Fantasma do Orçamento limiano preocupa bancada do PS
O PS entende que o diálogo à volta da proposta de Orçamento do Estado deve ser um diálogo centrado nos nossos parceiros tradicionais, e esses parceiros são o PCP, o BE, o PEV, o PAN e, agora, o Livre. E é com esses partidos que privilegiaremos o diálogo e com eles procuraremos concertar posições." O aviso de Carlos César, presidente do PS, foi feito na quarta-feira desta semana, após uma audiência com o Presidente da República - tendo a delegação socialista integrado também a líder parlamentar, Ana Catarina Mendes, e o secretário-geral adjunto, José Luís Carneiro.
"Creio que seria incompreensível do ponto de vista da opinião dos portugueses e da avaliação dos portugueses que esses partidos procedessem a um chumbo do Orçamento do Estado e lançassem o país na maior das instabilidades, de forma precipitada e sem justificação", disse ainda o presidente socialista.
As afirmações de Carlos César refletem uma preocupação forte que atualmente domina a elite dirigente do partido - e que tem muita expressão no grupo parlamentar. Os socialistas - começando pelo próprio António Costa - querem acima de tudo o Orçamento do Estado do próximo ano (OE 2020) aprovado, seja como for. Mas vão procurar a todo o custo evitar soluções que, na prática, fragilizam mais do que fortalecem. Por exemplo: que o OE 2020 passe com os votos contra dos antigos parceiros da geringonça e, portanto, apenas assente na soma dos votos favoráveis do PS (108 deputados), do PAN (quatro), dos deputados do PSD-Madeira (três) e do Livre (1).
Esta conjugação soma 116 deputados. Ou seja: maioria absoluta dos 230 deputados mas pela margem mínima (apenas um). E, nessa medida, remete para o "pântano" do Orçamento limiano (quando o PS, tendo Guterres como primeiro-ministro, tinha 115 deputados e só conseguia fazer passar o Orçamento de Estado através de um deputado de Ponte de Lima "roubado" ao CDS, Daniel Campelo).
A circunstância, em particular, de neste quadro o PAN e os seus quatro deputados passarem a ter um peso decisivo preocupa setores importantes do partido. O governo já "deu" ao partido de André Silva o aumento do IVA para 23% nos bilhetes dos espetáculos tauromáquicos - e algumas vozes entre os socialistas fizeram-se de imediato ouvir, contestando a decisão.
"Com medidas como esta, o PS faz um favor à extrema-direita", disse, ao Expresso, Manuel Alegre, falando em "ditaduras do gosto". "Trata-se de impor uma ditadura de algum modo e eu sou contra todo o tipo de ditaduras, estou sempre a favor da liberdade. O PS, ao estar do lado do PAN e do BE, não está do lado da cultura e de uma tradição nacional e ibérica", acrescentou ainda. "Cada vez mais o PS está num casulo e foca-se nestas questões em vez de em problemas concretos. Com medidas como esta, o PS faz um favor à extrema-direita."
Ou seja: "É um enorme erro político esta medida." "Cheira-me a queijo limiano e isso deixa um cheiro a pântano. Eu acho que atrás disto está sempre aquela questão fatídica do Orçamento do queijo limiano e isso dá sempre mau resultado para o PS e para o país. Como é possível esquecer tantos concelhos a troco do quê? Do resto da geringonça? Da ditadura do gosto? Eu acho que isso põe em causa a confiança no voto no PS e digo isso com tristeza."
Outro "senador" do partido, João Soares, agora ausente da vida parlamentar (por opção própria), também criticou a cedência do governo do PS ao PAN: "Apoio com firmeza e convicção o nosso governo PS. Há sempre, como é natural em democracia, um ou outro ponto que não me agrada, ou com o qual não estou de acordo, é a vida. Acho, aliás, que o erro cometido em matéria de IVA das touradas está mais do que a tempo de ser emendado. Espero sinceramente que seja", escreveu, no Facebook.
Mesmo dentro da bancada já se ouviram críticas, por exemplo a de Luís Testa - eleito pelo círculo de Portalegre. Os deputados eleitos por círculos onde a tauromaquia é muito popular gera economia (Setúbal, zona norte de Lisboa, Santarém, etc.) também não gostaram - não sendo de esquecer que a líder parlamentar, Ana Catarina Mendes, foi sempre eleita por Setúbal.
