"Se houver possibilidade de continuar a solução de governo, deve continuar-se"
Pedro Marques, o cabeça-de-lista do PS nestas eleições, tem um problema de notoriedade?
Eu julgo que não. Pedro Marques é do meu distrito, foi vereador no Montijo, foi secretário de Estado da Segurança Social e ministro do Planeamento nos últimos três anos e meio. Por isso, creio que há, pelo menos, uma parte muito significativa de Portugal que o conhece; conhece-o pelo trabalho que desempenhou, designadamente, no desenvolvimento social e no desenvolvimento das infraestruturas em Portugal.
Como é que explica que nas redes sociais, sobretudo, e numa certa vox populi, exista uma certa animosidade ou, pelo menos, uma desvalorização da figura?
Bom, isso eu não sei explicar, porque conheço o Pedro Marques há muito tempo e gosto de valorizar o trabalho que ele foi desenvolvendo ao longo dos tempos. Aliás, para os mais atentos na política, Pedro Marques foi o grande responsável nos últimos três anos e meio pela negociação da reprogramação dos fundos estruturais em Portugal, e nós sabemos o que os fundos estruturais significam no desenvolvimento do país. Ele tem sido o responsável também, neste governo, por encontrar formas que possam potenciar o maior desenvolvimento do país, de obras que estiveram paradas, de obras que tiveram de recomeçar ou de obras que têm mesmo de voltar a estar ao serviço do desenvolvimento deste nosso país.
Acha que ele daria um bom comissário europeu?
Eu julgo que ele desempenhará bem quaisquer funções para as quais for designado. Daria um ótimo comissário europeu, mas não vale a pena discutirmos essa situação neste momento, pois não está em cima da mesa. O que está em cima da mesa - e é bom que os portugueses valorizem também isto, e eu quero mesmo valorizar - é a eleição para o Parlamento Europeu. É o órgão mais democrático das instituições europeias, que tem a representação de todos os Estados membros e tem a representação de todas as famílias políticas. Felizmente, depois do Tratado de Lisboa e com o impulso também por parte de um governo socialista português, temos hoje o Parlamento Europeu mais dotado de competências e com maior capacidade de ação no seio das instituições europeias. Por isso, eu creio que devemos estar focados nestas eleições, nos nossos representantes para o Parlamento Europeu. É lá que um conjunto de coisas se define, designadamente a próxima Comissão Europeia.
Há esse discurso de que se tem desvalorizado um pouco estas eleições. Não acha que o facto de o próprio António Costa assumir estas eleições como um teste ao governo contribuiu, logo à partida, para que isso acontecesse?
Julgo que é excessivo dizer que António Costa decidiu nacionalizar estas eleições europeias. É bom que todos tenhamos consciência de que qualquer coisa que façamos hoje no dia-a-dia tem que ver com a União Europeia, tem que ver com o facto de estarmos na UE. Uma escola que os nossos filhos frequentem - e a sua melhoria - tem que ver com o que a UE nos trouxe de progresso; um centro de saúde que nós frequentemos, ou um hospital, tem que ver com aquilo que foi o investimento, o desenvolvimento e a nossa integração europeia. Não é possível olhar para estas eleições sem pensar no que a Europa já fez por nós ao longo destes trinta e muitos anos e no que Portugal pode fazer pela Europa. Talvez seja aqui que eu gosto de nacionalizar estas eleições - o que é que nós portugueses, enquanto responsáveis políticos, enquanto cidadãos, podemos fazer para melhorar também o projeto europeu, que é um projeto que, como sabemos, está ameaçado, e muito ameaçado, pelas extremas-direitas e pelos populismos.
E o que podemos fazer é assumir que estas europeias são um teste ao governo?
