, a trabalhar para expandir as relações com a ilha).
As relações entre Pequim e Taipé tinham vindo a estreitar-se nos últimos anos, atingindo o ponto alto quando o anterior presidente de Taiwan, Ma Ying-jeou, e o seu homólogo chinês, Xi Jinping, se encontraram em Singapura, em novembro de 2015, na categoria de líderes dos respetivos partidos - o Kuomitang e o Partido Comunista Chinês. Desde que Ma chegara ao poder, em 2008, tinham sido iniciadas ligações aéreas diretas, assinados acordos comerciais e intensificado as relações que começaram a desenvolver-se com Deng Xiaoping.
Mas tudo mudou com o regresso ao poder em Taiwan do nacionalista Partido Democrático Progressista, da presidente Tsai Ing-wen, que se opõe à ideia de uma só China - acordada entre o Partido Comunista Chinês e o Kuomintang no Consenso de 1992, que se opunha à ideia de independência de Taiwan. Uma ideia que veio ganhando mais força após as primeiras eleições presidenciais diretas na ilha, em 1996.
Se até 2016, para não prejudicar o diálogo com Taipé tendo em vista uma eventual reunificação, Pequim optou por pôr um travão na sua ofensiva diplomática, tudo mudou com a eleição de Tsai Ing-wen, pró-independência. A China voltou então a recorrer àquela que é sua principal arma - a economia -, com a promessa de apoio financeiro aos países que optem por cortar relações diplomáticas com a ilha.
Segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros de Taiwan, Joseph Wu, o governo de El Salvador estava a pedir uma "soma astronómica" em ajuda financeira para a construção de um porto que, na opinião de Taipé, deixaria ambos os países endividados. Além disso, Sánchez Céren queria alegadamente dinheiro para financiar a sua campanha, no próximo ano, e já corriam rumores de que os salvadorenhos estavam a considerar estabelecer laços com Pequim em troca de ajuda e investimentos.
O chefe da diplomacia chinesa, Wang Yi, disse, contudo, que a decisão de El Salvador foi tomada "sem condições prévias".
"O governo taiwanês é totalmente contra competir na diplomacia do dólar com a China", disse Wu, indicando que foi feita uma última tentativa de manter as relações diplomáticas durante a visita, na semana passada, de Tsai Ing-wen ao Belize e ao Paraguai (e paragens nos EUA). "Taiwan não vai vergar-se sobre pressão. A pressão só nos torna mais determinados e unidos", disse a presidente, no regresso a casa.
Taiwan não tem capacidade de responder aos pedidos de ajuda financeira na mesma moeda que a China, a segunda maior economia mundial (e a caminho de ser a primeira). Taiwan, apesar de um PIB per capita que era em 2016 o triplo do chinês, os salários são inferiores aos de outras economias asiáticas que apostaram no setor tecnológico - 44% das exportações em 2016 foram de componentes tecnológicos, mas esse mercado enfrenta agora a concorrência de outros países, incluindo da própria China continental. 40% das exportações de Taiwan vão também para o gigante asiático e para Hong Kong, o que deixa o país dependente.
Em 2007, a Costa Rica foi a primeira nação da América Central a transferir o seu apoio para a China - até então, todos os países da região apoiavam Taiwan, numa herança dos tempos da Guerra Fria. Em causa, não só as ajudas generosas que este garantia (entre 2012 e 2017 foram cerca de 50 milhões de dólares em cooperação), como até um interesse reduzido da parte de Pequim na região, mais interessada nas matérias-primas da América do Sul.
Uma década depois da Costa Rica, foi a vez de o Panamá tomar a mesma decisão de renunciar ao apoio taiwanês a favor do chinês. E um ano depois, chega a decisão de El Salvador. Os restantes quatro países da região (Belize, Guatemala, Honduras e Nicarágua) mantêm-se, por enquanto, aliados de Taipé.
A juntar-se aos países centro-americanos, a República Dominicana (Caraíbas) e o Burkina Faso (África) também cortaram relações com Taiwan já neste ano, seguindo os passos de São Tomé e Príncipe, que o fizera no final de 2016.
A pressão chinesa não se aplica apenas a países: neste ano Pequim exigiu que companhias aéreas estrangeiras que voam para Taiwan deixassem de apresentar este território como não sendo chinês, sob pena de deixarem de ter acesso aos aeroportos do país. Assim, algumas companhias norte-americanas optaram por manter só a referência ao aeroporto internacional de Taipé, sem acrescentar Taiwan, enquanto as europeias optaram por colocar "Taiwan, China".
A reunificação com Taiwan é a etapa que falta concluir após o regresso de Hong Kong em 1997 e de Macau em 1999, até então sob controlo britânico e português (respetivamente). Tal como Deng ficou com os méritos de negociar a restituição dos dois territórios do delta do rio das Pérolas, Xi Jinping gostaria de juntar a reunificação com Taiwan ao seu legado.