Assim, o PS e o governo querem muito o OE 2020 viabilizado pelos partidos que entre 2016 e 2018 aprovaram todos os Orçamentos do Estado apresentados pelo governo de António Costa. Contudo, nem PCP nem Bloco de Esquerda parecem dispostos a facilitar a vida aos socialistas.
É certo que os bloquistas deram um primeiro sinal de predisposição para viabilizar o OE 2020 na generalidade (pelo menos com uma abstenção) ao saudarem positivamente a ideia governamental de se reforçar o orçamento do Serviço Nacional de Saúde em 800 milhões de euros, reivindicando inclusivamente a medida como sua.
Mas depois de o Orçamento ter sido entregue no Parlamento, na segunda-feira à noite, a retórica bloquista tornou-se mais agreste. "Há uma palavra para este Orçamento do Estado. Ele é desilusão. Não desilusão do Bloco de Esquerda (BE), mas desilusão para um país que precisa de um Orçamento do Estado que resolva os problemas que tem", disse Catarina Martins, num primeiro comentário ao diploma governamental.
No entender da líder bloquista, o OE 2020 tenta mesmo "travar as conquistas" obtidas na última legislatura, não podendo por isso ser considerado de "continuidade", como o governo gosta de dizer. "É preciso dizê-lo: o PS fez um Orçamento julgando que tem maioria absoluta e não tem (...). Não é por capricho que dizemos que um Orçamento assim não serve o país, é por necessidade absoluta de responder às pessoas deste país, que é esse o nosso compromisso, é esse o nosso mandato, é essa a nossa responsabilidade. Não está tudo bem. Não podemos ter um Orçamento faz de conta que já foi tudo feito e congela o país." A Mesa do BE reunir-se-á no dia 4 de janeiro para decidir o sentido de voto do partido na generalidade.
Já o PCP nem sequer sinalizou concordância com qualquer medida. Os comunistas, que abertamente não excluem nenhum sentido de voto (favor, contra ou abstenção). Mas parecem, à partida, inclinados para votar contra, o que se deteta quando argumentam que a proposta do OE 2020 vai agora em sentido contrário aos "avanços" conquistados na última legislatura: "Um Orçamento que consolidasse o que está para trás, aquilo que foi alcançado na última legislatura e que apontasse para o futuro um ritmo de avanços na resposta a alguns dos problemas que foram identificados, teria de ter soluções e teria de assumir compromissos que esta proposta do Orçamento claramente não assume", disse o líder parlamentar do PCP, João Oliveira.
Para dar alguns ganhos de causa, o governo terá deixado na proposta de Orçamento do Estado uma folga de cerca de 200 milhões de euros, segundo avançou o Jornal de Negócios. Segundo um dirigente do PS, as principais áreas de negociação com os partidos à esquerda serão no campo dos aumentos das pensões e nos aumentos da função pública (BE e PCP contestam duramente que o governo prepare atualizações para 2020 com base na inflação deste ano, ou seja, 0,3%).
Os dados estão lançados. No dia 11 de janeiro a proposta governamental será votada na generalidade.
6 de janeiro - Ministro das Finanças, Mário Centeno, apresenta o OE 2020, na comissão parlamentar de Orçamento e Finanças. À tarde será a vez da ministra do Trabalho, Ana Mendes Godinho.
9 e 10 de janeiro - Discussão na generalidade, do OE 2020, em plenário. Para o dia 10 está marcada a votação na generalidade.
11 de janeiro - Diretas de eleição do presidente do PSD. Há três candidatos: Rui Rio, Luís Montenegro e Miguel Pinto Luz.
25 e 26 de janeiro - XXVIII congresso nacional do CDS-PP, em Aveiro, para eleição de um novo líder.
13 a 27 de janeiro - Ministros ouvidos nas várias comissões sobre as partes do OE 2020 que lhes dizem respeito.
27 de janeiro - Último dia para os partidos apresentarem propostas de alteração ao OE 2020. Geralmente, são às centenas. PS teme coligação negativa entre partidos à sua direita e à sua esquerda para imporem o IVA de 6% na eletricidade.
3 a 6 de fevereiro - Discussão em plenário, na especialidade, dos vários artigos da proposta do OE 2020 e respetivas propostas de alteração. A votação final será no dia 6.
7 a 9 de fevereiro - Realiza-se, em Viana do Castelo, o XXXVIII Congresso do PSD.