Não, o que podemos assumir é que estas europeias são um contributo, que eu gostaria que os portugueses dessem com a força que vão dar nestas eleições ao Partido Socialista, para que o PS possa continuar a influenciar a mudança que se está a viver, devagarinho, na Europa. Há três anos era impensável olhar para Portugal e dizer que o ministro das Finanças português podia ser presidente do Eurogrupo. Isso só foi possível porque em Portugal prometemos um caminho diferente daquele de Lagarde no FMI ou de Merkel na Alemanha, e nas instituições europeias diziam-nos que era impossível. O próprio Durão Barroso - é bom não esquecer -, enquanto presidente da Comissão Europeia, perante a crise, por um lado a crise internacional financeira, por outro a crise migratória, olhava impávida e serenamente e dizia que não havia alternativa senão medidas de austeridade. Essas medidas de austeridade fizeram um caminho e era preciso demonstrar aos portugueses que tivessem confiança e que era possível melhorar a Europa, que era possível um Portugal mais coeso, mais solidário. O que eu gostaria que os portugueses percebessem é que o que está em causa neste momento também é contribuirmos para que a Europa volte a ser uma projeto de paz, coesão e solidariedade. Quero dizer com toda a franqueza que sou uma europeísta convicta, talvez porque quando tinha 10 anos Portugal entrou na UE e o que eu me lembro da minha vida é como cidadã europeia. Somos todos cidadãos europeus.
Talvez tenha sido por isso que Carlos Moedas disse aqui, na última semana, que António Costa era hoje a voz dos socialistas europeus, e talvez tenha sido também por isso que alguém escreveu que António Costa daria um bom presidente do Conselho Europeu.
Eu sou suspeita para dizer isto, mas julgo que António Costa tem todas as capacidades de um líder. É um homem determinado, convicto, sabe por onde quer ir e sabe dialogar e encontrar respostas mesmo nos momentos mais difíceis, foi isso que fez e que provou ao longo dos últimos três anos e meio em Portugal. Daria seguramente, um dia, um bom presidente do Conselho Europeu.
Conhece-lhe esse gosto?
Conheço o gosto e a vontade de António Costa de fazer coisas. Conheço um António Costa empenhado, determinado em continuar o trabalho que iniciou há três anos e meio e em continuar a desenvolver Portugal, mas tem a consciência, como todos nós temos, de que não é possível continuar a dar mais rendimentos, criação de emprego, maior investimento, atrair investimento para Portugal, se não for no seio da UE. Não é possível encontrar respostas aos problemas globais, como as alterações climáticas ou a revolução digital ou, se quisermos, a transformação digital que está aí e que vai pôr em causa um conjunto de empregos que existem hoje e colocar-nos os desafios de novos empregos, isoladamente. Essas respostas encontram-se no seio da UE e é isso que eu lhe conheço, esse gosto e essa convicção absoluta de que tudo isto se constrói com todos em Portugal, mas no seio da UE, hoje a 28, e esperemos que não aconteça uma saída abrupta, como se tem visto, do Reino Unido.
Já que estamos a falar em futuros, a Ana Catarina olha para o seu futuro político e vê-se onde?
Eu não tenho uma bola de cristal [risos] para ver o futuro. Todos os que me conhecem sabem que sempre assumi os desafios com muita convicção. Acredito no projeto que abracei em 2014 nas primárias dentro do PS para que António Costa pudesse ser secretário-geral do partido e primeiro-ministro de Portugal. Foi-me lançado o desafio, por António Costa, de ser secretária-geral adjunta do PS, e quero dizer que tenho desempenhado o cargo com enorme gosto por uma razão: a convicção absoluta de que não há democracias fortes sem partidos fortes e, por isso, o discurso antipartidos é um discurso que a mim me deixa particularmente incomodada e faço um esforço todos os dias para que o PS se renove, volte a ter dinâmica de pensamento que produza novas ideias e que possa com isso ajudar a aprofundar e a melhorar a democracia.
Provavelmente ter uma líder de um partido seria, pela própria simbologia, uma mudança óbvia?
Não há coisas óbvias, o meu empenho é total nestas funções que estou a desempenhar, de secretária-geral adjunta. Julgo que tenho contribuído também para que os partidos possam credibilizar-se para que não nos deixemos em casos, para que possamos discutir política a sério, para que percebamos que as futuras gerações, as atuais e as mais velhas, precisam de respostas. Se hoje olharmos para uma população que está cada vez mais envelhecida, com uma esperança média de vida mais longa, a precisar de mais cuidados, creio que um grande desafio para uma pessoa que tem 46 anos como eu é que respostas dar para que estas pessoas possam ter qualidade de vida, seja no Serviço Nacional de Saúde, seja no acompanhamento que é preciso, seja olhando para várias experiências no mundo. Também olhando para quem tem dois filhos com 10 e 12 anos e esperar poder deixar uma marca e um contributo para que cresçam num país e num mundo mais desenvolvido e mais solidário.
