Como as notícias falsas podem conduzir ao populismo
"As condições para que surja um movimento populista estão reunidas aqui como noutros países", nota Susana Salgado, investigadora do ICS que nos últimos anos, tem trabalhado em projetos académicos sobre o populismo. As notícias falsas já existem. E esse é um passo para o resto, explica Pedro Marques Lopes: "As fake news não produzem o fenómeno, mas visam confirmar preconceitos e enquadrar o debate público." Por isso, haver fotografias falsas de um jantar entre a procuradora-geral e José Sócrates é uma mensagem óbvia, a de que existe "uma conspiração para salvar os políticos", nota. O falso relógio de Catarina Martins acrescenta outra ideia: "Ela não defende nada os pobres, é da elite, os políticos andam a roubar."
Pedro Adão e Silva acredita que "o terreno é fértil", porque há "um sentimento de impotência democrática de que o voto não conta, de que há interesses que dominam o interesse comum". Mas essa é apenas uma das convicções comuns. Há ainda a "frustração" pela ideia de que as gerações seguintes terão vida pior do que as anteriores. "A agenda populista sugere sempre a ideia de reconquistar o controlo, uma nostalgia sobre um passado mirífico", acrescenta. E, por fim, um sentimento de que existe "corrupção generalizada, mas a Itália e o Brasil mostram como a luta contra a corrupção é seletiva e incapaz de regenerar o que quer que seja, acabando por levar ao colapso do sistema democrático."
Susana Salgado clarifica: o discurso populista "manipula a perceção da realidade de forma a enfatizar os polos opostos, a elite e o povo, para forçar uma rutura contra o sistema para promover o apoio a estas ideias". Mas, por muito que as redes sociais ajudem a criar uma base para um discurso populista, falta um protagonista. Para Pedro Marques Lopes, será "alguém contra as elites e as oligarquias, aqui, o discurso da insegurança e da imigração não pega". Nos próximos anos, com os julgamentos de José Sócrates e Ricardo Salgado, o tema vai ser dominante.
Susana Salgado acrescenta que um protagonista deste tipo, como Bolsonaro, ou Trump, "precisa de ter talento para interpretar bem as ansiedades das pessoas e comunicar de uma forma que tenha ressonância". Por enquanto, os partidos portugueses conseguem conter a ameaça. O PCP, com um discurso sobre a soberania, fecha as portas a um projeto nacionalista, da mesma forma que o CDS contém a direita mais extrema e o BE o aparecimento de um partido "basista" como o Podemos, explica Adão e Silva.
Há ainda a "vacina", conclui Adão e Silva. Marcelo Rebelo de Sousa é um "político muito popular, que funciona como uma almofada para nos proteger do populismo". O Presidente "justifica sempre a sua presença mediática como uma vacina". E pode ter esse efeito, o de "alguém muito popular que nos imuniza durante uns tempos. Mas haverá o dia em que estes paliativos não serão suficientes".