O húngaro fugido do comunismo que foi diretor artístico da Vista Alegre
A fábrica da Vista Alegre, em Ílhavo, acolheu em 1951 um novo diretor artístico, o húngaro Andor Hubay-Cebrián, que a partir daí fez a sua vida em Portugal, mais tarde em Cascais, onde criou com a mulher norueguesa os dois filhos.
Mas a chegada deste homem de 53 anos tinha razões trágicas, incluindo uma condenação à morte no país natal, como conta o filho, László Hubay-Cebrián: "O meu pai foi perseguido principalmente por ser filho de Jenö Hubay, compositor, violinista e pedagogo, opositor do regime comunista no curto período durante o qual o protagonista do Terror Vermelho, Béla Kun, esteve no poder em 1919. Nessa altura Jenö partiu, com toda a família, para a Suíça, e daí organizou a oposição contra o tirano. Após a queda do regime de Béla Kun, o meu avô regressou à Hungria para reconstruir a Academia de Música, a qual tornou mundialmente conhecida. A sua forte oposição ao regime comunista foi a razão pela qual o Partido Comunista, após a sua tomada do poder em 1945, baniu o seu nome, música e ensinamentos, na Hungria, durante 50 anos. A família aristocrata a que o meu pai pertencia foi outra espinha para o regime comunista, que até aos empregados dos aristocratas tudo extorquia, inclusivamente o direito ao trabalho."
No contexto de violência na Hungria pós-Segunda Guerra Mundial, com o país a ser incluído no Bloco Soviético e a perseguir a aristocracia e todos os inimigos do novo regime, foi o casamento com uma norueguesa que evitou o pior. E Portugal acabou por ser o destino deste refugiado político húngaro, tal como também do almirante Miklós Horthy, que governou a Hungria entre as duas guerras mundiais. E depois da revolta de 1956, ainda de outra vaga de húngaros.
"Portugal como destino surgiu pela mão da família Bobone, sócia de Nils Astrup, irmão de minha mãe, Edle Astrup Hubay-Cebrián, no empreendimento Sociedade Agrícola Madal, em Moçambique. Os Bobone, membros do conselho de administração da Vista Alegre, convidaram o meu pai para vir para Portugal trabalhar como diretor artístico daquela fábrica de porcelanas. Igualmente convidado para diretor artístico de uma universidade nos Estados Unidos, recusou essa hipótese, porque a minha mãe preferiu Portugal, o país europeu mais longe da Rússia e do terror comunista! Chegámos a Portugal em 1951 e fomos viver para a Vista Alegre. Aí frequentei a escola primária, ficando a minha irmã aluna interna no Colégio St. Julian"s, em Carcavelos", acrescenta László, hoje com 73 anos (chegou a Portugal com 5), casado com uma portuguesa e com filhos e netos portugueses.
Andor nunca chegou a aprender português, "mas adorava Portugal e adaptou-se bem à vida quotidiana", conta o filho. "Na Vista Alegre, as suas ideias algo inovadoras, quanto às condições de trabalho na fábrica, conduziram-no a ser transferido, em 1954, para os escritórios em Lisboa, situação que não lhe agradou, acabando por deixar a Vista Alegre, para ser professor de Desenho e treinador de futebol na Escola Americana, em troca do pagamento da minha escolaridade nesse estabelecimento. Dava, igualmente, aulas particulares de pintura. E pintou, pintou sempre, sobretudo na Noruega, durante os verões, de férias naquele país", acrescenta László, que foi gestor da Disney Ibérica e fundador da Câmara de Comércio Luso-Húngara.
Tal como László mantém fortes laços com a Hungria, Andor sonhava com o regresso um dia, se bem que soubesse ser improvável. Explica László que "a única vez que vi o meu pai com algum otimismo e esperança de podermos voltar para a Hungria foi durante a Sublevação Húngara de 1956. Infelizmente, as grandes potências estavam mais interessadas na crise do Suez do que em dar apoio a esta revolta contra a União Soviética e a sua feroz ditadura comunista".
Sobre a condição de refugiado, de se ser alguém condenado a viver longe da pátria, László sublinha que o pai "era profundamente húngaro e deixou a sua alma na Hungria, onde nunca mais voltou fisicamente mas onde sempre a sua alma habitou. Eu sempre percebi que havia algo, muito, que lhe faltava. Acho mesmo que, se não fosse o amor, respeito e amizade que unia os meus pais, ele nunca teria saído da Hungria, independentemente da sua condenação".
Mas muito antes sequer de imaginar que passaria as duas últimas décadas de vida em Portugal, já havia uma ligação de Andor ao país. "Sempre se opôs ao comunismo e a todo o tipo de ditaduras, foi também um forte opositor de Hitler e do seu regime. Ajudou centenas de judeus (escondendo-os no palácio familiar) a fugir do terror nazi, em colaboração com o seu amigo Gyula Gulden, cônsul honorário de Portugal em Budapeste, com o embaixador Carlos Sampaio Garrido e com o encarregado de negócios Carlos Teixeira Branquinho. A Portugal, o meu pai ficou eternamente grato pela forma como este país acolheu a nossa família, bem como as centenas de húngaros que fugiram após a Sublevação de 1956", testemunha o filho. "E dos amigos dos meus pais, que fugiram da Hungria deixando tudo o que tinham para trás, também nunca ouvi uma palavra de queixume. Encararam a situação de cabeça erguida e tentaram viver a vida nos mesmos moldes como sempre viveram na Hungria - com correção e valores, educação e respeito pelo próximo", sublinha.
Andor Hubay-Cebrián, nascido em Budapeste em 1898, ainda no tempo do Império Austro-Húngaro, morreu em fevereiro de 1971 em Portugal. Relembra o filho que o pai estava então "muito pessimista em relação ao futuro político da Europa, em especial da Hungria".
Seriam precisas ainda quase duas décadas para o comunismo começar a ruir na Hungria, ainda antes da queda do Muro de Berlim. Depois disso, o país tornou-se membro da NATO e da União Europeia. E, há dois anos, László esteve em Budapeste numa cerimónia oficial patrocinada pelo Estado e pela Academia das Artes, na qual o seu avô Jenö foi declarado "grande húngaro". Uma forma de ser feita justiça à família.