Quando vemos os debates nas televisões, os candidatos e cabeças-de-lista das europeias são muito... à moda antiga - são praticamente todos homens, só há uma mulher, são todos brancos, são todos mais ou menos de meia-idade. Não era altura de se marcar aqui mais a diferença?
Eu julgo que nós vamos fazendo esse caminho.
Pelos vistos não...
O PS apresenta a estas eleições uma lista totalmente paritária.
Em que o cabeça-de-lista é um homem.
O cabeça-de-lista é um homem, mas temos 50% de homens e 50% de mulheres nesta nossa lista. É um caminho que se vai fazendo. Devo dizer que cheguei ao Conselho da Europa em 2006, não havia uma percentagem muito significativa de mulheres na assembleia parlamentar do Conselho, e uma das introduções que eu própria produzi foi que houvesse pelo menos 33% de mulheres nas delegações nacionais, coisa que veio a acontecer. É um caminho que se vai fazendo ao longo dos tempos. Hoje, devo confessar, mesmo dentro do PS há muito mais mulheres a ter protagonismo e com trabalho feito, seja nas câmaras municipais, nas juntas de freguesia, no seio do próprio partido e também no governo, mas, obviamente, sempre mais é melhor.
Não esperava que por esta altura houvesse resultados melhores para o PS nas sondagens?
As sondagens são um barómetro, mas é importante que continuemos a trabalhar para aquilo que é essencial, que é não nos desviarmos do que for socialmente justo para as pessoas e conseguirmos dar sempre o nosso melhor. Há uma coisa, porém, que me deixa incomodada nas sondagens, que é o nível de abstenção que, como sabemos, nas eleições europeias cresce exponencialmente, e é para aí, sim, que acho que devemos canalizar as nossas energias. Devemos perguntar-nos, mesmo enquanto partidos, o que é que faz que as pessoas se desviem não da política, mas dos partidos e com isso se demitam de votar. Acho que aí há um trabalho muito grande de credibilização para fazer que julgo que temos vindo também a fazer no PS ao longo dos tempos.
Porque é que diz que não é da política e é dos partidos?
Porque conheço muitos movimentos sociais. Há muita gente nova a trabalhar em associações ambientais, eu própria comecei numa organização não governamental para o desenvolvimento e ligada às questões da cooperação; há muita gente ligada a associações de defesa dos direitos humanos, uma associação de estudantes, um condomínio.
Não é uma questão de falta de participação, é de haver alguma animosidade em relação aos partidos políticos?
Não há falta de participação, e devo dizer que a minha experiência ao longo dos últimos três anos e meio - temos feito discussões por todo o país, nas estruturas, abrindo sempre à sociedade - mostra que sempre que se abrem estas discussões à sociedade as pessoas têm vontade de participar e participam, mas o que me preocupa é que isto aconteça, mas depois em eleições europeias, onde se joga também a importância do desenvolvimento do nosso país, as pessoas achem que é uma coisa que está distante. Preocupa-me a abstenção num eleitorado que é mais jovem, por exemplo, que é um eleitorado que já nasceu em democracia, que já nasceu na UE, mas que ainda assim sente que as respostas que estamos a dar por vezes não são as respostas que vão ao encontro dos seus problemas.
O que é que o PS está a fazer concretamente para motivar os portugueses a votarem no próximo dia 26?
Julgo que temos vindo a explicar ao longo dos tempos a importância da Europa no nosso dia-a-dia.
Tem de repetir muitas vezes até isso soar a verdade, porque, de facto, o sentimento europeu é escasso, julgo que não só em Portugal.
É verdade, por uma razão: o sonho de uns Estados Unidos Europeus, de um Estado social forte, que foi para isso que foi construída a UE, e que fez o seu caminho ao longo dos anos, com a crise internacional que todos vivemos a partir de 2008, a Europa não soube dar resposta coletiva, foram sendo dados paliativos, se quisermos, para as feridas que eram muitas. As feridas foram aumentando de tamanho. Foi a ferida do desemprego, foi a ferida da pobreza, foi a ferida do desinvestimento na Europa por parte de outros povos, foi a ferida da emigração e das mortes no Mediterrâneo e a incapacidade da Europa e das instituições europeias de darem resposta.
