Bush-Obama-Trump-Biden

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Vamos ser honestos: o mundo aplaudiu quando os Estados Unidos começaram, em outubro de 2001, a bombardear o Afeganistão depois de os talibãs terem recusado entregar Bin Laden. Vivia-se uma onda de solidariedade com a América, após os 3 mil mortos nas Torres Gémeas e no Pentágono, e merecia apoio global a punição à Al-Qaeda, ao seu líder saudita e ao regime fundamentalista islâmico que os protegia. Foi a guerra de um presidente republicano, George W. Bush, mas foi a guerra também da generalidade da classe política americana, com o próprio Joe Biden, senador democrata, a favor. E foi a guerra de muita gente no mundo que, não se identificando com os interesses militares americanos na Ásia Central ou sequer com o combate ao terrorismo global, gostou de ver punido o regime talibã. Nos sete anos de existência, o movimento tinha acumulado um currículo execrável: meninas impedidas de ir à escola, minorias como os hazaras xiitas massacradas, monumentos pré-islâmicos destruídos.

Eliminar a Al-Qaeda pode ter sido o primeiro objetivo de Bush, mas reconstruir o Afeganistão fez parte também dos planos da sua administração, recheada de neoconservadores que acreditavam que a América tinha de levar a democracia ao mundo islâmico. Com argumentos truncados, o ataque ao Iraque de Saddam em 2003 fez-se nessa perspetiva messiânica. Em ambos os casos, houve dificuldades que os estrategas de Washington não previram: no Afeganistão, o mosaico étnico e as solidariedades regionais antigas permitiram aos talibãs sobreviver até poderem reorganizar-se e aproveitar o vazio criado agora pela retirada militar americana; no Iraque, a marginalização dos árabes sunitas, a comunidade de Saddam, deu recrutas à célula local da Al-Qaeda e depois ao Estado Islâmico, perpetuando o estado de guerra.

Depois de Bush, veio um presidente democrata, esse Barack Obama que ganhou o Nobel da Paz ainda antes de se perceber se ia mesmo pôr fim às guerras herdadas do antecessor. Acabou por manter ambas, com alterações cosméticas no nível de envolvimento americano, mas evitou que a Síria se transformasse na sua guerra. A seguir foi a vez de Donald Trump, que se nas palavras era um belicista, nos atos sempre se mostrou avesso a conflitos. Veja-se como depois de demonizar Kim Jong-un acabou por apertar a mão ao líder norte-coreano. No caso do Afeganistão, Trump recuperou o afegano-americano Zalmay Khalilzad, que foi homem de confiança de Bush na construção do pós-talibãs, para negociar com os estudantes de religião um Afeganistão sem presença de tropas americanas. O seu secretário de Estado, Mike Pompeo, foi fotografado com o mullah Baradar, cofundador dos talibãs e agora potencial líder do novo regime de Cabul. Biden, por seu lado, decidiu não reverter o processo negocial do antecessor, ao contrário do que fez noutras áreas, como o acordo nuclear com o Irão. Mas foi assim fiel à sua convicção, que vinha já do tempo de vice de Obama, de que o Afeganistão tinha de seguir o seu caminho e as tropas americanas voltarem a casa.

O velho Afeganistão dos talibãs era horrível e é muito provável que o novo também o seja. As nuances dependerão do pragmatismo de alguns mullahs, também dos acordos de partilha de poder e muito da pressão internacional. O Afeganistão que existiu nos últimos 20 anos, apesar da guerra permanente, era bem melhor para as mulheres, para as minorias, para a maioria da população em geral. E por isso tantos lamentam e criticam a decisão de Biden. Mas, para o bem e para o mal, a relação entre a América e o Afeganistão nestas duas décadas a contar do dia dos aviões desviados pela Al-Qaeda é uma responsabilidade partilhada por republicanos e democratas, que em todas as ocasiões sempre invocaram a primazia do interesse nacional. A criticar pelo estado atual do Afeganistão, então têm de ser os quatro presidentes.

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