Viva Timor-Leste
Visitei Timor-Leste em dezembro do ano passado. Quando penso nos longos meses que demoravam as naus do século XVI a chegar àquela parte do mundo, só posso dizer que me senti um privilegiado: 22 horas de voo de Lisboa a Díli num Boeing da EuroAtlantic, com uma breve escala no Dubai para reabastecimento. Não vi muito mais do que a capital timorense, com o ilhéu de Atauro em frente, e sobretudo não visitei Oecusse, enclave na metade ocidental da ilha, cercado hoje por território indonésio como na era colonial o foi por território dos holandeses, os grandes rivais de Portugal no comércio das especiarias. E falo de Oecusse, onde um padrão recorda que foi ali que se instalaram os primeiros portugueses há quase 500 anos, porque no referendo de 1999 votou, tal como o resto do futuro país, pela independência, mostrando assim existir um povo, forjado ao longo de séculos pela adesão ao catolicismo e unido pela língua tétum, muito impregnada por palavras herdadas do português.
Recordo que foi um resultado esmagador, de quase 80%, que surpreendeu as tropas ocupantes e fez a alegria do povo timorense, uma alegria que contagiou os portugueses, que tão solidários foram com a antiga colónia que nunca deixaram que os sucessivos governos se conformassem com a anexação pela Indonésia em 1975. Portugal nunca desistiu de defender Timor-Leste, sobretudo nas Nações Unidas, e na hora certa a nossa diplomacia conseguiu que os novos líderes de Jacarta, que substituíram o ditador Suharto depois de uma grave crise económica e política, aceitassem organizar uma votação vigiada pela comunidade internacional.
Desde o massacre no cemitério de Santa Cruz, em Díli, em 1991, e sobretudo depois do Nobel da Paz para José Ramos-Horta e o bispo Ximenes Belo, em 1996, o destino do território concentrava as atenções do mundo, pelo menos as suficientes para que a votação de 1999 acontecesse e em 2002 a independência fosse formalizada, com o histórico líder guerrilheiro Xanana Gusmão como primeiro presidente. Houve uma reação violenta dos soldados indonésios ao resultado do referendo e muita destruição causada pelas milícias integracionistas, mas a comunidade internacional manteve-se firme e Megawati Sukarnoputri, presidente democraticamente eleita da Indonésia, assistiu, faz hoje 20 anos, ao nascimento do novo país, sinal da reconciliação desejada. Aliás, o seu pai, Sukarno, nunca cobiçara Timor-Leste, pois assumia que a Indonésia da qual declarara a independência em 1945 eram as antigas Índias Orientais Holandesas, hoje o mais populoso país de maioria muçulmana, enquanto a antiga colónia portuguesa tem a mais alta percentagem de católicos no mundo, como fez questão de realçar Ramos-Horta numa entrevista que me deu em Díli, e em que se mostrou otimista sobre o futuro de Timor-Leste.
Conversar com o agora presidente timorense (foi eleito já este ano de novo para um cargo que ocupara há mais de uma década) a milhares de quilómetros de Portugal em português seria suficiente para sentir que este pedaço de ilha perto da Austrália é próximo e justifica a nossa solidariedade, a passada, a atual e a futura. A língua portuguesa, oficial, vai ganhando terreno devagar, garantiu-me Ramos-Horta. Mas há outra razão para celebrarmos estes 20 anos - é que Timor-Leste surge em todas as listagens como uma das democracias da Ásia.
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O Dia da Marinha celebra-se a 20 de maio, data da chegada em 1498 de Vasco da Gama a Calecute, na Índia, grande feito da odisseia portuguesa, que irá nas décadas seguintes tão longe como o Japão ou Timor. É o primeiro 20 de maio para o almirante Henrique Gouveia e Melo como chefe do Estado-Maior da Armada e daí a grande entrevista que dá hoje ao DN, a primeira desde que assumiu o cargo.