E foi a falta de coesão na crise económica que a Europa viveu.
Foi a falta de coesão, foi a ferida que foi sendo cada vez mais aprofundada e a facada foi cada vez maior entre o norte e o sul - os Estados devedores e pecadores e os Estados fantásticos e especiais - e não houve esta partilha de "a dificuldade é de todos nós, a Europa é um só todo". Para se agigantar no meio de um mundo global que temos entre a China, a Rússia e os Estados Unidos, estes gigantes económicos que temos, a Europa precisava de ter tido respostas mais solidárias, e com isso afastou-se os cidadãos.
Certo, mas a verdade é que em Portugal essa ferida também existe porque todos os problemas sociais que têm acontecido e que este governo tem tido de enfrentar - os professores, os enfermeiros, a saúde - são tudo problemas em que o que tem vingado é essa versão de desinvestimento, de cortes, de não reposição e situações que existiam e que eram consideradas justas. Como é que isto se resolve?
Vamos ver se conseguimos fazer uma retrospetiva de onde é que nós saímos em 2015.
É que é preciso não esquecer que o ministro das Finanças é muito elogiado porque é um ortodoxo...
Não é um ortodoxo da Europa. O ministro Mário Centeno merece a minha total admiração e o meu respeito pelo trabalho que tem sido feito. É bom relembrar os portugueses que o PSD e o CDS inscreveram no seu programa de estabilidade 2014-2019 uma previsão de taxa de desemprego de 11% no ano 2018 e no ano 2019. Felizmente, com este governo, hoje a taxa de desemprego está nos 6,3%. Isto significa que não fomos ortodoxos, acreditámos que era possível, mesmo no seio das instituições europeias onde se dizia que não era possível, e demonstrámos que criámos 350 mil novos postos de trabalho, que devolvemos aquilo que tinha sido cortado nas pensões ou nos salários. Isto parece uma cassete, uma disquete, um CD, um MP3, um Spotify, o que for, mas a verdade é que isto são os resultados de uma vontade férrea de dizer: é possível voltarmos a ter coesão social no país.
São esses, e como o SNS está, como o problema que temos nalguns transportes, tudo isso é reflexo da governação recente, como é evidente.
Quero dizer o seguinte sobre isso: temos de olhar, e creio que a próxima legislatura é decisiva, porque não conseguimos resolver todos os problemas em quatro anos, mas temos de lembrar também de onde é que partimos - menos mil milhões no SNS e menos profissionais de saúde. Voltámos a aumentar o investimento para mais de mil milhões no SNS. Eu nem gosto muito de falar de números assim porque para quem tem ainda uma espera numa consulta ou numa cirurgia isto soa a falso. Mas a verdade é que temos tentado com mais médicos, com mais enfermeiros, revendo a carreira dos enfermeiros, diminuindo (e ainda a pretensão também dos enfermeiros) para 35 horas o horário de trabalho, voltando a investir em mais técnicos de diagnóstico e terapêutica.
Mas assume que o investimento público ficou aquém daquilo que seria necessário?
Assumo que o depauperamento foi tão grande, tão grande, tão grande, que vão ser precisos ainda muitos anos para voltarmos a ter tudo como nós gostaríamos de ter, mas assumo também que Portugal é um dos países que têm, para não dizer o melhor, um dos melhores serviços nacionais de saúde, mas que é preciso continuarmos a investir. A próxima legislatura é decisiva para continuar a investir, não só no SNS como nos serviços públicos em Portugal. Se eu digo que estamos satisfeitos com tudo o que já conquistámos? Sim, mas queremos mais, não nos basta isto, não basta agora cruzar os braços e dizer: "Pronto, já pusemos ali..." Não. É preciso mais.
Até porque é um pouco difícil ter essa imagem quando na questão que acabou de acontecer, na semana passada e na semana anterior, que envolvia o governo, a oposição (aqui era toda a oposição) e os professores, o PS apareceu como o bom das contas, o certinho, que não pode permitir que haja pagamentos que não estão previstos.
