Exército. Quadro permanente para soldados e cabos?

Previsão de nova quebra no número de praças até ao final de 2018, aliada à falta de voluntários, coloca Exército em alerta vermelho.
Publicado a
Atualizado a

Com efetivos "muito abaixo" das necessidades e prevendo já admissões inferiores ao número de saídas até dezembro, o Exército propôs ao governo estudar a criação de um quadro permanente (QP) para soldados e cabos, soube o DN.

"Os números confirmam que o efetivo não vai aumentar", pois as projeções "para o final" de 2018 - com base nos que se têm candidatado - indicam que o Exército vai ficar "ainda com menos" do que no início do ano, revelou uma alta patente, embora esses dados não sejam públicos.

"A curva continua a ser descendente", assegurou a mesma fonte, sob anonimato por não estar autorizada a falar sobre a matéria. "É preciso estudar todas as opções."

Com necessidades "superiores a 3000 efetivos" nesta altura, outra fonte confirmou ao DN que "a tendência deste ano não estará a ser melhor do que no anterior" em matéria de candidatos nos regimes de voluntariado e contrato.

O governo já fez saber que aprovará em breve novos incentivos e contratos de longa duração até aos 18 anos em certas especialidades, esta última medida proposta há anos pela Força Aérea como forma de responder ao problema da falta de pilotos.

Talvez por isso, há quem questione a necessidade de se avançar já na direção de um QP de praças no Exército sem "dar tempo para aferir o efeito" das novas medidas.

Contudo, há duas medidas vistas como "uma coisa simples" por uma das fontes - ao nível da atração e da retenção das praças - que parecem estar fora da mesa: o aumento das remunerações dos soldados e as promoções ao posto de cabo, respetivamente.

No caso dos salários, na casa dos 600 euros (salário mínimo nacional), um soldado que reside longe do quartel - onde faz turnos frequentes à noite e ao fim de semana devido à falta de efetivos - chega ao fim do mês com um rendimento inferior ao que teria a trabalhar numa caixa de supermercado perto de casa.

Como é comum ouvir-se, "pagam para estar na tropa" - e deverão continuar, enquanto se mantiver a atual situação de salários baixos.

Por outro lado, o atraso sistemático das promoções na categoria de praças tem efeitos diretos na operacionalidade do ramo. "Quando temos um pelotão ou uma secção e o cabo se vai embora" no final do contrato, entre "os soldados que ficam nenhum reconhece o outro como sendo chefe", alerta um responsável do Exército, também sob anonimato por não estar autorizado a falar sobre a matéria.

Se entre oficiais e sargentos "há uma antiguidade relativa" que todos reconhecem, o problema parece óbvio no caso dos soldados quando é preciso colocar divisas de cabo num deles sem critério objetivo reconhecido como válido pelos restantes, acrescentou a mesma fonte.

Promoções e admissões por aprovar

O plano de promoções em 2017 foi aprovado em novembro e, como observou uma das fontes, o grande número delas no Exército situa-se ao nível das praças.

Como se prevê que as promoções em 2018 também sejam aprovadas só no final do ano (sem pagar retroativos às datas a que se reportam), prevê-se que também sejam aprovadas no final do ano. Daí que soldados que estão a meio do seu contrato de seis anos e já têm o curso de promoção a cabo fiquem desanimados e queiram sair, reconhecem as fontes.

"Não é incentivo", constata um oficial, remetendo implicitamente para uma situação recente e já noticiada pelo DN de haver praças que preferem pagar para deixar as fileiras antes do fim do contrato.

Esta era uma realidade frequente apenas nalgumas especialidades da categoria de oficiais, como as dos médicos e dos pilotos-aviadores (cujos salários na vida civil compensavam o valor das indemnizações ao Estado).

"Todos falam de incentivos e melhores condições, mas uma das coisas mais elementares é promover a cabos e no ano passado só autorizaram em novembro", insistiu uma alta patente.

