Há uma bazuca de 10 mil milhões para a agricultura. Para onde vai esse dinheiro?
Uma reunião entre a ministra da agricultura e a coligação Cívica Participar no PEPAC (Plano Estratégico para a Política Agrícola Comum -2023-2027)na semana passada, veio acalmar os ânimos. Na semana em que se assinalavam quatro anos sobre os grandes incêndios do Pinhal de Leiria e do interior centro do país, o chamado "grupo dos 9" - que reúne nomes como Catarina Grilo (ANP|WWF) Francisco Cordovil (G9), João José Fernandes (OIKOS),Joaquim Teodósio (SPEA) Luís Chaves (F. Minha Terra) Miguel Viegas (Manifesto) Pedro Horta (ZERO),Susana Carneiro (Centro PINUS) e Vítor Andrade (ANIMAR) - estava pronto a denunciar o incompreensível atraso do Governo na auscultação do setor e elaboração das propostas para o PEPAC. Mas a reunião mudou o clima. Na sexta-feira, um comunicado enviado à imprensa, falava de um "ambiente de diálogo aberto e esclarecedor, que abriu novas possibilidades de cooperação".
Nos últimos meses intensificam-se as críticas ao Governo, a propósito desse atraso que implica a utilização da parcela disponível para 2023-2027 do total de 10 mil milhões de euros de fundos europeus destinados à execução da Política Agrícola Comum (PAC) em Portugal, no Quadro Financeiro Plurianual Comunitário para 2021-2027.
Ricardo Vicente, deputado do Bloco de Esquerda, tem escrito vários artigos de opinião na imprensa a respeito do tema. "Vários estudos comprovam que os concelhos que mais foram atingidos pelos grandes incêndios de 2017 são os que tiveram menos cobertura dos subsídios da Política Agrícola Comum. Isso acontece porque os apoios da PAC dependem de um histórico de produção e nestas regiões a maioria destes agricultores não tem esse histórico", afirma ao DN Ricardo Vicente, deputado do Bloco de Esquerda, que nos últimos anos tem clamado na Assembleia da República contra esse "monopólio". Por diversas vezes já perguntou à ministra da Agricultura "para quando a coragem de acabar com a dependência desse histórico e possibilitar a entrada de todos os outros agricultores".
"É necessário mudar a floresta e travar o abandono. E os agricultores das regiões mais vulneráveis têm de ter acesso aos subsídios da PAC. Ora, havendo esses 10 mil milhões de euros, tem de haver justiça e equidade na distribuição", acrescenta o deputado, eleito precisamente por por Leiria.
"As consultas sobre o PEPAC têm sido muito limitadas, em termos da informação divulgada, da abrangência dos seus destinatários e do acolhimento dos contributos dados", considera a coligação cívica, certa de que, depois da reunião da semana passada, com a ministra Maria do Céu Antunes, "finalmente se abriu também um canal de comunicação com o Governo e a Administração, que propusemos há meses e que agora poderá ajudar a construir um melhor PEPAC". "Os prazos para conclusão da primeira e da segunda fases são curtos. A situação seria outra se o diálogo tivesse sido aberto há meses. Contudo, há que aproveitar esta oportunidade e o tempo restante, sem perder tempo com "águas passadas"", conclui o comunicado.
Já a CAP (Confederação dos Agricultores de Portugal) tem a expetativa de que o Governo "dê corda aos sapatos" e faça o que ainda não fez: as reuniões técnicas com os representantes do setor, tal como disse ao DN o presidente, Oliveira e Sousa. E sublinha a novidade das regras do PEPAC para este ano, que é "arquitetura verde: a conjugação dos instrumentos da política agrícola do lado da produção quer têm de estar condicionados à aplicação, em simultâneo, das regras de proteção do ambiente e dos recursos, nomeadamente o solo e a água".
Quanto à entrada em cena da Coligação Cívica, é perentório: "não reconheço qualquer legitimidade a essa autodenominada plataforma para estar a discutir estes assuntos, porque eles não representam qualquer setor agrícola. É um bocadinho aberrante, quando se trata de pessoas que estão fora, e que agora resolvem achar que deveriam por tudo em causa, quando a PAC tem 50 anos de existência. "
De resto, Oliveira e Sousa recorda que, se não houvesse PAC, "os produtos no supermercado seriam "50 por cento mais caros do que são, para o consumidor, como é o caso do leite, pão, carne, queijos e outros", uma verba que, na verdade, é independente dos orçamentos dos Estados, com exceção de 15%, que se junta ao dinheiro de Bruxelas.
"Recordo que se chegou a acordo político para a nova PAC em junho de 2021, durante a Presidência Portuguesa, após um período negocial que durou três anos. O facto das negociações se terem prolongado fez com que a aplicação da nova PAC fosse adiada por dois anos e, consequentemente, deu muito menos tempo aos Estado-Membros para desenharem os seus planos estratégicos" afirma a ministra da Agricultura ao DN, respondendo a um conjunto de perguntas enviadas por escrito. Maria do Céu Antunes garante que apesar do acordo político ainda não ter sido votado em Plenário do Parlamento Europeu e os textos regulamentares base e de legislação secundária ainda estarem em preparação pela Comissão Europeia, "estamos [o Governo Português] empenhados na elaboração do nosso Plano Estratégico da PAC. Inclusivamente, esta semana vamos percorrer o país de norte a sul para reunir com os agentes do território e, no início do próximo mês, iremos aos arquipélagos. Já em novembro vamos realizar a segunda consulta pública alargada e planeamos entregar a proposta à Comissão até ao final do ano".
E como vai ser, afinal, distribuída essa "bazuca" de 10 mil milhões pelo território nacional? "O nosso objetivo é garantir a equidade na distribuição dos apoios, nomeadamente através da convergência dos pagamentos diretos, de forma a existir um pagamento uniforme em 2026, com a abertura gradual dos pagamentos diretos. Para tal, pretendemos discriminar positivamente a pequena e média agricultura, através do pagamento redistributivo e do regime da Pequena Agricultura, e aumentar os apoios no interior, nomeadamente nas regiões vulneráveis ou com menor cobertura de apoios", garante a ministra. Por outro lado, Maria do Céu Antunes destaca a importância da valorização de sistemas extensivos e a transição para uma maior sustentabilidade dos sistemas de maior produtividade, "para o qual contribuirão os novos ecoregimes, que representam 25% do envelope financeiro dos Pagamentos Diretos". "Quero sublinhar que não esquecemos a necessidade de estabilidade e previsibilidade dos nossos agricultores. Por isso, e apesar de termos objetivos ambiciosos, sabemos que não podemos fazer alterações que sejam disruptivas", sublinha.
A proposta a apresentar à Comissão Europeia será colocada em consulta pública a partir de 15 de novembro. A negociação começa a partir de 1 de janeiro de 2022.