Surgiu com responsabilidade. Vamos ver uma coisa, não é possível ao mesmo tempo devolver rendimentos, voltar a investir nos serviços públicos, criar o passe único e com isso aliviar os gastos das famílias, não aumentar impostos, descongelar carreiras, aumentar o salário mínimo nacional, melhorar as condições do emprego, porque é preciso dizer que dos 350 mil novos empregos, 80% são empregos com vínculo permanente, o que significa combate à precariedade, e dizer-se que há uma franja da população que acha que lhe deve ser dado mais do que foi dado às outras carreiras da função pública. Sabemos que as negociações com os sindicatos foram duras durante dois anos e que aquilo que é possível dar é aquilo que garante que há futuro para as próximas gerações.
Embora, no caso dos professores, essa expectativa tenha sido criada, se não pelo PS totalmente, pela solução política que suporta o governo atual.
O PS inscreveu no seu programa eleitoral, e no programa de governo que foi aprovado pelos parceiros à esquerda no Parlamento, o compromisso de descongelar as carreiras a partir de 2018. Este foi o compromisso. No Orçamento do Estado para 2018 foi pedido que houvesse uma negociação com os sindicatos, coisa que foi feita, negociação essa que levou a uma negociação de compromisso em que se encontraria o tempo e o modo de forma a mitigar os efeitos do congelamento ao longo de tantos anos. Pergunta-me se eu acho que é justo as carreiras terem sido congeladas? Não, não acho. Acho injusto, mas acho que aquilo que o governo fez e que o PS se pode orgulhar foi prometer descongelar estas carreiras. Estão descongeladas, foi ontem promulgada pelo senhor Presidente da República também a reposição da contagem de 70% para efeitos de progressão em algumas das carreiras especiais. Estamos a fazer o que é possível, o que não podemos é gastar mais do que aquilo que temos, sob pena de voltarmos ao infortúnio do que foi a governação do CDS e do PSD, ajudada muito por essa Europa que achava que os países do sul tinham de ser penalizados pela má gestão das suas contas. Não é uma questão de ortodoxia, não é uma questão de sermos "Tio Patinhas" para amealhar, porque não é disso que estamos a falar, mas de responsabilidade na gestão das contas públicas para que sejamos também justos. Esta medida de apenas devolver a todos os professores esquecendo as outras carreiras é socialmente injusta para com todos os outros.
Voltando à política partidária: o que é que seria um resultado "poucochinho" para o PS nestas europeias?
Posso dizer-lhe o que é um bom resultado para o PS: ganhar as eleições, ter mais votos, ter mais eurodeputados. Estou familiarizada com essa expressão que levou a que, cinco anos depois, possamos hoje dizer com orgulho que tínhamos razão na necessidade de mudar o rumo do PS para mudar também o rumo de Portugal. Foi isso que fizemos, por isso o que interessa é ganhar as eleições e, sobretudo, ganhar os portugueses para o combate que é preciso fazer da defesa do projeto europeu. Não me cansarei de dizer isto. Talvez alguns dos meus ex-alunos, de quando dei formação profissional e explicava Direito Europeu, ao ouvirem esta entrevista, se a ouvirem, se lembrem deste meu apelo, que faço há 20 anos.
Mas se o PS baixar ou mantiver o mesmo número de eurodeputados, tendo até em conta as declarações de António Costa em relação a estas eleições, podemos dizer que os portugueses passaram um cartão amarelo ao partido?
É preciso não olhar para o resultado assim, é preciso olhar para o conjunto, saber o que aconteceu, saber se houve uma abstenção muito mais elevada.
Portanto, avaliar a posição relativa do partido?
Eu percebo que queiram fazer esse prognóstico... [risos]
Não, precisamos de perceber o que é que são os objetivos eleitorais do partido e o que é que significa se não os alcançarem.
Os objetivos eleitorais do PS são que os portugueses nos deem um voto de confiança para continuarmos a trilhar um caminho na Europa que é um caminho que eu acho que tem sucesso. Tendo em conta o próximo Parlamento Europeu, que vai ser um Parlamento onde se prevê que PPE e PSE, os dois partidos tradicionalmente europeístas, vão ter menos de cerca de cem eurodeputados, isto significa uma fragmentação muito grande do Parlamento Europeu. Por isso, aquilo que peço aos portugueses é uma confiança no PS para que possamos também, no seio do Parlamento Europeu, fazer uma frente progressista capaz de continuar a aprofundar o espaço europeu como projeto político que hoje precisa de novas respostas para novos problemas, mas que essas novas respostas não dispensem o que é viver em democracia, o que é viver em liberdade, o que é viver com solidariedade.