O que também continua por aprovar pelo governo - leia-se Ministério das Finanças - e a exemplo dos anos anteriores são as vagas a preencher em 2018, lamentaram algumas das fontes.

As dificuldades da falta de pessoal nas fileiras são conhecidos há anos e comuns aos três ramos das Forças Armadas, mas a sua dimensão no Exército é muito superior e, nesta altura, já "não é possível resolver o problema das praças só com uma medida", sustentou um oficial.

Daí a defesa de uma revisão global do modelo de serviço militar profissional em termos de incentivos, dos vencimentos, das promoções ou da carreira de praças.

Um dos argumentos dos defensores da solução de criar um QP para praças no Exército reside no facto de haver quem "prefira fazer toda a carreira militar" na categoria de praças. Os exemplos da Marinha - único ramo militar com um quadro permanente de praças - e da GNR, realçou um oficial superior ao DN, servem de fundamento a essa solução.

Certo é que a adoção dos contratos de longa duração a aprovar pelo governo, receiam diferentes fontes, pode vir a adiar para essa altura os problemas, de regresso à vida civil e inserção no mercado de trabalho, dos que agora têm contratos de seis anos - com a agravante, assinalam, de nessa altura se estar perante pessoas na casa dos 40 anos.

Exemplo disso oferece a vizinha Espanha, onde os contratos de longa duração - criados em 2006 - vão até aos 45 anos e os problemas já criados levaram o Parlamento de Madrid a criar, no final de 2016, um grupo para estudar o problema.

E segundo as estimativas da Associação Unificada de Militares Espanhóis (AUME), a principal estrutura socioprofissional nas Forças Armadas de Espanha, o regresso à vida civil de voluntários com 45 anos que não conseguiram entrar para os QP implicará custos próximos dos dez mil milhões de euros.

Exército aprova medidas

Sem respostas eficazes da tutela política, fontes ouvidas pelo DN garantiram que o chefe do Estado-Maior do Exército (CEME) aprovou uma diretiva em abril passado com medidas que o ramo, dentro da sua área de competências, pode adotar para melhorar os níveis de recrutamento, formação, retenção e reinserção das praças.

Uma dessas medidas é o Centro de Formação Profissional Militar, visando aumentar a capacidade dessa formação certificada durante o período de serviço militar e abrangendo a oferta identificada no Catálogo Nacional de Qualificações.

Segundo uma das fontes, o documento classificado do CEME refere que "as medidas passam pela motivação dos militares através da melhoria das condições de vida nas unidades", beneficiando-os diretamente e às suas famílias.

Desenvolver campanhas promocionais específicas para as mulheres, distribuir os recrutas pelos polos de formação do Exército mais próximos das respetivas áreas de residência e promover o recrutamento nas regiões do Alentejo interior e do Algarve através da colocação das praças aí residentes nas unidades de Estremoz, Elvas, Évora, Beja, Tavira e Lagos, também integram o pacote de medidas aprovadas pelo ramo.

Outras três passam pelo recurso à telemedicina por parte dos Gabinetes de Classificação e Seleção, a revisão das tabelas de inaptidão e incapacidade para as adequar às atuais características físicas e psicológicas dos jovens, ou a adoção de um programa de treino físico a cumprir pelos candidatos depois das provas de classificação e seleção até à data de incorporação (para os adaptar às exigências físicas da recruta).

Pagar o primeiro vencimento dos soldados logo no segundo mês da sua incorporação (ainda na recruta) e colocar as praças em cargos adequados às suas especialidades, competências e qualificações também são objetivos a atingir pelo ramo.

Fazer que os formadores tenham os cursos e competências adequados, desenvolver melhores práticas e técnicas nesse domínio ou promover a rotatividade dos oficiais e sargentos dos QP entre as áreas operacional, de formação e recrutamento (para lhes dar maior experiência nas duas últimas áreas) também são medidas a concretizar pelo Exército no curto e médio prazos.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt