Crianças que nascem e vivem na prisão. "É a minha força, a minha companhia"
Francisca nasceu há 13 dias no Estabelecimento Prisional Feminino de Santa Cruz do Bispo. Não devia ter ocorrido ali o parto, mas, como por vezes acontece, de forma inesperada, Liliana, uma das 250 reclusas desta cadeia, iniciou os trabalhos de parto prematuramente durante a madrugada e já não houve tempo para seguir para o hospital. É a mais jovem criança das 12 que atualmente vivem no espaço prisional com as suas mães e que nesta quarta-feira, Dia Internacional dos Direitos da Criança, receberam presentes oferecidos pela Associação Sindical dos Juízes Portugueses.
Os juízes Manuel Soares e Daniela Cardoso levaram presentes e donativos a Santa Cruz do Bispo, enquanto em Tires outras duas juízas, Carla Oliveira e Vânia Magalhães, fizeram o mesmo. A ASJP fez entrega de sacos-oferta disponibilizados pela Chicco Portugal e ainda de donativos monetários às reclusas, que podem ser utilizados nas cantinas e noutros serviços prisionais. Em Santa Cruz do Bispo, foi um dia diferente para as crianças e as reclusas que estão na ala 1, onde ficam as mães. Para os mais novos foi a natural alegria de poder abrir presentes, uma pequena antecipação do Natal. Houve mesmo teatro, com a encenação com fantoches de Os Três Porquinhos por reclusas.
Luísa, com o Cristiano, 9 meses, ao colo conta ao DN que o filho que vive com ela na cela é uma ajuda única: "É a minha força, a minha companhia." Diz que "nasceu aqui". Não foi bem ali, na prisão, mas sim no Hospital Pedro Hispano, em Matosinhos. Luísa queria dizer que foi já no período em que cumpria pena de prisão - 11 anos por tráfico de droga, dos quais já cumpriu seis - que o bebé foi concebido durante uma visita íntima. "Engravidei porque quis. Foi pensado, queria ter mais um filho", diz esta portuense que deixou outros dois filhos em casa com o pai. Já tem saídas precárias e isso permite que a família inteira se reúna e possa conviver livremente em alguns períodos.
Em Santa Cruz do Bispo diz ter boas condições para cuidar do filho. As regras implicam que as reclusas entreguem os filhos na creche às 09.00 e possam recolhê-los às 17.30. "São impecáveis, há muito apoio e os serviços clínicos são muito bons. Sabemos que a criança está bem cuidada." O maior problema é que as celas fecham às 19.00 e as crianças ficam com as mães fechadas só podendo sair às 08.15.
O tráfico de droga foi o crime que levou Carla, 36 anos, à prisão, onde está com a filha de 12 meses. A droga é responsável por pôr a maioria destas mulheres atrás das grades. Tem uma pena de sete anos. "Foi complicado entrar com uma criança na prisão. Fui presa em maio e a menina tinha 12 meses, era muito pequenina", conta. É reincidente. "Já tinha estado detida, por tráfico também. Sabia as consequências", diz, com cara de quem sabe o erro que cometeu. Em Gaia deixou outro filho, mais velho. "Ao fim de semana ela vai a casa, ver a família. É difícil para mim separar-me dela mas, por outro lado, gostava que ela estivesse mais próxima da família. É importante que ela nunca perca os laços, que conviva com o irmão." Entre o trabalho na prisão e outras atividades, Carla diz que as "condições da creche são ótimas". Só lamenta que "as celas sejam um bocado pequeninas, um pouco mais de espaço era bom".
Gisela Rocha é a educadora de infância que há onze anos cuida da crianças do EP de Santa Cruz de Bispo. Explica que há três áreas distintas na creche: até aos 18 meses, até aos 3 e até aos 5 anos. A idade-limite são os 3 anos, mas excecionalmente é permitida presença de crianças até aos 5. Casos como o de Francisca, que nasceu ali, são raros. "As reclusas são acompanhadas aqui e vão também às consultas no Hospital Pedro Hispano. Os partos são sempre no hospital. Quando estão grávidas têm igualmente formação para serem mães e estas crianças são vistas aqui todas as semanas por um pediatra", disse. As reclusas são "mães muito conscientes", assegura Gisela Rocha. "Podia acontecer, mas felizmente nunca temos casos de situações relacionadas com algum mau trato. Tratam bem os filhos."
Hoje são 12 as crianças na creche, mas já ali estiveram 29, um número muito perto da lotação do espaço, 32 crianças. Paula Leão, diretora do EP feminino, afirma que estas crianças conseguem "ter uma vida igual" como se estivessem no exterior. Além das atividades na creche, "vão à piscina, há atividades com escolas. No verão vão à praia. A creche funciona como todas as outras, das 09.00 às 17.30". Neste momento, a criança mais velha tem 4 anos e as mães é que decidem se querem ter os filhos com elas na prisão. Se atingirem o limite de idade, aos 5 anos, regressam à família ou, em último caso, vão para instituições.
Lurdes, 41 anos, tem com ela o Santiago, de 18 semanas, mas espera não passar muito mais tempo presa. Foi condenada por furto a pena suspensa de dois anos. Não cumpriu o regime de prova e agora espera ser libertada quando atingir um ano de prisão. "É um mundo totalmente diferente para estas crianças. Se tivesse uma pena grande para cumprir não queria aqui o meu filho. As crianças precisam de viver no mundo lá fora", diz a mulher, que tem outra filha de 15 anos. A prisão, diz, acaba por ser uma oportunidade "para refletir na vida", nos erros que se cometem.
Manuel Soares, presidente da ASJP, explicou que esta forma de assinalar o Dia Internacional dos Direitos da Criança procura evidenciar que estas crianças, filhas de reclusas, "têm direito ao amor, carinho e solidariedade". "As mães estão reclusas, mas o filhos não estão. É preciso que os filhos tenham condições para receber o amor das mães, mas tenham também condições para viver a sua liberdade dentro do estabelecimento prisional."
Para o juiz desembargador, "estas mães tiveram um tropeção na vida, mas o que interessa é como se vão levantar". Elogiou o trabalho dos técnicos, "que é essencial", e ficou com a "ideia de que há condições próximas do ótimo" para que reclusas e filhos possam conviver de forma saudável.