Fazendo uma comparação e aquilo que existe cá dentro, não é nesse sentido mais interessante para o PS pensar em estratégias de cooperação, coligação, ao centro do que nas franjas mais radicais do eleitorado?
Acho que o PS tem demonstrado ao longo dos anos, e muito também na Europa, que nunca esteve ao lado do radicalismo.
Exceto em Portugal.
Também aí acho que aprofundámos a democracia quando quebrámos o muro de 40 anos que tínhamos com o PCP. O PS e o PCP tiveram um muro durante 40 anos, o Bloco de Esquerda é um partido mais recente, tem 20 anos e, portanto, não se pode falar de muros. Mas um sinal de amadurecimento da democracia em Portugal foi mesmo a possibilidade da construção da geringonça e desta solução governativa.
Houve um momento em que talvez isso tivesse sido possível com Ferro Rodrigues na direção do PS, houve um momento em que essa possibilidade esteve realmente em cima da mesa...
Houve. Julgo que nessa altura esteve em cima da mesa essa possibilidade, aliás, também pelo percurso de Ferro Rodrigues que se lhe conhece e da sua aproximação também...
Mas que foi concretizada agora.
Foi concretizada agora e não esquecendo que António Costa foi quem esteve também na negociação da coligação Por Lisboa com o Presidente Jorge Sampaio e com o PCP à época para fazerem uma coligação na cidade de Lisboa. Isto para dizer que para não perder a identidade e não perder o caminho teria sido se calhar mais fácil para o PS, para conquistar facilmente essa solução de governo, explicar ao BE e ao PCP "sim, nós aceitamos tudo o que disserem sobre a Europa!", e essa foi uma linha vermelha, nós não discutimos, não ficou nos acordos nada sobre a Europa. A posição de ceticismo, quer do PCP quer do BE, em relação ao projeto europeu não se coadunava com o PS e com aquilo que o PS sempre defendeu desde a sua integração na UE. Por isso é que nós pudemos trilhar um caminho nacional de reforço também do nosso Estado social, ao mesmo tempo que nas instituições europeias defendíamos a solução governativa que, devo dizer, foi olhada com grande desconfiança por todos os comissários europeus e pelo presidente da Comissão Europeia, aliás, ontem referido, e que a TSF também relatou, no debate entre Timmermans e Webber, o PPE e o PSE. O sublinhado que eu gostaria de fazer é: qual foi o país que esteve no centro do debate como o exemplo daquilo que foi a transformação e que é possível ser feito também na UE? Foi, de facto, Portugal. Quem foram os protagonistas desse debate? António Costa e Mário Centeno. Aliás, atrevo-me mesmo a dizer, como o comissário Moedas, é hoje um bom exemplo do que se deve fazer também na Europa.
Olhando para o futuro, dada a posição do PS em relação a futuros entendimentos com a esquerda: no outro dia ouvimos vários socialistas dizerem que a geringonça é irrepetível, depois ouvimos outros a dizer precisamente o contrário. A Ana Catarina Mendes com qual destes grupos se identifica?
Sinto-me muito confortável com a solução que foi encontrada, bastante confortável mesmo, sobretudo porque sinto que ela trouxe a possibilidade de o PS governar, mostrar que é um partido de diálogo, mas um partido que faz. Hoje, quando olho para os resultados, tenho mais vontade ainda de continuar este caminho.
Ou seja, esta solução tem futuro?
Continuar este caminho para melhorar a vida das pessoas, porque é nisso também que me concentro. Os portugueses dirão na noite das eleições de dia 6 de outubro que formação de governo deve haver no futuro. Nestas, os portugueses dirão, aliás, com que força o PS chegará ao Parlamento Europeu para poder continuar a influenciar os destinos da Europa, e também para que na Europa o PS possa ter uma voz forte para fazer essa frente progressista que possa mudar e ter respostas concretas para as pessoas. Em relação a outubro, digo aquilo que disse em 2015: se houver a possibilidade de continuar esta solução de governo que mostrou que trazia resultados positivos, deve continuar-se. Não tenho posições dogmáticas sobre as coisas, mas tenho uma coisa, que é que o PS nunca se desvie dos seus valores fundacionais, porque foram estes que permitiram governar o país como governou nestes anos e fazer esta solução governativa chamada geringonça, da qual, como disse no início, gosto do nome, e até tenho, aliás, uma coleção de geringonças para fazer jus a esta solução governativa.
Então não faz sentido pedir maioria absoluta?
Faz sentido pedir aos portugueses que confiem no PS e é evidente que eu desejo que o PS tenha o melhor resultado. Se os portugueses entenderem que devem dar uma maioria absoluta ao PS, encantados! Se entenderem que não devem dar uma maioria absoluta, há uma coisa que sabem, é que com o PS terão sempre solução, porque em democracia há sempre alternativas e há sempre a construção de pontes e diálogos para melhorar.
Inclusive uma solução pós-eleitoral com o PSD?
Como lhe digo, não está em cima da mesa. Aliás, acho que o António Costa disse muito bem em 2014, quando se apresentou às primárias, reforçou-o na campanha legislativa de 2015 - o fim do arco da governação. Como eu também já tenho dito, o fim deste arco da governação à direita não significa que tenhamos construído um novo arco da governação. Os portugueses falarão, e depois da noite em que os portugueses falarem, nós teremos uns dias para honrar aquilo que os portugueses disserem nas urnas.
Rui Rio inspira-lhe confiança?
Devo confessar que Rui Rio, na gestão do dossiê dos professores, demonstrou a sua total impreparação para governar o país.
O que é que sentiu quando ouviu Joe Berardo na comissão de inquérito?
Indignação, indignação. Julgo que os dez milhões de portugueses que assistiram à audição de Joe Berardo na casa da democracia se sentiram defraudados e indignados.
Mas surpreendeu-a a postura de Joe Berardo, ou seja, ele mudou assim tanto ao longo destes anos?
Eu não tenho a simpatia que muitos têm, desde jornalistas, a políticos, a banqueiros, por Joe Berardo. Percebo que seja um colecionador, que tenha imensas obras de arte e que isso seja bom para que os portugueses possam ter acesso a essas obras, porque nada melhor do que o acesso à cultura, mas não se pode desrespeitar a democracia como se desrespeitou no Parlamento e não se pode brincar, para não dizer outra coisa, com os portugueses e com os contribuintes como quando se ouve aquela audição.
A verdade é que o apogeu de Berardo foi muito durante governos socialistas...
[Risos] Bom, eu percebo que queiram dizer isso porque foi quando surgiram mais as coisas de Joe Berardo.
A questão da Portugal Telecom e do BCP foi toda feita quando o governo socialista estava no poder. Fomos muitos os portugueses que se deslocaram aos vários sítios onde Berardo tem obras de arte para termos acesso a essas obras de arte. Isso não me dá o direito de dizer que todos os portugueses são responsáveis pela criação do Berardo.
De qualquer forma, Berardo e outros empresários beneficiaram de empréstimos bancários duvidosos, nomeadamente por parte de um banco público. Admite que possa ter existido promiscuidade entre a política e o mundo dos negócios durante essa época?
Porquê durante essa época? Podemos falar do BPN.
Está a dizer que essa promiscuidade é inevitável?
Não, não. Estou a dizer que infelizmente ela existiu. Quer no caso do BPN quer no caso da Caixa Geral de Depósitos, com diferentes partidos à frente e com diferentes governos, tudo o que foi feito de forma ilegal ou criminosa tem de ser julgado na justiça.
No Conselho de Ministros de quinta-feira passada houve um anúncio de uma tomada de posição e de medidas por causa da coleção Berardo. Os movimentos populistas têm agarrado nesta questão para explorá-la...
Eu não misturava as duas coisas. Acho que é um mau princípio e é isso que faz crescer e grassar os populismos e o descrédito na política. Continuo a acreditar na política, acho que a medida do Conselho de Ministros aprovada é garantir o acesso público, a todos, às coleções Berardo e, tanto quanto li no comunicado do Conselho de Ministros, serão tomadas as medidas necessárias.
Que avaliação faz do papel do Presidente da República?
Positiva, muito positiva.
Estão por isso criadas condições para o PS apoiar Marcelo Rebelo de Sousa se ele decidir candidatar-se a um novo mandato?
Não está em cima da mesa neste momento.